O Globo, n.31999 , 17/03/2021. Sociedade, p.13

 

Novo ministro, velha ‘mágica’

Renata Mariz

Paula Ferreira

17/03/2021

 

 

No dia mais letal da pandemia no país, Queiroga diz que assume para dar “continuidade” à gestão

Em seu primeiro dia depois de confirmado no cargo de ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga disse ontem ter sido convocado pelo presidente Jair Bolsonaro para dar “continuidade ”ao trabalho feito pelo general Eduardo Pazuello na condução da crise. E, ao ser questionado sobre a vacinação no país, afirmou que “a política é do governo Bolsonaro, não é do ministro da Saúde”.

Enquanto os gestores falavam em transição e continuidade na Saúde, o Brasil viveu ontem o seu pior dia da pandemia, com novo recorde de registros de óbitos em 24 horas (2.798) — quase dois brasileiros mortos por minuto por complicações da Covid-19. Além disso, cinco estados também registraram recordes diários de mortos: São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul (leia abaixo).

Queiroga é o quarto ministro da Saúde da pandemia e substitui Pazuello, que sai desgastado pelo aumento no número de casos e mortes por Covid-19 e a falta de fluxo na vacinação. Anteontem, Pazuello admitiu que Bolsonaro avaliava nomes para o seu lugar, mas afirmou que não pediria para sair.

Em seu primeiro pronunciamento, feito ao lado de Pazuello, Queiroga defendeu ontem uma “união da nação” contra a Covid-19, disse que quer trabalhar “em parceria” com secretários estaduais e municipais e ressaltou que sozinho não vai “fazer nenhuma mágica” na condução da pandemia.

No mesmo discurso, Queiroga defendeu medidas como o uso de máscara e higiene das mãos para “preservação da economia”, mas nem sequer listou o isolamento social ou condenou aglomerações. O cardiologista também enfatizou os esforços para a vacinação e defendeu novas providências baseadas em “evidências científicas”, mas sem adiantar mudanças.

— Fui convocado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Saúde do Brasil. Sei a responsabilidade que tenho. Sei que sozinho não vou fazer nenhuma mágica e não vou resolver os problemas da saúde pública que temos. Mas tenho certeza que teremos ajuda dos brasileiros —disse Queiroga.

Mais cedo, ao chegar para reunião no Ministério da Saúde, ele havia dito à imprensa ter sido convocado pelo presidente para dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela pasta, que, na visão dele, “tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil”:

— As políticas estão sendo colocadas em prática. O ministro Pazuello já anunciou todo o cronograma da vacinação em entrevista coletiva ontem

(na segunda-feira). A política é do governo Bolsonaro, não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo — afirmou o novo gestor, que completou: — O presidente está muito preocupado com essa situação. Vamos buscar as soluções, não tenho vara de condão.

Queiroga e Pazuello passaram o dia no órgão tratando da transição dos trabalhos. Apesar do tom de continuidade adotado, o novo titular da pasta ressaltou que eventuais novas medidas serão adotadas com base na ciência.

INJEÇÃO DE POPULARIDADE

Em meio à crise na Saúde, tudo indica que Queiroga deve investir na ampliação e celeridade da vacinação, segundo fontes próximas, em uma tentativa mais palpável de levantar a popularidade do governo.

Com posição firme e pública em defesa da imunização, o médico chega à pasta sem o desgaste proporcionado pelas negociações frustradas entre o Executivo e as fornecedoras das vacinas. Uma campanha publicitária de imunização estava prevista para ir ao ar no fim da noite desta terça-feira.

Queiroga também assume com a segurança de contar com 562 milhões de doses de vacinas já contratadas para 2021, segundo cronograma apresentado por Pazuello no balanço que fez já prestes a ter sua saída anunciada. A missão será garantiras entregas, que não raro atrasam, e saber comunicar os esforços da pasta, avaliam interlocutores.

O primeiro evento público do qual o novo ministro participará indica que o tema estará na linha de frente de sua estratégia. Ao lado de Pazuello, ele recebe hoje, no Rio de Janeiro, as doses da vacina de Oxford produzidas pela Fiocruz. O evento é visto internamente como uma ocasião “simbólica” par atentar fortalecera imagem da vacinação no país.

Outra frente que concentrará a atenção do novo ministro é a melhoria da rede hospitalar. Ontem, no pronunciamento, ressaltou a atenção que, principalmente, as unidades de terapia intensiva demandam coma atual “onda” da doença.

À MARGEM DE POLÊMICAS

Fontes que acompanham a pasta acreditam que, focando nos dois temas, vacinação e abertura de UTIs, o novo ministro tentará ficar à margem de polêmicas sobre temas caros ao presidente, como a adoção de lockdown ou de medidas de isolamento social e o uso da cloroquina. Nas poucas declarações que já deu, demonstrou que não baterá de frente com Bolsonaro.

Sobre cloroquina, disse à CNN Brasil que o médico tem autonomia para usar, embora ele tenha posição pública contra a prescrição do remédio defendido por Bolsonaro.

Numa referência a medidas de fechamento de comércios, sustentou, ao falar coma imprensa, protocolos com ouso de máscara e de álcool em gel para não “parar” a economia. Anteriormente, afirmou estar fora de cogitação adotar lockdown como política de estado.

Presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort Jr. afirma, no entanto, que o maior desafio de Queiro gavai muito além da vacina.

—Mui tomais difícil será recuperara credibilidade da pasta, da qual dependem, também, as chances de sucesso da imunização. Grande parte da sociedade já não acredita mais no governo. Torcemos para que o ministro tenha êxito no combate da pandemia.