O Globo, n.31999 , 17/03/2021. Mundo, p.24

 

Bolsonaro critica prisão de Añez na Bolívia

Daniel Gullino

Janaína Figueiredo

17/03/2021

 

 

Em cúpula sul-americana, presidente chama de 'descabida' acusação de golpe de Estado; apoio brasileiro a presidente interina abala até hoje relação com atual chefe de Estado, Luis Arce, aliado de Evo Morales

O presidente Jair Bolsonaro criticou ontem a prisão da ex-presidente interina da Bolívia Jeanine Áñez, e disse que a alegação de que ela participou de um golpe de Estado contra Evo Morales em 2019 é “totalmente descabida”. A declaração ocorreu em reunião virtual do Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), criado em 2019 por iniciativa do presidente do Chile, Sebastián Piñera.

A Justiça boliviana determinou, no domingo, quatro meses de prisão preventiva para Áñez. Ela é investigada sob as acusações de sedição, terrorismo e conspiração nos eventos que culminaram na renúncia do então presidente Morales sob ultimato militar em novembro de 2019, caracterizados como possível golpe pelo Ministério Público boliviano.

Bolsonaro, cujo governo foi o primeiro a reconhecera Presidência deÁñez, começou sua fala dizendo que“a defesa e promoção da democracia” são princípios do bloco. Em seguida,e lese disse inquieto com os eventos na Bolívia:

—Nos preocupamos acontecimento sem curso na Bolívia, nosso vizinho e país irmão, onde a ex-presidente Jeanine Áñezeoutr as autoridades foram presas soba alegação de participação em golpe, que nos parece totalmente descabida. Esperamos que a Bolívia mantenha em plena vigência o Estado de Direito e a convivência democrática.

Mais tarde, o Itamaraty divulgou nota também contestando que tenha havido golpe na Bolívia e pedindo que“o Estadode Direito seja plenamente respeitado” na ação contra Áñez.Anot afala em“tentativa defraude eleitoral” nas eleiçõesde 2019, que originaram a pressão da oposição contra Morales, reeleito na época para um controvertido quarto mandato. O Itamaraty cita que essa tentativa “foi detectada pelas missões de observação da OEA e da UE”, embora um relatório da OEA sobre supostas irregularidades tenha sido contestado por especialistas dentro eforada Bolívia.

Anota diz ainda que aposse de Áñez “se deu de maneira constitucional” — não havia quórum no Congresso quando ela assumiu, mas depois o tribunal máximo boliviano endossou o ato, com base em Constituição anterior do país.

O presidente brasileiro não participou dos últimos quatro encontros organizados pelo Prosul, criado pelos governos conservadores da região para substituir a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), por sua vez formada no governo Lula. Nem Bolívia nem Venezuela pertencem ao Prosul.

INTERFERÊNCIA FRACASSOU

O Brasil, além de ter apoiado Áñez no primeiro momento, deu-lhe total respaldo em sua gestão. O governo Bolsonaro tentou até articular uma candidatura única da direita boliviana para enfrentar o Movimento ao Socialismo (MAS), de Morales e do atual presidente, Luis Arce, nas eleições presidenciais do ano passado. O projeto não prosperou por causa das disputas entre os conservadores bolivianos.

Atualmente, o governo Bolsonaro não tem diálogo com Arce. Na época da renúncia de Morales, o ago rache fede Estadoboliviano acusou o Brasil de ser cúmplice de um golpe. As diferenças naquele momento dificultaram uma aproximação após sua vitória, em outubro de 2020. Em sua posse, o Brasil esteve representado por seu embaixador em La Paz, Octávio Côrtes, reflexo da frieza nas relações bilaterais.

Desde então, a relação não evoluiu. O governo Bolsonaro está esperando um gesto de Arce. Nas palavras de uma fon tequeacompanhou os acontecimentos dos últimos dois anos, “nós demos um primeiro passo, agora cabe a eles”. Ou seja, o Brasil espera que a Bolívia estenda amão e, enquanto aguarda, Bolsonaro questiona a democracia boliviana.

O presidente da Bolíviaé um dos convidados especiais para a cúpula virtual dos 30 anos do Mercosul, em 26 de março, da qual também participará Bolson aro. AB olíviaé membro associado do Mercosul.

Organizações de direitos humanos como a Huma nRights Watch (HRW) têm afirmado que o processo contraÁnezre pete o mesmo padrão de politização da Justiça verificado no governo interino dela, quando Morales, Arce e outros dirigentes do MAS também foram acusados de crimes como sedição e terrorismo, em processos hoje arquivados. Segundo a HRW, caberia investigar Áñez por fatos objetivos, como a morte de 36 apoiadores do MAS na repressão a protestos nascida desde S acaba e Senkata, logo depois da queda de Morales.