O Globo, n.32003 , 21/03/2021. Sociedade, p.18

 

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Ana Lúcia Azevedo

21/03/2021

 

 

Análise exclusiva mostra seis estados e O DF em situação crítica e defende lockdown nacional

Nos últimos dias, sete unidades da federação chegaram a um ponto considerado extremamente crítico, o retrato do pesadelo brasileiro na pandemia de Covid-19. Em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, a transmissão está descontrolada e não há capacidade de atender a todos os doentes. O alerta vem de uma análise exclusiva para O GLOBO feita por sanitaristas do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ, Ligia Bahia e Leonardo Mattos.

O trabalho indica que quase todos os demais estados trilham o mesmo caminho e que somente medidas radicais de isolamento em todo o país podem deter o avanço do coronavírus. Ligia Bahia explica que a pandemia é dinâmica: estados que não estavam tão críticos na sextafeira, 19, data usada na análise, tendem a piorar se nada for feito imediatamente.

— As medidas precisam ser nacionais porque os estados e os municípios não são isolados, mas conectados por relações de serviço, de comércio e sociais. Então, medidas isoladas terão efeito muito limitado — destaca Bahia. — As decisões de um prefeito impactam limitadamente dentro de seu município se as cidades vizinhas tomarem as mesmas medidas.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO convergem à avaliação de que, diante do quadro grave da Covid-19, o país precisa implementar planos severos de restrição em todo o território, sob coordenação do Ministério da Saúde, que terá novo titular esta semana, quando o cardiologista Marcelo Queiroga substituir o general Eduardo Pazuello.

Batizada de “Sistema de Saúde e a Covid-19 no Brasil: o colapso anunciado e negligenciado”, o estudo indica que em todo o país apenas Roraima e Amazonas não estavam em situação tão dramática anteontem. Mas, salientam os pesquisadores, isso acontece porque eles já passaram por um pico recente e devastador, em especial o Amazonas.

Os pesquisadores usaram como parâmetros a taxa de transmissão R (novos casos a partir de um caso), a taxa de ocupação de leitos, o número de pacientes na fila por leitos (dado não disponível para todos os estados) e a média móvel de óbitos. Os sete estados destacados apresentam altos índices para menos três desses critérios. Já os classificados em estado menos grave são aqueles que, temporariamente, têm indicadores mais baixos.

Os cientistas observam que os parâmetros não podem ser automaticamente projetados para as capitais, pois a situação em quase todas é extremamente crítica. Apenas três delas — Manaus, Belém e Boa Vista — apresentam taxas de ocupação de leitos menores ou iguais a 80%, limite que antecede o alerta máximo.

Os dados de ocupação hospitalar indicam que, no dia 18, apenas quatro estados (Amazonas, Roraima, Paraíba, Alagoas) estavam abaixo da margem crítica de 85%. Em 11 estados a rede hospitalar do sistema de saúde já se encontra em colapso (acima de 95% de ocupação), com destaque para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

— É necessário que a autoridade sanitária do país, o Ministério da Saúde, apoie e coordene estratégias de isolamento social —frisa Bahia.

MEDIDAS SEVERAS E URGENTES

As principais medidas sugeridas pela equipe da UFRJ são barreiras sanitárias nacionais e internacionais com fechamento de aeroportos e rodoviárias; proibição de shows, congressos, atividades religiosas e esportivas; suspensão das aulas presenciais; toque de recolher nacional das 20h às 6h e nos finais de semana; fechamento de todas as atividades não essenciais; fechamento de bares, restaurantes e academias de ginástica; trabalho remoto sempre que possível, tanto no setor público quanto no privado; limitação do transporte público e redução da superlotação. Somadas a essas medidas também recomendam a intensificação da testagem, rastreamento de contatos e o uso obrigatório de máscaras multicamadas.

Pesquisas sugerem que, para reduzir as taxas de transmissão em cerca de 40%, são necessários pelo menos 14 dias de medidas de supressão e monitoramento diário. Bahia e Mattos reforçam: é o conjunto de restrições que produz impacto na redução da transmissão, casos e óbitos, e não apenas uma ou outra adotada dispersamente.

MENOS AGLOMERAÇÃO

Os índices de isolamento social se mostram insuficientes (entre 30 e 42%) para conter a pandemia. Por outro lado, os dados de mobilidade de celulares divulgados pelo Google indicam que nas últimas três semana safre quência alugares públicos onde pode ocorrer aglomeração diminuiu um pouco. O número, porém, ainda está longe de chegar ao grau de retração visto em março e abril de 2020, auge do pânico em relação à Covid-19.

Porto Alegre (RS), uma das capitais onde a demanda mais pressiona a rede de saúde, tinha em fevereiro um índice de frequência a estabelecimentos de “varejo e lazer” (que incluem bares e restaurantes) de cerca de -40% em relação aos níveis pré pandemia. O número caiu para -60%. Em São Paulo, caiu de -30% para -51% nas últimas três semanas.

No Rio de Janeiro, porém, a mesma métrica permaneceu no nível relativamente alto de -30% desde o começo do ano. Afrequênc ia alocais da categoria “parques”, que inclui praias e áreas públicas de recreação, estava em -27% apenas. O número ainda é alto, comparado aos -80% atingidos no auge do isolamento em 2020.

—O espalhamento da transmissão sugere que mesmo municípios e estados cujas informações sinalizam reduções temporárias estão sob o risco de novas escaladas. — alerta Ligia Bahia. — Está evidente que restrições parciais e o fecha-e-abre não reduzem transmissão, casos, mortes e a disseminação de variantes.

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Especialistas apontam rumos para novo ministro da Saúde

21/03/2021

 

 

Para cientistas, Marcelo Queiroga deve liderar já adoção de medidas nacionais, e não apenas de estados ou de municípios

Sem uma ação nacional coordenada, a pandemia de Covid-19 continuará a explodir no Brasil, destacam especialistas. E a coordenação das medidas de supressão, com lockdowns, é só uma das ações que cientistas consideram fundamentais para que o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tenha êxito no combate do coronavírus.

— Não são medidas novas, mas tampouco deixaram de ser essenciais. E agora se tornaram de extrema urgência — frisa o pesquisador da USP de Ribeirão Preto Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil.

É unanimidade entre cientistas que é preciso testar em massa, identificarei solar infectados e rastrear seus contatos. Outra medida é o uso obrigatório e a distribuição gratuita de máscara sem todo o território nacional. T ambé mé considerado prioridade ou soda rede de atenção primária, que na maioria dos municípios são os postos de saúde, para a detecção precoce da Covid-19.

O primeiro ponto é coordenar a ação de supressão.

—Como os interesses nem sempre convergem é preciso haver uma coordenação nacional, que estabeleça estratégias conjuntas e negocie com os entes federativos — destaca Diego Xavier, pesquisador do Monitora Covid-19 e do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz).

Carlos Machado, coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz, chama a atenção para um fator fundamental sobre os lockdowns:

— Lockdowns radicais só podem ser feitos se acompanhados de forte assistência social ou milhões de pessoas passarão fome ou sairão de casa com ou sem proibição. O auxílio emergencial está atrasado e é insuficiente.

Medidas como aumentar o número de leitos de UTI são consideradas insuficientes pelos especialistas. Podem ajudar a evitar mortes, mas não impedem novos casos. Tampouco o número de leitos é um indicador eficiente. Ele é “a ponta do iceberg”.

Um dos virologistas mais experientes do Brasil, Amílcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, destaca que o Brasil precisa finalmente testar em massa.

— O país jamais fez isso, não adianta testar doentes e mortos, é preciso pegar o vírus antes que a cadeia de transmissão se intensifique —salienta Tanuri. Tão necessária quanto o teste é a máscara. Machado diz que estudos estimam que se 80% da população usar, o Brasil poderá ter mais de 50% de redução de transmissão e casos. Para isso, observa, é necessária uma intensa campanha de informação e a distribuição de máscaras em áreas carentes e transporte público.

Outro ponto é a reorientação da rede primária para detecção precoce da Covid.

— Isso é totalmente possível, o SUS atende 70% da população, mas não houve foco no rastreamento de casos — diz Machado. —O Ceará orientou sua rede para isso, mas é uma iniciativa isolada, não é nacional. Essas medidas precisam ser do país.