O Globo, n.31998 , 16/03/2021. País, p.6

 

Assessores de Bolsonaro na Câmara sacaram 72% dos salários

16/03/2021

 

 

Movimentação de quatro ex-funcionários do então deputado foi identificada na quebra de sigilo de investigados na 'rachadinha' da Alerj

Quatro assessores que trabalharam para o presidente Jair Bolsonaro no período em que foi deputado federal retiraram em dinheiro vivo 72% do salário recebido no período, segundo reportagem publicada ontem no portal UOL.

O material utiliza como base os dados obtidos na quebra de sigilo dos assessores do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, no âmbito das investigações do esquema da “rachadinha”, do Ministério Público do Rio (MP-RJ).

Como havia uma movimentação constante entre funcionários nos gabinetes da família Bolsonaro, os dados obtidos na apuração criminal acabaram revelando hábitos e padrões que vão além do apurado no gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo a reportagem, os funcionários receberam R$ 764 mil líquidos, entre salários e benefícios, e sacaram um total de R$ 551 mil. Entre os envolvidos estão Fernando Nascimento, que trabalhou entre 2009 e 2014 com Bolsonaro; Nelson Rabello, que passou oito anos na Câmara em duas oportunidades; Daniel Medeiros, entre 2014 e 2017; e Jaci dos Santos, entre 2011 e 2012.

Com base nos dados do Ministério Público, a reportagem relata que Nascimento recebeu R$ 164 mil da Câmara dos Deputados. Sacou pelo menos R$ 126 mil, o equivalente a 77% da remuneração mensal. Em alguns meses, chegou a sacar 100% do que recebeu.

MILITAR REFORMADO

O mesmo hábito foi mantido por Rabello, militar reformado que serviu no Exército ao lado do atual presidente. O funcionário passou quase oito anos na Câmara dos Deputados — seis deles contemplados pela quebra de sigilo do MP. Dos R$ 192 mil pagos a ele pelo Legislativo, R$ 132 mil foram retirados em espécie.

Segundo a reportagem, mesmo com rendimento, em 2012, Rabello chegou a entrar na Justiça para negociar uma dívida de R$ 3.200.

Além de Jair, Rabello trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio, em duas oportunidades, além do período no gabinete de Flávio na Alerj.

Outro funcionário nessa situação é Daniel Medeiros, que foi secretário parlamentar de Bolsonaro entre 2014 e 2017. Ele sacou 72% do salário recebido no período. De acordo com o portal UOL, Medeiros fazia bicos como segurança e costumava emprestar um carro para Fabrício Queiroz, acusado pelo Ministério Público de ser o operador financeiro de Flávio.

O quarto assessor é Jaci dos Santos, sargento reformado do Exército. Ele trabalhou no gabinete do então deputado federal por oito meses, de dezembro de 2011 a julho de 2012. No período, Santos sacou 45% de tudo o que recebeu da Câmara dos Deputados.

FAZ-TUDO DA FAMÍLIA

Santos era motorista e uma espécie de faz-tudo da família Bolsonaro. “Dirigia, fazia faxina”, afirmou Santos à Folha de S.Paulo em 2019, quando o jornal publicou que o ex-funcionário comprou uma van do presidente.

Procurado pela reportagem do portal, Santos perguntou quanto receberia para dar entrevista. Após a negativa de pagamento, retrucou:

—Pergunta para o Ministério Público e me fala, porque eu também não sei. Eu não tenho nada para me entender com a senhora.

O UOL procurou Daniel Medeiros e Nelson Rabello, mas não obteve retorno. Nascimento pediu que o contato fosse intermediado pela assessoria de Flávio Bolsonaro. Não houve resposta. A Presidência da República não respondeu aos questionamentos enviados pelo portal.

A série de reportagens também mostrou que quatro funcionários do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) sacaram 87% de seus salários em dinheiro vivo. Juntos, eles retiraram um total de R$ 570 mil.

Na lista estão Márcio Gerbatim e Andrea Siqueira Valle, casos revelados no ano passado pelo GLOBO e pela Revista Época.

Segundo o UOL, a defesa do vereador disse que não vai se manifestar, porque as investigações estão em sigilo. O Ministério Público do Rio apura a existência de um esquema com funcionários fantasmas e “rachadinha” no gabinete de Carlos na Câmara de Vereadores do Rio.

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MPF recorre de anulação de quebra de sigilo de Flávio

Aguirre Talento

16/03/2021

 

 

Objetivo é levar o debate para o Supremo Tribunal Federal (STF) após derrota em turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

OMinistério Público Federal apresentou um recurso contra a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) realizadas na investigação da “rachadinha”. O recurso extraordinário pede que o caso seja enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que as quebras de sigilo sejam mantidas.

O subprocurador-geral da República Roberto Thomé, responsável pelo recurso, argumentou que as quebras de sigilo cumpriram os requisitos legais e constitucionais e, portanto, devem ser restabelecidas. O recurso foi protocolado no domingo e está sob sigilo.

No fim do mês passado, a Quinta Turma do STJ decidiu, por quatro votos a um, anular as quebras de sigilo da investigação, o que significa a retirada das principais provas do caso.

Ainda há dois recursos pendentes para julgamento na Quinta Turma, que devem ser pautados hoje. O julgamento foi liberado na sexta-feira pelo ministro Felix Fischer. Eles pedem a anulação de atos da investigação desde o seu início sob a alegação de incompetência do juiz à frente do processo no Rio de Janeiro, Flávio Itabaiana, e de que o relatório elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que deu suporte às investigações, seria ilegal.

No recurso acolhido pelo STJ —e agora contestado pelo MPF —, o argumento da defesa do parlamentar é o de que a decisão que concedeu a quebra, proferida pelo juiz Flávio Itabaiana, não era suficientemente fundamentada por não haver individualização da conduta das quase cem pessoas atingidas.

A alegação convenceu quatro dos cinco ministros. O único voto contrário foi, justamente, o do relator, o ministro Félix Fischer. A anulação das quebras impede que as informações oriundas delas possam ser usadas nas investigações já em curso contra o senador, o que na avaliação de alguns promotores, enfraquece o caso contra o parlamentar

Já o recurso apresentado ontem pelo subprocurador Roberto Thomé ainda será avaliado pelo STJ, a quem cabe dizer se a peça cumpre os requisitos necessários para ser enviada ao Supremo Tribunal Federal. No STF, o relator do caso deve ser o ministro Gilmar Mendes, que não tem prazo para proferir uma decisão.

Thomé atua neste caso com independência funcional, sem subordinação ao procurador-geral da República, Augusto Aras.