O Globo, n.32003 , 21/03/2021. País, p.4

 

Ajuste de rota

Jussara Soares

Paulo Cappelli

21/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Em meio à crise de imagem do pai, Flávio assume condução política

O anúncio do novo ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, engrossou alista de decisões do presidente Jair Bolso na rotomadas sob influência do primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Pressionado pelas investigações das “rachadinhas”, o mais velho do clã atuava de modo mais discreto no início do mandato do paina Presidência, mas, aos poucos, assumiu a “operação política” do governo e já é apontado como o homem forte da campanha para a reeleição em 2022.

A presença mais próxima às decisões de governo ocorre no momento em que Bolsonaro vive uma crise de imagem: segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros reprovam seu desempenho na pandemia. Os pitacos do “Zero Um” costumam ser ouvidos nas questões sobre a articulação como Congresso, no enfrentamento à pandemia da Covid-19 ena compra de vacinas. Flávio, por exemplo, teve atuação relevante na costura do projeto de lei aprovado no Senado que permite que estados, municípios e empresas comprem imunizantes diretamente, sema participação do governo federal, desde que efetuadas algumas contrapartidas.

O bom momento junto à Presidência contribuiu para que Flávio conseguisse emplacar o substituto de Eduardo Pazuello na Saúde. Queiroga é amigo do cardiologista Hélio Figueira, sogro do senador. Ele foi anunciado na segunda-feira por Bolsonaro, que rejeitou as indicações do Centrão, a médica Ludhmilla Hajjar e o deputado Luiz Antonio Teixeira (PP-RJ), o Dr. Luizinho. Aposse está prevista para terça-feira.

Não é a primeira vez que o primogênito emplaca um “apadrinhado” importante. No ano passado, o senador articulou com líderes do Centrão e com integrantes do Judiciário a indicação de Kassio Nunes Marques, então desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

FRENTES DE NEGOCIAÇÃO

A performance levou candidatos a ocupar vagas nos tribunais superiores afazerem romaria até o senador. Em fevereiro, por exemplo, Bolsonaro confirmou o então juiz William Douglas dos Santos como desembargador da 2ª Região. Evangélico e com o apoio de Flávio, ele também mira o STF, para onde Bolsonaro poderá fazer nova indicação coma aposentadoria de Marco Aurélio Mello em julho.

Em outra frente, Flávio lidera as negociações com o PSL para a volta de Bolsonaro ao partido que o elegeu em 2018. O retorno à legenda do deputado Luciano Bivar (PSL-PE) estava praticamente descartado pelo presidente, que foi convencido pelo filho mais velho a reconsiderar, sob o argumento de que o fundo eleitoral do PSL é uma conquista dos votos de Bolsonaro em 2018.

O senador e o vice-presidente do PSL, Antônio Rueda, tentam organizar um encontro entre Bolsonaro e  Bivar nos próximos dias. A reunião servirá para que ambos tratem das condições para uma reconciliação. A decisão deve ocorrer até o início de abril. Até lá, Flávio segue em contato com outros partidos pequenos que estariam dispostos a receber Bolsonaro.

Caso as negociações com o PSL não avancem, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) é o que se mostra mais viável. A cúpula estaria disposta a entregar o comando para o grupo do presidente e até mesmo a mudar de nome. Considerado mais habilidoso do que os irmãos políticos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), o senador mantém relações com parlamentares do Centrão, integrantes do Judiciário e empresários. Por vezes, atua como uma espécie de relações institucionais do Planalto, principalmente em agendas com governadores e prefeitos.

No Congresso, Flávio é um líder informal do governo e faz um filtro dos assuntos que, avalia, merecem chegar à mesa do presidente. Quando Bolsonaro estava no PSL, o senador presidia o diretório estadual e comandava as reuniões das bancadas de deputados federais e estaduais. A eficiência nos bastidores, segundo interlocutores do Planalto, será determinante para ajudar a construir uma aliança de partidos para a disputa de um novo mandato do presidente em 2022, principalmente, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as condenações e, consequentemente, devolveu a elegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Há o receio que o petista dispute o apoio de legendas que atualmente estão na base do governo. Eleito em 2018 para um mandato de oito anos, Flávio não disputará a eleição em 2022, o que abre caminho para uma atuação mais forte na campanha do pai. A expectativa de que o “Zero Um” deixasse de agir somente nos bastidores aumentou após, em fevereiro, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter anulado quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio no caso das “rachadinhas”.

MUDANÇA SOBRE VACINA

Nesta semana, no entanto, o mesmo tribunal rejeitou os recursos da defesa de senador para anular relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), que embasam o caso, e as decisões de primeira instância tomadas pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). É considerado certo que, enquanto o processo não for concluído, Flávio evitará muitas aparições públicas. A compra de uma mansão no valor de R$ 6 milhões em Brasília, revelada neste mês, também atrapalha os planos.

Para tentar mitigar as críticas em torno da contestada gestão do pai em relação à pandemia, Flávio foi um dos defensores de que Bolsonaro mudasse a estratégia sobre a vacinação. E ligou para representantes de empresas farmacêuticas para tentar destravar questões burocráticas e acelerar compras. Após o STF considerar Lula elegível, Flávio aumentou o tom e publicou nas redes sociais uma foto do pai com a frase “A nossa arma é a vacina”, que evidenciou a mudança de postura. O primogênito foi um dos integrantes do Planalto a aconselhar Bolsonaro a se vacinar. Mesmo assim, dias depois, o presidente voltou a minimizar a pandemia, dando uma amostra de que, apesar de ouvir o filho, seguirá agindo por seus próprios instintos.