O Globo, n.31996 , 14/03/2021. Sociedade, p.8

 

Um novato com poder de voto de minerva no Supremo

André de Souza

Carolina Brigído

14/03/2021

 

 

Decisivo no julgamento de Sergio Moro, Nunes Marques vem confirmando perfil garantista nos primeiros meses na Corte

Indicado por Jair Bolsonaro para a primeira vaga à sua disposição no Supremo Tribunal Federal (STF), e com seu nome impulsionado pelo apoio de líderes do Centrão, neoaliados do presidente, o ministro Kassio Nunes Marques vem confirmando, em seus primeiros meses na Corte, seu perfil garantista —a corrente jurídica que preza mais pelos direitos individuais dos investigados, privilegiando suas prerrogativas e argumentos, em detrimento da interpretação mais rígida da lei penal.

Por circunstâncias da divisão de perfil dos demais ministros, e da composição das duas Turmas do Supremo, o novato em poucos meses se viu na posição de possível definidor do processo de maior repercussão política nos últimos anos. Na última terçafeira, foi paralisado em dois a dois o julgamento na Segunda Turma que decidirá se o exjuiz Sergio Moro foi ou não parcial na condução de processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso com potencial para definir o futuro do ex-juiz Sergio Moro e, de quebra, o da Lava-Jato. Nunes Marques vai desempatar. Se votar contra Moro, pode garantir que as ações contra Lula recomecem do zero, além de abrir caminho para que outros réus da operação trilhem caminho parecido com o do petista. Há uma possibilidade de, no caso específico, o voto de Nunes Marques não ser decisivo. Ministros da Segunda Turma consideram a possibilidade de Cármen Lúcia, que votou a favor de Moro, mudar o voto antes do fim do julgamento.

Mas a ministra já afirmou que pretende votar depois dele. Nunes Marques saiu rapidamente da posição de novato para a de voto decisivo por substituir, na Turma responsável pelos processos da Lava-Jato, o antigo decano Celso de Mello, aposentado em outubro do ano passado. Celso era o voto que desempatava vários placares, ora se alinhando a Edson Fachin, o relator linha-dura dos processos da operação, ora se posicionando contra. Mas costumava, na média, ser mais duro do que o seu substituto na Corte. Em julgamentos recentes, Nunes Marques tem colaborado para formar um placar de 3 a 2 a favor do garantismo. O novato tem se alinhado com outros dois representantes desse pensamento: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Do lado punitivista, Edson Fachin e Cármen Lúcia integram a minoria. Além do processo em que é pedida a suspeição de Moro, Nunes Marques ainda tem outros desafios pela frente na Segunda Turma. Em junho de 2020, o colegiado condenou o ex-deputado Aníbal Gomes (DEM-CE) e o engenheiro Luiz Carlos Batista Sá por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato. A Petrobras 

e o engenheiro apresentaram recursos, que serão julgados na turma em data ainda não definida. Em outubro de 2019, a Segunda Turma condenou o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o ex-deputado Lúcio Vieira Lima, ambos do MDB da Bahia, no processo dos R$ 51 milhões encontrados em um apartamento em Salvador em 2017. Ambos foram acusados de lavagem de dinheiro e associação criminosa. A defesa recorreu e o julgamento da apelação ainda não foi agendado. Parte das condenações foi por unanimidade, e parte por maioria de votos, vencidos Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

A FAVOR DOS RÉUS

No histórico, Nunes Marques tem se posicionado mais a favor dos réus. Em 2 de março, a Segunda Turma rejeitou a denúncia contra parlamentares do PP por organização criminosa, entre eles, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL). O placar foi 3 a 2, com Nunes Marques no time majoritário. A decisão beneficiou também o presidente da legenda, o senador Ciro Nogueira (PI), apontado como um dos padrinhos da indicação realizada por Bolsonaro.

Os votos garantistas de Nunes Marques têm atendido também a políticos opositores do governo. Em 23 de fevereiro, ele foi decisivo para arquivar investigação contra o senador Humberto Costa (PT-PE). O placar foi o clássico 3 a 2. Para a maioria da Segunda Turma, o caso deveria ser encerrado, diante do excesso de prazo da instrução processual sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tivesse apresentado denúncia.

—Após transcorridos mais de cinco anos de investigação, inexistindo nos autos indícios que possam corroborar os depoimentos prestados pelo delator Paulo Roberto Costa, não há como continuar o trâmite do inquérito, quer nesta Corte, quer na Justiça Eleitoral de Pernambuco —afirmou Nunes Marques no voto. Em 15 de dezembro, a Segunda Turma arquivou inquérito   contra o ex-senador Eunício Oliveira por ausência de provas. O placar foi o mesmo. No plenário virtual, um sistema no qual os ministros postam seus votos, sem a necessidade de se encontrarem em sessão, Nunes Marques tem mantido posição decisiva a favor do garantismo. Em novembro, a turma revogou medidas cautelares impostas a Nathalie Felippe, filha de Raul Schmidt Felippe Júnior, operador financeiro acusado na Lava-Jato. Já em 10 de novembro, na primeira sessão de Nunes Marques na Segunda Turma, ficou selado o trio dos placares futuros. Naquela ocasião, o colegiado confirmou a atribuição da Justiça estadual para julgar um promotor aposentado do Rio. Cármen Lúcia e Edson Fachin perderam, com a posição de qe o caso deveria ser encaminhado para a Justiça Federal no Rio.

Seu antecessor, Celso de Mello, era, em média, mais rígido que o novato