Valor Econômico, n. 5197, v.21, 01/03/2021. Brasil, p.A7

 

Ocupação de UTIs é crítica em 17 capitais, 12 Estados e no DF

 

Levantamento da Fiocruz mostra pior cenário desde o início da pandemia

Por Hugo Passarelli e Cibelle Bouças — De São Paulo e de Belo Horizonte

 

A piora nas taxas de ocupação de leitos de UTI de covid-19 para adultos no SUS é geral e configura o pior cenário já observado desde o início da pandemia, aponta levantamento do Observatório Covid-19, da Fiocruz.

 

Segundo a entidade, 17 capitais estão com taxa de ocupação de ao menos 80%: Porto Velho (100%), Rio Branco (88,7%), Manaus (94,6%), Boa Vista (82,2%), Palmas (80,2%), São Luís (88,1%), Teresina (93%), Fortaleza (94,4%), Natal (89,0%), Recife (80%), Salvador (82,5%), Rio de Janeiro (85,0%), Curitiba (90%), Florianópolis (96,2%), Porto Alegre (84,0%), Campo Grande (85,5%) e Goiânia (94,4%). Os dados compreendem as semanas epidemiológicas 5 a 7 de 2021, com informações até 22 de fevereiro.

 

O estudo ainda mostra que 12 Estados e o Distrito Federal estão na zona de alerta crítica, com ocupação igual a 80% ou mais das UTIs; 13 Estados estão na zona de alerta intermediária, entre 60% e 80%, e somente um Estado está fora da zona de alerta, com menos de 60% de utilização.

 

Segundo a análise, a região Norte se mantém em situação preocupante, com Rondônia (97,1%), Acre (88,7%), Amazonas (94,6%) e Roraima (82,2%) na zona de alerta crítica e Pará (76%), Amapá (62,3%) e Tocantins (74,1%) na zona intermediária.

 

No Nordeste, além de Ceará (92,2%) e Pernambuco (85%) na zona de alerta crítica, somaram-se o Rio Grande do Norte (81,4%) e a Bahia (80,2%). O Maranhão (77,7%) e o Piauí (77,2%) permanecem na zona intermediária, mas com incrementos significativos no indicador, enquanto Paraíba (62,4%), Alagoas (65,8%) e Sergipe (61,2%), que estavam fora de alerta, voltam à zona intermediária.

 

O Sudeste é a região que apresenta maior estabilidade em relação ao indicador desde a última observação, embora todos os Estados estejam na zona de alerta intermediária: Minas Gerais (70,3%), Espírito Santo (68,3%), Rio de Janeiro (61,3%) e São Paulo (68,6%).

Na Região Sul, a situação de todos os Estados piorou, com o Paraná (91,9%) mantendo-se na zona crítica e Santa Catarina (93,4%) e o Rio Grande do Sul (83,6%) retornando a ela.

 

No Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul registrou um crescimento no indicador, mas se manteve na zona intermediária (76%). Mato Grosso permaneceu fora da zona de alerta e Goiás (89,2%) continua na área crítica, à qual também se juntou o Distrito Federal (87%).

 

Os dados confirmam a intensa transmissão da covid-19 no país. “O Brasil apresentou uma média de 46 mil casos, valor mais elevado que o verificado em meados do ano passado, e média de 1.020 óbitos por dia ao longo das primeiras semanas de fevereiro. Nenhum Estado apresentou tendência de queda no número de casos e óbitos”, destaca o documento da Fiocruz. As incidências de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) no país permanecem em nível muito alto em todos os Estados.

 

O Espírito Santo vê com preocupação o avanço acelerado de casos de covid-19 nos vizinhos Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro - além de São Paulo, Estado que mais envia turistas. “Nós não somos uma ilha. Se o país colapsar levará a um colapso todos os Estados. Uma medida de caráter nacional urge”, afirmou o secretário de Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes.

 

Ele considera que medidas adotadas por governadores e prefeitos para tentar conter o avanço dos casos de covid-19 serão insuficientes para evitar um colapso. “Para interferir no rumo da pandemia é preciso haver uma articulação nacional, não podem ser medidas fragmentadas”, acrescentou.

 

O Estado ampliou o número de leitos de UTI de 660 para 1.200 no ano passado, destinando 694 para pacientes de covid-19. Em dezembro, o governo decidiu ampliar o número de leitos de UTI para covid-19. Na primeira quinzena de março, o Estado ultrapassa 800 leitos e, em abril, chega a 923. A ocupação de leitos de UTI está em 72%.

 

Em Minas Gerais, a situação é mais grave no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, a noroeste do Estado. Cidades como Araguari, Monte Carmelo, Coromandel, Patos de Minas, e Uberlândia atingiram 100% de leitos de UTI ocupados. Em Uberaba, a ocupação na rede pública é de 58% e na rede privada chega a 97%. Em Montes Claros, 80% dos leitos de UTI estão ocupados. Em Contagem, a taxa de ocupação é de 77% e em Belo Horizonte, chegou a 75,3% na sexta-feira.

 

 

 

___________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

 

 

Internação dispara, e hospitais privados abrem mais leitos

 

Pesquisa mostra que metade das instituições privadas têm entre 91% e 100% de leitos da área intensiva para covid ocupados

Por Beth Koike — De São Paulo

 

 

Na última semana, o volume de internações de pacientes acometidos pela covid-19 em hospitais privados de São Paulo disparou. Na sexta-feira, havia 171 pacientes com coronavírus internados no Sírio-Libanês, o maior volume já registrado pelo hospital em toda pandemia. No Albert Einstein, a taxa de ocupação geral (covid e outras enfermidades) bateu em 104%. Especialistas do setor acreditam que se esse ritmo for mantido há risco de colapso na rede privada.

 

“Se essa média for mantida, sem a adoção de medidas de maior isolamento, há possibilidade de colapso em três ou quatro semanas”, disse Francisco Balestrin, presidente do SindHosp, sindicato dos hospitais do Estado de São Paulo. “Lamento dizer, mas se nada for feito, existe o risco de colapso, sim”, complementou Fernando Torelly, superintendente corporativo do HCor.

 

Sidney Klajner, presidente do Hospital Albert Einstein, concorda com a opinião dos seus colegas e pondera acreditar que o governo do Estado tende a adotar medidas mais restritivas de lockdown para conter a disseminação do vírus.

 

Levantamento do SindHosp com 80 hospitais de São Paulo mostra que metade deles está com taxa de ocupação entre 91% e 100%. Em grandes hospitais como Sírio-Libanês, BP - Beneficência Portuguesa, HCor e Alemão Oswaldo Cruz, a ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para covid ultrapassa os 90%.

 

Com a lotação das UTIs, os hospitais estão alocando parte dos leitos, usados para atendimento de outras enfermidades, a pacientes com covid-19. Na semana passada, o Albert Einstein, HCor e Sírio-Libanês abriram 24 leitos, cada, nesse esquema.

 

No entanto, um dos efeitos colaterais dessa medida é a redução de leitos para cirurgias e procedimentos eletivos de menor urgência. hospital está fazendo um gerenciamento dos agendamentos e recomendando que casos não urgentes sejam adiados. O Sírio-Libanês está acompanhando de forma mais rigorosa os agendamentos e recomendando que casos não urgentes sejam adiados. “Mas se surgir um caso de apendicite, por exemplo, vamos atender com certeza”, disse Felipe Duarte Silva, gerente de práticas médicas do Hospital Sírio-Libanês

 

“A partir dessa semana, vamos analisar se remanejamos os procedimentos eletivos. Vai depender de como se comporta a propagação dos casos. Se chegarmos à situação do Rio Grande do Sul vai ser preciso”, disse Fernando Torelly, superintendente corpora do HCor.

 

No Moinhos de Vento, principal hospital do Rio Grande do Sul, todos os procedimentos eletivos foram cancelados logo após o carnaval, quando a curva de internações começou a subir, e ainda assim faltam leitos. “Nossa taxa de ocupação está em 110% mesmo com abertura de dez novas UTIs. Vivemos um tsunami”, disse Mohamed Parrini, CEO do Moinhos de Vento. Ele explica que o grande problema é contratar médicos e fisioterapeutas para UTI. “Os profissionais estão esgotados, outros estão afastados. Tivemos casos de profissionais contaminados, após tomar a primeira dose da vacina”, complementou Parrini.

 

O atual cenário é consequência de uma combinação de aglomeração em festas de Ano Novo, férias de verão, Carnaval e relaxamento com a chegada da vacina, cuja imunização não abarcou 3% da população brasileira. “Além das festas, mais recentemente houve um empoderamento com o surgimento da vacina. As pessoas relaxaram.

 

Além disso, há uma desinformação oficial sobre a pandemia e a vacinação”, disse Balestrin.

 

A situação dos hospitais privados da capital paulista é bem pior do que a rede pública, cuja ocupação está na casa dos 68%. Uma das possíveis razões apontadas é que boa parte da população da periferia já foi contaminada com a necessidade de voltar ao trabalho presencial. As classes mais abastadas estavam em “home office”, mas se expuseram recentemente em festas e comemorações.

 

Outra região que também está sendo duramente afetada pela pandemia é Brasília. A unidade do Sírio-Libanês na região viu a taxa de ocupação de leitos aumentar de 72% para 80% entre quarta e sexta-feira da semana passada.

 

 

__________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

 

 

 

 

 

Sem conter vírus, colapso generalizado é provável no país, afirmam especialistas

 

Medidas adotadas por Estados e municípios são insuficientes e só vacinação não vai resolver a pandemia

Por Ana Conceição — De São Paulo

 

 

Medidas que estão sendo tomadas por Estados e municípios, como toque de recolher à noite, não são suficientes para controlar a pandemia e com isso o colapso do sistema de saúde deve se espalhar pelo país. Sem controle da disseminação e leitos de hospitais em falta, o número diário de mortes pode crescer de forma expressiva nas próximas semanas, segundo especialistas.

 

“Esse cenário de colapso destoa das medidas que estão sendo tomadas pelo país. Nas duas próximas semanas devemos ver um efeito dominó, com os Estados entrando em colapso e uma exacerbação das mortes em casa, por falta de assistência”, afirma o pesquisador Domingos Alves, da plataforma de monitoramento Covid-19 Brasil, formada por várias universidades públicas.

 

Para Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, há um apagão em relação às decisões necessárias para controlar a pandemia.

 

Desde novembro, o grupo de pesquisadores do Covid-19 Brasil tem alertado que a segunda onda da pandemia poderia ser pior que a primeira. Na ocasião, em 12 Estados a média móvel diária de casos era maior que no pico da primeira onda. Em dezembro, esses mesmos Estados tiveram um pico de mortes maior, diz Alves. Em janeiro, a situação já tinha se espalhado para outras unidades da federação. “O que estamos vendo agora é algo que começou antes mesmo das aglomerações de Natal”, afirma.

 

No Sul do país, o número de casos diários excedeu a primeira onda em mais de 30%, segundo Alves, que defende medidas bem mais restritivas que as atuais para conter a disseminação do coronavírus.

 

Para ele, o espalhamento da variante brasileira do Sars-Cov-2 pode até estar por trás da aceleração dos casos, mas o problema é anterior. “A culpa é da falta de medidas de controle do vírus. Os governos nunca executaram uma política de barreiras sanitárias no país.”

 

Márcio Bittencourt, médico do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, ressalta que a perspectiva de colapso geral vem da piora gradual do sistema. “Esse quadro já existe em quase todos os Estados. Não é algo pontual.”

 

Ele diz ser uma abordagem simplista responsabilizar a nova variante pelo quadro atual. “Só tem variante quem não controlou a pandemia. A variante é consequência, não causa.” A “culpa”, diz, é da incompetência dos governos em tomar as medidas necessárias.

 

Ambos os especialistas apontam que a vacinação não vai resolver a pandemia no país, ainda mais no ritmo lento em que está. Mas mesmo países em que a imunização corre mais rápida, como Israel, ainda há um número relevante de casos e mortes, embora menores que no auge da pandemia, e medidas de contenção seguem em curso.

 

“Podemos até ver as mortes cair, por exemplo, à metade com a vacinação, mas eu não chamaria isso de sucesso”, diz Bittencourt.

Nesse sentido, a ampliação de leitos de UTI como medida para lidar com o aumento de casos graves é uma “política de enxugar gelo”, se não houver medidas que de fato controlem a disseminação do vírus, afirmam os pesquisadores.

 

Bittencourt ressalta que não rodou modelos preditivos, mas diz que não se surpreenderia com um número de mais de 2 mil mortos por dia em meados de março. “O sistema de saúde não será capaz de atender todas as pessoas que precisam. Quem está na enfermaria não consegue UTI, quem está no pronto-socorro não consegue enfermaria e quem está fora do sistema fica doente em casa.”

 

A solução para o problema é a mesma do início da pandemia, diz Bittencourt. A lista inclui busca ativa de casos, testagem em larga escala, isolamento adequado de casos confirmados ou suspeitos, quarentena de contato, e distanciamento para pessoas que não estão doentes. “São medidas muito eficazes, menos custosas e mais impactantes que distanciamento social, seja lockdown ou não”, afirma o médico.