O Globo, n.32004 , 22/03/2021. País, p.8

 

Investigações de ‘rachadinhas’ a passos lentos

22/03/2021

 

 

Após dois anos da divulgação do relatório do Coaf, indicando movimentações financeiras atípicas de funcionários de 22 deputados da Alerj, apenas dois parlamentares foram alvos de denúncias formais, mostra levantamento do GLOBO

Movimentações financeiras atípicas dos funcionários de 22 deputados estaduais do Rio, listadas em relatório elaborado em 2018 pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), não se transformaram, até hoje, no “vendaval político” que parecia se aproximar da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em dezembro daquele ano, quando os dados vieram à tona. É o que mostra levantamento feito pelo GLOBO junto às defesas dos parlamentares cujos gabinetes passaram a ser investigados, há dois anos, em procedimentos sigilosos abertos pelo Ministério Público (MP) fluminense para apurar possíveis irregularidades.

Até agora, do total de parlamentares incluídos no relatório, somente dois foram alvo de denúncias formais: o deputado estadual Márcio Pacheco (PSC) e Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente Jair Bolsonaro e hoje ocupante de uma cadeira no Senado. Apesar de o MP afirmar ter encontrado provas de que assessores de ambos devolviam seus salários em prol dos parlamentares, eles sequer respondem judicialmente como réus pelos esquemas.

Outros três casos foram arquivados pelos promotores: os dos deputados Luiz Paulo (PSDB), Tio Carlos (SD) e Carlos Minc (PSB). Enquanto isso, outros 17 seguem ativos, sem conclusão, mesmo após uma série de diligências. Elas incluíram as quebras dos sigilos fiscal e bancário de ao menos oito parlamentares — entre eles, o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT) que, sem indícios de “rachadinha” em seu gabinete, saiu do foco do MP em janeiro.

Ex-funcionários de Ceciliano, hoje investigados por negócios externos à Alerj e sem conexão com o deputado, movimentaram cerca de R$ 49,3 milhões em seis anos, entre 2011 e 2017. O montante fez com que o gabinete do petista liderasse a série de transações atípicas levantada pelo Coaf. Os valores começavam em patamar bem menor, de R$ 289 mil, movimentado por um assessor de Marcos Abrahão (Avante).

BUSCA E APREENSÃO

Assim como Ceciliano, Pacheco e Flávio Bolsonaro tiveram os sigilos quebrados por ordens judiciais. Os dois foram alvos ainda de pedidos de busca e apreensão. Com endereços de ex-funcionários vasculhados em ao menos duas ocasiões, Flávio pode conseguir invalidar provas coletadas pelo MP após sua defesa ter convencido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a anular decisões que permitiram a devassa em sua vida financeira. Um “efeito cascata”, previsto por juristas, pode devolver a investigação à estaca zero.

Para o MP, Pacheco teria cometido peculato, enquanto Flávio, assim como 16 pessoas ligadas ao seu antigo gabinete, pode ter incorrido nesse mesmo crime e ainda liderado uma organização criminosa, feito lavagem de dinheiro e promovido apropriação indébita. Os dois alegam inocência e negam irregularidades.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, designado para tratar dos casos, ainda não apreciou as denúncias. Contra Flávio, isso só poderá ocorrer depois que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidir sobre a competência do caso, enfraquecido por recursos apresentados pela defesa do senador.

Emitido em 3 de janeiro de 2018, o relatório do Coaf serviu como base para que o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) deflagrassem, em novembro daquele ano, a Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava-Jato do Rio contra dez deputados acusados de receber propinas para votar de acordo com os interesses do ex-governador Sérgio Cabral (MDB).

Entre os parlamentares visados, estavam Coronel Jairo e Jorge Picciani, ambos do MDB, Luiz Martins (PDT) e Marcos Abrahão. Alheios à operação, os outros 18 deputados tiveram membros de suas equipes incluídas na listagem, devido a movimentações financeiras atípicas.

CRIME ORGANIZADO

Até o ano passado, o MP informava manter 21 procedimentos iniciados a partir dos dados do Coaf. Onze deles eram conduzidos por um grupo de promotores ligados à chefia do órgão, responsável por investigar deputados no exercício do mandato.

A dezena restante estava sob atribuição do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), que foi fundido com outro grupo, voltado para o combate ao crime organizado.

O MP não retornou ao pedido de atualização relativo aos números de procedimentos instaurados, desde 2018, a partir do relatório do Coaf.