O Globo, n.32003 , 21/03/2021. Mundo, p.31

 

Sem esperanças

Henrique Gomes Batista

21/03/2021

 

 

Cinco anos após visita de Obama, Cuba segue em crise e mais isolada

Há cinco anos Cuba vivia a “Primavera de Havana”, coma inédita visitado então presidente americano Barack Obama e um histórico show dos Rolling Stones em praça pública para 400 mil pessoas. Havia esperança de mudanças na ilha, em direção amais liberdade e desenvolvimento, comba seno turismo ena maior flexibilidade para o envio de recursos pelos cubanos nos EUA. Hoje, quase nada do legado da visita restou. Ativistas e estudiosos afirmam que a repressão política e acrise econômica estão ainda piores.

— Cuba tem um dos povos que mais buscam a independência, um povo orgulhoso de seu país , masa ver da de éque sempre esteve à sombra de outras nações. O país substituiu a Espanha pelos Estados Unidos, depois pelos russos e pelos venezuelanos. Agora há uma piada em Cuba: quando chegarão os chineses? — conta a cubano-americana Silvia Pedraza, professora de Sociologia e História da Universidade de Michigan, para quem, no entanto, não há interesse estratégico dos chineses na ilha. — Eles são muito presentes em Cuba, mas da mesma forma que estão ganhando peso em toda a América Latina.

QUEDA NAS REMESSAS

O chiste retrata um pouco da História da ilha e da desesperança atual: desde a revolução de 1959, o país sempre teve apoio de outras nações, notadamente a União Soviética e a Venezuela, ou obteve recursos de parcerias com nações como Angola e o Brasil em troca de serviços médicos. Agora, Cuba viveu ma fase em que tem pouco auxílio externo: recebe 42 mil barris de petróleo por dia do regime de Nicolás Maduro, menos da metade do ápice de 90 mil barris diários, entre 2011 e 2014. 

O governo de Donald Trump interrompeu a normalização das relações iniciada por Obama, e voltou a impor fortes limites a remessas e viagens à ilha. Hoje, Cuba enfrenta queda drástica no turismo, agravada pela pandemia —foram 2,275 milhões de turistas em 2019, contra 1,024 milhão no ano passado, segundo The

Havana Consulting Group. Para completar, a ilha registra uma redução de 62% nas remessas dos cubanoamericanos. Segundo as estimativas da consultoria, elas passaram de US$ 3,7 bilhões em 2019 para US$ 2,3 bilhões em 2020. Isso complica ainda mais a situação econômica e social do país.

— Desde 1º de janeiro estamos vivendo o chamado “período de ajuste”, com a unificação das duas moedas cubanas. Houve um aumento dos salários, mas os preços dos serviços e produtos subiram muito mais, e é impossível para uma família com salário básico comprar alimentos, roupa de vez em quando e ainda pagar pelos serviços de eletricidade, água e gás —afirma Marthadela Tamayo González, integrante do Comitê Cidadão pela Integração Racial, sobre o projeto do governo que libera muitas funções para os chamados “cuentapropistas”, os empreendedores de pequenos negócios. Tamayo e outros cubanos que conversaram com o GLOBO nos últimos dias, alguns deles pedindo anonimato, confirmam que a degradação não é apenas econômica, levando 

algumas famílias a uma situação de fome. Outrora motivos de orgulho da ilha, a educação e a saúde públicas enfrentam problemas de qualidade, segundo os moradores. Embora Havana celebre sua capacidade de pesquisa e afirme que, em poucos meses, poderá ter sua própria vacina contra o Covid-19 —a Soberana 2, já na fase 3 dos testes—, os serviços têm perdido qualidade por falta de investimentos. No caso dos hospitais, há carência de médicos, o principal “produto” de exportação de Cuba, mesmo com o fim da parceria com o Brasil no programa Mais Médicos.

—Estamos vendo um grande aumento no número de pessoas que arriscam avida atravessando o mar até os Estados Unidos em balsas improvisadas. O número de “balseiros” até a Flórida ou as Bahamas aumentou muito nos últimos meses — afirma Silvia Pedraza.

— Acredito que as mudanças econômicas que o governo cubano está propondo serão ruins no curto prazo, mas tendem a ser positivas no longo prazo, acabando com as disparidades provocadas pelas duas moedas que havia antes (uma conversível, para turistas,

e outra para os cubanos). Mas, para muitos, pior que a situação econômica — que lembra o chamado Período Especial, agrande depressão econômica que se seguiu ao esfacelamento da União Soviética —é o cenário político. Ativistas cubanos e analistas internacionais criticam o estado dos direitos civis na ilha, que, segundo o o Instituto de Raça, Equidade e Direitos Humanos,de Washington, contabiliza hoje 77 presos políticos, número semelhante ao registrado na época da visita de Obama, quando eram 89.

—Se Obama deixou um legado em Cuba foi o de ter sentado na pauta dos direitos humanos. Depois de sua visita, a repressão aumentou — diz Maria Matienzo, jornalista independente de Havana.

INTERNET E PROTESTO

O costarriquenho Carlos Quesada, diretor-executivo do Instituto de Raça, Equidade e Direitos Humanos, afirma que a pressão política está maior no país, que há três anos é governado por Miguel Díaz-Canel, substituto de Raúl Castro. Aos 89 anos, Castro anunciou que agora deixará o cargo máximo do Partido Comunista  de Cuba (PCC), em abril. Quesada observa que o cenário se agrava diante do aparente desinteresse de organizações internacionais pela atual situação da ilha:

—Não são apenas os países que estão virando as costas a Cuba, as instituições internacionais de direitos humanos também —resume. Um dos poucos legados da mudança vista na era Obama que permaneceram é o acesso à internet, que está mais fácil e tem forte apelo entre os jovens. Quando o americano esteve na ilha, era preciso comprar cartões de acesso wi-fi de US$ 2 dólares e ficar “navegando” dos poucos pontos de wi-fi da ilha, em geral em praças públicas. Hoje há internet nos celulares, com redes 3G. Porém seu custo ainda é proibitivo.

—Um pacote de 14GB custa cerca de US$ 46, ou o equivalente a um salário mensal para a maior parte dos cubanos —conta Maria Matienzo.

— E o serviço é ruim, há censura a determinados sites e o serviço “cai” em momentos críticos políticos. Mesmo assim, o acesso à internet está por trás do que muitos afirmam ter sido a maior manifestação política de oposição na ilha desde a visita de Obama: o protesto de 27 de novembro, onde artistas e intelectuais acamparam diante do Ministério da Cultura exigindo mais liberdade. Emilio Morales, presidente do Havana Consulting Group, avalia que as mudanças políticas são irreversíveis, embora possam demorar. —Isso é o que o cubano mais quer, e esta situação de crise econômica, sem apoio externo e com o início da comunicação entre jovens por internet e rede sociais, é algo que serve de combustível para a mudanças políticas. Desta vez, porém, os cubanos deverão estar sozinhos nesta mudança. Ao menos até agora, o governo de Joe Biden sinaliza que a ilha não será prioridade, e que mudanças substanciais, como a reversão das sanções impostas por Trump, seguem distantes.

—Uma mudança na política para Cuba não está entre as prioridades do presidente — disse no início do mês a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, que no entanto afirmou que Biden está “comprometido” a revisar decisões de Trump, como a de designar Cuba um Estado patrocinador do terrorismo.