O Globo, n.31998 , 16/03/2021. País, p.4

 

Sem mudança de rumo

Julia Lindner

Jussara Soares

Paula Ferreira

Natália Portinari

Renata Mariz

16/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Bolsonaro anuncia novo ministro da Saúde, mas diz que política não muda

Pressionado pelo ritmo lento da campanha de vacinação e pelos sucessivos recordes de número de mortes pela Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a terceira troca no Ministério da Saúde desde o início da pandemia. Sai o general Eduardo Pazuello e entra o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga. O entorno do presidente já vinha identificando perda de popularidade de Bolsonaro em função do agravamento da pandemia no país, que ontem bateu recorde de mortes pela média móvel pelo 17º dia consecutivo. Já são mais de 279 mil óbitos no total.

Ao anunciar a troca e a nomeação de um médico, Bolsonaro deixou claro, porém, que não haverá uma mudança de rumo, afirmando que Queiroga “tem tudo para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo o que o Pazuello fez até hoje”. Antes do anúncio, o presidente se reuniu com a médica Ludhmilla Hajjar, que já criticou a gestão do governo e o chamado tratamento precoce. Ela afirma que não houve “convergência” para que assumisse o posto (mais detalhes 5 na página 5).

Tido como nome de confiança de Bolsonaro, o novo ministro não deu declarações ontem, mas, em artigos e entrevistas no ano passado, já se posicionou a favor do isolamento social e contra medicamentos que integrariam um tratamento precoce (leia abaixo o perfil de Queiroga).

Políticos aliados do governo vinham cobrando uma mudança na pasta desde o fim do ano passado. A articulação direta para demitir Pazuello está em curso desde sábado. Os presidente da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEMMG), expressaram insatisfação com o atual ministro.

A prioridade do governo era ter um nome técnico para alavancar o programa de vacinação. Bolsonaro vem mudando nas últimas semanas seu discurso sobre a imunização após o monitoramento de redes sociais do Palácio do Planalto ter identificado haver anseio sobre o tema. Até então, o presidente focava suas falas apenas em críticas a medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores, sob o argumento que elas provocam desemprego.

Na escolha do novo ministro, porém, a busca foi por alguém que não contrariasse os discursos feitos pelo presidente até agora. Em rápida entrevista ao GLOBO anteontem, Queiroga definiu a vacinação como principal desafio para quem assumisse o cargo:

—A grande expectativa é de implementar um programa de vacinação amplo no Brasil. Temos que vacinar nossa população, é a esperança que temos para reduzir o impacto da pandemia e os óbitos.

O encontro de Bolsonaro e Queiroga ontem no Planalto durou três horas. O anúncio foi feito pelo presidente, primeiro, a apoiadores ao chegar no Palácio da Alvorada — e confirmado posteriormente em suas redes sociais. A publicação no Diário Oficial deve ocorrer hoje.

— Ele é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, não é uma pessoa que eu tomei conhecimento de poucos dias, tem tudo, no meu entender, para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo o que o Pazuello fez até hoje —disse Bolsonaro.

O presidente disse que, pela formação em medicina, Queiroga é “muito mais entendido” na área de saúde do que Pazuello e vai fazer outros programas, além de citar o plano de vacinação.

O presidente elogiou o atual ministro da Saúde na área de gestão, mas disse que é momento de partir “para uma parte mais agressiva no tocante ao combate ao vírus”.

O primeiro ministro da Saúde da atual gestão foi Luiz Henrique Mandetta. O exdeputado, que é médico ortopedista, deixou o cargo por ter contrariado o presidente ao apoiar medidas como o isolamento social. Na sequência veio Nelson Teich, que durou apenas um mês e saiu por não dar aval a se baixar uma orientação para que os médicos receitassem cloroquina e outros fármacos sem eficiência comprovada contra a doença.

Pazuello assumiu a pasta há dez meses, tendo ficado nos primeiro quatro meses como interino. Oficial do Exército especializado em logística, sua escolha foi justificada sob o argumento que conseguiria resolver gargalos no combate à pandemia. Acabou, porém, desgastado por não conseguir dar ritmo à campanha de vacinação e sua situação passou a ser considerada insustentável após o colapso em Manaus.

“E AGORA, BRASIL?”

Ontem, no seminário on-line “E agora, Brasil?”, realizado pelo GLOBO e pelo jornal“Valor Econômico ”, os presidentes do Senado e da Câmara afirmaram que o Congresso está comprometido no momento em buscar soluções, em vez de fazer um “apontamento insistente de culpados” pelos problemas do Brasil no combate à Covid-19. Pacheco, no entanto, declarou que erros ocorridos na gestão da pandemia “terão de ser investigados futuramente”, sem descartar uma eventual instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) — os pedidos apresentados no Senado, por ora, não foram apreciados.