O Globo, n.31997 , 15/03/2021. País, p.4

 

Rumo ao quarto ministro

Paulo Cappelli

Natália Portinari

15/03/2021

 

 

Após a morte de mais de 275 mil brasileiros pela Covid, Pazuello deve sair do Ministério da Saúde

O presidente Jair Bolsonaro deflagrou o processo de escolha de um substituto para o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Pressionado por partidos aliados do Centrão, Bolsonaro busca um nome para efetivar a troca o mais breve possível. A saída do ministro foi discutida em seguidas reuniões, durante o fim de semana, com ministros palacianos e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Dois médicos estavam cotados para a vaga: a cardiologista Ludhmila Abrahão Hajjar, professora associada da USP, e Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Bolsonaro reuniu-se ontem mesmo com a médica Hajjar, e o Palácio do Planalto chegou a divulgar nota confirmando o encontro. Pazuello participou da conversa.

Após o encontro, Lira veio a público para defender a nomeação da cardiologista. “Coloquei os atributos necessários para o bom desempenho à frente da pandemia: capacidade técnica e de diálogo político com os inúmeros entes federativos e instâncias técnicas. São exatamente as qualidades que enxergo na doutora Ludhmila”, escreveu Lira, no Twitter, acrescentando: “Espero e torço para que, caso nomeada ministra, consiga desempenhar bem as novas funções. Pelo bem do país e do povo, nesta hora de enorme apreensão e gravidade. Como ministra, se confirmada, estarei à inteira disposição”.

A divulgação do nome da médica como cotada provocou reações da ala bolsonarista. Pessoas próximas ao presidente reforçavam que a profissional tinha histórico de manifestações em redes sociais contrárias a Bolsonaro e suas ideias. Foi enviado ao presidente um áudio em que a médica teria chamado Bolsonaro de “psicopata”.

CONVERSA COM OS MILITARES

No sábado, a troca no comando da pasta foi tratada em conversa de Bolsonaro com próprio Pazuello e os ministros Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fernando Azevedo (Defesa) no hotel de Trânsito do Exército, onde mora o ministro da Saúde. Pessoas próximas ao presidente relataram que o atual ministro teria comunicado a Bolsonaro que precisava de mais tempo para cuidar da própria saúde. A alegação de motivo de saúde seria a “saída honrosa” para Pazuello que tem sua pasta cobiçada por deputados do Centrão.

Após O GLOBO noticiar a decisão do presidente de trocar o ministro, o Ministério da Saúde divulgou três notas diferentes. Na primeira, informava que Pazuello continuava no cargo “até o presente momento”. Na segunda, por intermédio do assessor especial Markinho Show, o ministro declarou: “Não estou doente, não entreguei o meu cargo e o presidente não o pediu, mas o entregarei assim que o presidente solicitar. Sigo como ministro da saúde no combate ao coronavírus e salvando mais vidas”. Na última versão o ministério repetia que Pazuello não estava doente e não pedira demissão. Auxiliares de Bolsonaro reafirmaram, no entanto, que a decisão da troca já está tomada pelo presidente.

A mudança no ministério ocorrerá no auge da pressão de deputados do Centrão, que pleiteiam a troca no comando da bilionária pasta alegando a má gestão de Pazuello durante a pandemia. Argumentam que a imagem de Pazuello está desgastada por conta das ações de combate ao Covid-19 e sustentam ainda que o ministro apresentou números divergentes sobre a vacinação da população.

Pazuello declarou formalmente ao Congresso que pretende distribuir 38 milhões de doses em março. Em solenidade na quarta-feira no Palácio do Planalto, porém, o ministro admitiu que o número pode ser bem menor.

—Estamos garantindo para março entre 22 (milhões) e 25 milhões de doses, podendo chegar a até 38 milhões de doses —disse.

Além de Ludhmila, outro nome lembrado pelo núcleo de Bolsonaro é Marcelo Queiroga, tido como nome de confiança do presidente. Em 2020, o presidente o indicou para o cargo de diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Queiroga aguarda uma sabatina no Senado para poder assumir o cargo. Ele é cardiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Queiroga disse que não houve contato do presidente até o final da tarde de ontem.

—A especulação é por conta de o presidente ter me indicado para ocupar um cargo na ANS e, naturalmente, por ser um quadro técnico ligado ao grupo político do presidente. Meu nome já foi ventilado em outras possibilidades, mas nesse momento não fui contatado pelo presidente para essa missão —diz o médico.

Ele diz ainda que ser lembrado entre os cotados é “uma honra”. Ele acredita que, nesse momento, a prioridade do Ministério da Saúde é “implementar um programa de vacinação amplo no Brasil”.

—Na época da transição de governo, estive no gabinete na área da saúde, e enfim, tenho uma afinidade política com o presidente desde antes de sua eleição. A isso que atribuo as especulações em torno do meu nome.

POLÍTICOS DE OLHO

Além de Queiroga e Hajjar, três deputados federais, todos do PP, também são lembrados pela Câmara para ocupar a pasta, que tem o maior orçamento de toda a esplanada dos ministérios. Os deputados lembrados são Ricardo Barros (PP-PR), Dr. Luizinho (PP-RJ) e Hiran Gonçalves (PP-RR).

Na avaliação de integrantes do Centrão, com a volta do expresidente Lula (PT) ao cenário eleitoral, o bloco, hoje na base de Bolsonaro, ganha força para pleitear mais espaços na administração pública. Sem citar especificamente o Ministério da Saúde, esses parlamentares lembram que o grupo foi pilar de sustentação do governo do petista e, em 2022, servirá como fiel da balança na composição de forças políticas entre o atual presidente e o ex.

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Após duras críticas, cardiologista sofre resistências

Paulo Cappelli

15/03/2021

 

 

Logo depois de reunião no Alvorada, presidente recebeu vídeos e gravações com ataques de Ludhmila Hajjar a ele e ao governo

Uma das principais cotadas para assumir o Ministério da Saúde no lugar do general Eduardo Pazuello, a cardiologista Ludhmila Hajjar viu seu nome perder força no mesmo dia em que se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro. Com indicação defendida por aliados do governo, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), a médica é dona de posições que contrastam com o discurso oficial da gestão Bolsonaro. Ela, por exemplo, faz duras críticas ao uso de cloroquina como forma de tratamento precoce para combater a pandemia.

Mas o que mais perturbou o círculo próximo a Bolsonaro foram informações que chegaram ao presidente após a conversa com Hajjar, ontem, no Palácio da Alvorada. O presidente recebeu um áudio atribuído aHajjar em que ela defende a eleição do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), para presidente e chama Bolsonaro de “psicopata”.

—Nem sei o que vai acontecer com esse Brasil. Vai pegar fogo. Só sei queque roo Caiado presidente, só isso. Porque ele foi corajoso. Chega. Tem que cair esse JB. É um psicopata — disse a médica, no áudio enviado ao presidente e ao qual O GLOBO também teve acesso.

Nas redes sociais, seguidores do presidente postaram um vídeo em que Hajjar aparece numa conversa coma ex-presidente Dilma Rousseff. Imediatamente, criou-se um movimento bolsonarista contra a nomeação da cardiologista.

Em entrevista publicada há uma semana, a cardiologista disse que “o Brasil está fazendo tudo errado na pandemia”. Hajjar é defensora do isolamento social como forma de frear o avanço do vírus. A médica também criticou o afrouxamento, pelo poder público, de medidas restritivas que poderiam ter aliviado o sistema de saúde durante a pandemia.

Especializada no tratamento de Covid-19, Hajjar chegou a ser cotada para assumir o ministério quando Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) deixou o comando da pasta. O nome da cardiologista foi defendido por aliados de Bolsonaro, como a advogada Karina Kufa. Na ocasião, no entanto, Nelson Teich foi o escolhido para a função.

Na rede privada, em Brasília, a médica tratou o próprio Pazuello, quando ele foi infectado pelo coronavírus. Ela também atendeu os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, além dos ex-presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).