O Globo, n.32005 , 23/03/2021. Sociedade, p.9

 

UTIS lotadas

Ana Letícia Leão

Cleide Carvalho

Dimitrius Dantas

André de Souza

23/03/2021

 

 

Ao menos seis estados já usam UPAs para internar pacientes com Covid—19

Diante do aumento de casos de Covid-19 no país e a baixa disponibilidade de leitos de UTI, ao menos seis estados estão usando Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) para internar pacientes. O Distrito Federal anunciou que tomará a mesma medida, mas ainda não a colocou em prática. A solução, que visa aumentar a capacidade de atendimento a doentes que precisam de oxigênio ou aguardam transferência, também já dá sinais de saturação. A entrega de cilindros do gás e a falta de profissionais especializados são desafios para que a estratégia funcione, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO.

No estado de São Paulo, o número de pessoas internadas com Covid-19 cresceu 110% nas últimas quatro semanas, atingindo 28.638 ontem. Algumas cidades, como São Paulo, equiparam as salas de emergência das UPAs para criar condições de manter pacientes intubados. Só na capital paulista, 880 doentes estão internados nesse tipo de unidade. Uma médica que atende em três UPAs no município vizinho de Osasco, que também adotou a estratégia, relata que as unidades contam com ventilador mecânico e equipamentos para monitorar saturação e frequência cardíaca. Faltam, porém, segundo ela, intensivistas e fisioterapeutas.

— Estamos no meio de uma guerra, onde tudo é possível e necessário para que a gente salve vidas. Entre não ter um leito em um hospital e ter um leito adaptado em uma UPA, o importante éter o leito—disse ontem o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia.

Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Norte também recorreram às UPAs para aumentar o atendimento a pacientes internados com Covid. Em Porto Alegre, onde a ocupação dos leitos de UTI está acima de 100% há 21 dias, apenas sete vagas de internação estavam disponíveis ontem nas quatro unidades de pronto atendimento do município.

Para o epidemiologista Paulo Lotufo, o uso das UPAs como suporte de internação para pacientes com Covid-19 funciona, desde que o local tenha estrutura para receber o doente e alogística de reposição de oxigênio seja aprimorada. Ao contrário dos hospitais, que costumam ter reservatórios grandes para receber ogá se uma rede interna decanos de distribuição, as UPAs recebem o insumo em cilindros, que precisam ser repostos frequentemente.

—Quando a UPA é do lado do hospital, não tem segredo, pois há rede de oxigênio encanada (no hospital), onde se gasta muito menos e se controla de maneira central. Nas outras UPAs, tem que levar e trocar cilindros. É mais complicado —disse.

A capital paulista registrou duas ocorrências relacionadas ao abastecimento de oxigênio nos últimos quatro dias. Na noite de sexta-feira, dez pacientes foram transferidos de uma unidade para evitar falta completa do gás. Ontem, um problema técnico no tanque hospitalar fez com que quatro pacientes precisassem ser transferidos às pressas da UPA Tito Lopes, na Zona Leste. Segundo relatos ao Sindicato dos Servidores

Públicos Municipais, o Samu pediu que equipes emprestassem cilindros de oxigênio para socorrer os pacientes. Segundo a prefeitura, as transferências ocorreram por precaução.

A preocupação com o fornecimento de oxigênio levou o governo de São Paulo a anunciar ontem uma parceria com a iniciativa privada para garantir a produção e distribuição do gás no estado. Após reunião com o setor, o governo prometeu entregar uma nova usina de oxigênio em dez dias, doada por uma empresa de bebidas, e organizar a entrega e retirada de cilindros usando caminhões de empresas de gás de cozinha.

No Paraná, o secretário estadual de Saúde, Beto Preto, espera ter o mesmo tipo de apoio. Ele fez ontem um apelo para que indústrias doem ao menos mil cilindros para atender UPAs e hospitais de pequeno porte no interior do estado.

Ontem, o Ministério da Saúde afirmou à Procuradoria Geral da República (PGR) que seis estados enfrentam uma situação preocupante no abastecimento de oxigênio hospitalar: Acre, Rondônia, Mato Grosso, Amapá, Ceará e Rio Grande do Norte. O cenário mais crítico é no Amapá, onde a Procuradoria pede uma ação imediata do governo.

CORPOS NO CHÃO

“Estamos no meio de uma guerra, onde tudo é necessário para que a gente salve vidas. Entre não ter um leito em um hospital e ter um leito adaptado na UPA, o importante é ter o leito” Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo 

Também à beira de um colapso, o sistema de Saúde do Distrito Federal passou a apresentar problemas no manuseio de cadáveres, segundo o G1. Imagens feitas por servidores em hospitais públicos da capital federal ontem mostram corpos de vítimas do coronavírus armazenados no chão e nos corredores de unidade de saúde.

Corpos de pacientes com Covid-19 precisam ser ensacados e enterrados em caixão lacrado, para evitar a contaminação. A Secretaria de Saúde disse que “segue o preconizado no protocolo específico de preparo e armazenamento dos corpos vítimas de Covid-19”.,Ontem à noite, 426 pacientes aguardavam transferência para um leito de UTI no DF. Na semana passada, o governo anunciou a criação de 82 leitos em três UPAs, com pontos de oxigênio. Questionada ontem, a pasta informou que está trabalhando para abri-las.