O Globo, n.31998 , 16/03/2021. Economia, p.17

 

Entrevista – Bruno Funchal: “A melhor política fiscal é vacinar rápido a população”

Manoel Ventura

Marcello Côrrea

16/03/2021

 

 

Bruno Funchal / SECRETÁRIO DO TESOURO

Promulgada na segunda-feira pelo Congresso, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza a volta do auxílio emergencial e prevê medidas de controle das contas públicas não tinha o objetivo de compensar os gastos com o benefício, mas sim rever regras fiscais no país. A avaliação é do secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal.

 Em entrevista ao GLOBO, ele destaca o efeito do texto nos governos locais. Nas contas do Tesouro, dez estados — inclusive o Rio — se enquadrariam nas regras que permitem adotar ações como o congelamento de salários. A economia estimada é de R$ 13,5 bilhões.

O secretário afirma que o debate sobre reduzir gastos com o funcionalismo pode voltar durante a tramitação da reforma administrativa. Funchal destaca que o melhor pacote fiscal hoje é a vacinação rápida contra a Covid-19.

A PEC foi avaliada por especialistas como tímida para o ajuste fiscal. Ela é suficiente?

A PEC é um dos maiores avanços desde a Lei de Responsabilidade Fiscal. O coração da PEC é lidar com a questão do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior). E a gente ampliou isso para todos os prefeitos e governadores que, até então, não tinham instrumentos de controle de despesa obrigatória. A PEC ainda deixa mais claro o processo de calamidade.

No ano passado, a crise estava vindo e estávamos muito limitados para tomar ações porque tinha algo muito incipiente. Outro ponto foi um plano para reduzir o gasto tributário, com uma meta de reduzir para 2% do PIB em oito anos (hoje são 4% para isenções).

Também tiramos da Constituição a obrigação da União de criar uma linha para pagar precatórios (dívida reconhecida por decisão da Justiça) dos estados. E a liberação do superávit financeiro para os fundos vai liberar R$ 160 bilhões para melhorar a gestão da dívida.

O objetivo da PEC não era economia no curto prazo?

O objetivo dessa PEC não era fazer uma economia que compensasse os R$ 44 bilhões do auxílio emergencial. As pessoas se apegaram muito a isso, mas esse não era o objetivo. O objetivo era: a gente precisa de uma contrapartida que mostre que estamos num processo de consolidação fiscal, que mostre credibilidade no médio e longo prazo.

O principal ponto que ficou de fora da PEC foi a autorização para corte de jornada e salário de servidores. Ainda há espaço para negociar ou essa discussão está superada?

Não acho superada. O ganho não foi apenas a PEC, teve um ganho de debate, teve um amadurecimento. A proposta original era que voltasse na Constituição. Não foi suficiente, mas não acho que fechou a porta. Redução e otimização de despesa de pessoal pode vir de uma forma mais estruturada na reforma administrativa, que casa isso com modernização do Estado.

 E é a próxima pauta da Câmara. Não acho que venha nesse sentido, de redução de jornada e vencimento, mas acho que venha em forma de otimização do gasto de pessoal, que vai trazer ganho fiscal de médio e longo prazo.

O limite de R$ 44 bilhões para o auxílio é suficiente?

Foi muito importante para trazer previsibilidade especificar os R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial. A gente tem quatro meses para acelerar a vacinação e vai estar rolando o auxílio emergencial. Então, a melhor política fiscal é vacinar rápido a população. Dependendo dessa velocidade, a gente não vai precisar de uma nova rodada (de auxílio).

Agora, se ficar lento, eu acho que, no último mês, pode ser discutida uma coisa pontual até o processo de vacinação estar mais disseminado. O mais importante do fiscal é a retomada econômica, crescimento e redução de gastos; é a economia voltando à normalidade. Hoje, para a política fiscal, econômica, sanitária, o melhor instrumento é um: a vacinação acelerada.

Qual o impacto da PEC para os estados e municípios?

Se o estado ou município tiver uma despesa corrente acima de 95% da receita corrente, ele pode aplicar a série de medidas que controlam a despesa obrigatória. (Para fazer a conta), a gente pegou 2020 e tirou da receita a transferência da Lei Complementar 173 (que destinou recursos para estados).

Qual seria a economia se esses que estão acima dos 95% acionassem os gatilhos (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão e Acre)?

Numa situação de normalidade, sem essas transferências, seriam R$ 13,5 bilhões para estados e R$ 11,2 bilhões para municípios. Só que também poderia usar os gatilhos acima de 85% (com autorização do Legislativo local).

Nesse caso, chega a R$ 93 bilhões para estados e R$ 54 bilhões para os municípios. Esse é o ganho máximo se todos implementassem os gatilhos para fazer com que as despesas se enquadrem dentro de 85% da receita.

O acionamento do gatilho não é obrigatório para os estados e municípios. Como fazer para eles acionarem?

Se você fizer o ajuste e usar o gatilho, mantém os seus benefícios de ter aval do Tesouro para operação de crédito e qualquer repactuação futura de crédito. Faria sentido continuar concedendo garantia para quem não faz o seu dever de casa e pode empurrar depois a conta para a União?

Não faz sentido. Por isso, a gente incorporou a vedação ao aval da União em operações de crédito e à repactuação da dívida.

Quando a União irá acionar os gatilhos e congelar despesas?

Na medida em que a despesa obrigatória volte a crescer, em situações normais, sem dar reajuste a servidor, esse engatilhamento seria entre 2024 e 2025. Agora, pode vir antes, dependendo de decisões de criação de despesa obrigatória. O importante é que temos uma regra clara.

Qual a economia para a União?

Especificamente com pessoal é algo entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões (por ano), dependendo do cenário do reajuste que aconteceria se não tivesse engatilhado.

Com inflação mais alta, aumenta o limite de despesas da União previsto no teto de gastos. Haverá reajuste para os servidores no próximo ano?

Uma coisa que a gente precisa deixar claro para todos os tomadores de decisão é que vai ter esse espaço durante um ano, mas que esse espaço vai ser consumido ao longo do tempo pelo crescimento das despesas obrigatórias porque são indexadas. Vai existir um espaço para decisão de Orçamento e vai precisar tomar uma decisão.

Quero investir mais? Quero aumentar o Bolsa Família? Quero dar reajuste? Isso tudo tem que estar na mesa e tomar uma decisão. É legítimo que o reajuste seja colocado na mesa. Mas um reajuste tem efeito permanente. É como se deixasse de investir “X” bilhões de reais por ano todos os anos.

Essa é a escolha que vai estar sendo feita. O mais importante é a gente ter a real noção das consequências. Se for para fazer investimento, quanto que vai ter de espaço? Se for reajuste, quanto tem e qual é a repercussão? Se for para rever programas de renda, como se faz e qual é a repercussão? Tudo isso está competindo por espaço.

Espaço maior no teto não aumenta a pressão por gastos, ainda mais em ano eleitoral?

Pressão por gasto tem todo ano. O mais importante é ficar claro que esse gasto compete entre si. A gente tem que ter claro que se for ter reajuste, ele vai estar reduzindo investimento ou espaço para programa de transferência de renda. Aí é decidir qual o mais relevante. É legítimo que seja discutido (o reajuste)? É legítimo. Agora, tem os dois lados.