O Globo, n.31995 , 13/03/2021. Colunas, p.9

 

Celeiro de vírus

Ana Lucia Azevedo

13/03/2021

 

 

Cientistas brasileiros descobrem nova variante do coronavírus

Pesquisadores brasileiros descobriram uma nova variante do coronavírus. A descoberta foi relatada por cinco instituições, coordenadas pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), junto com a Rede Corona-ômica de sequenciamento genético do SarsCoV-2 . Em um trabalho independente, a mesma variante também foi descrita por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ela teria surgido em agosto e já se espalhado por estados de todas as regiões, à exceção do Centro-Oeste.

A nova variante tem uma origem distinta das linhagens brasileiras P1 e P2, que causam preocupação mundial, especialmente a primeira. Porém, também provoca apreensão porque compartilha com elas a mutação E484K na proteína S do vírus, alvo da maioria das vacinas e testes de diagnóstico. Essa mutação é associada a uma maior capacidade de transmissão. Também se teme que possa escapar do ataque de anticorpos e, com isso, reduzir a eficácia de vacinas.

LABORATÓRIO A CÉU ABERTO

O coordenador da Coronaômica, o virologista Fernando Spilki, diz que há evidências fortes de que existe uma maior transmissibilidade. Mas o escape de anticorpos precisa ser investigado em profundidade. Até agora, as vacinas continuam a se mostrar eficientes.

Mas cientistas salientam que é preciso acelerar a imunização e proteger o maior número de pessoas possível justamente para evitar que o vírus mute ao ponto de impactar seriamente a efetividade das vacinas. Epicentro da pandemia e com a transmissão do SarsCoV-2 descontrolada, o Brasil é considerado um celeiro de emergência de novas variantes do coronavírus, um laboratório a céu aberto. Por isso, a descoberta preocupa, mas não surpreende, afirma Ana Tereza Vasconcelos, coordenadora do Laboratório de Bioinformática do LNCC.

— O estudo de novas variantes é essencial porque o vírus está sempre mutando e, quanto maior a transmissão, maior a chance de surgirem mutações. O sequenciamento, ao revelar mutações e variantes, mostra a cara do inimigo que estamos enfrentando —observa Vasconcelos.

O grupo coordenado por ela sequenciou e analisou 195 genomas, provenientes de pacientes com Covid-19 de 39 municípios, de cinco estados (Rio de Janeiro, Amazonas, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte). Os genomas foram depositados em bases de dados públicas internacionais (GISAID). As amostras foram coletadas entre 1o de dezembro de 2020 até 15 de fevereiro 2021, de pacientes de 11 anos a 90 anos de idade, sendo 92 homens e 93 mulheres.

O trabalho, submetido a uma revista científica internacional, é assinado por 22 pesquisadores. Além do LNCC, participaram a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC/BA). O sequenciamento faz parte da Rede Vírus, do MCTI/FINEP/CNPq, da Rede Corona-ômica-RJ, Faperj e da Capes.

VARIANTE P2 JÁ PREDOMINA

A história da emergência da nova variante, provisoriamente chamada de VOI 9 (abreviação de “variante de interesse”, em inglês) pela equipe da Fiocruz, diz muito sobre a propagação da pandemia pelo Brasil. No primeiro semestre de 2020 duas linhagens dominavam a pandemia no país: B.1.1.28 e B.1.1.33. As variantes P1 e P2, que se disseminaram rapidamente pelo país, derivaram da B.1.1.28. Hoje, segundo Vasconcelos, a P2 é dominante do Brasil, mas a P1 já mostra sinais de forte espalhamento.

A P1 surgiu em Manaus e foi descrita no fim do ano passado. É alvo de maior preocupação do que a P2 porque, além da E484K, tem ainda outras duas mutações importantes, incluindo a designada N501Y, a mesma da variante britânica, que também suscita preocupação mundial.

A P1 é chamada de variante de preocupação. Já a P2 foi descrita no fim do ano passado, mas emergiu no início do segundo semestre de 2020, no Rio de Janeiro, onde é quase absoluta agora. Por ter menos mutações perigosas, é classificada como variante de interesse. A variante identificada agora recebeu, por ora, a mesma classificação de variante de interesse. Porém, ela é derivada da outra linhagem, a B.1.1.33.

Assim como a P2, ela preocupa porque tem a temida E484K. O grupo da Fiocruz, num artigo já disponível em prépublicação na Virological.org, diz que a VOI 9 foi detectada entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021. Ela tem três outras mutações, provavelmente emergiu em agosto de 2020 e está espalhada por estados do Sudeste, Sul, Norte e Nordeste. O coronavírus se espalha e se transforma numa velocidade muito maior do que o Brasil vacina, daí o alerta dos cientistas sobre a necessidade de intensificar a imunização. Um exemplo disso, além da descoberta de novas variantes, é a velocidade como estas, por sua vez, se modificam.

— Já há sinais de que a P2, embora recente, começa a se diversificar. O coronavírus está à solta e à medida que se espalha encontra novas chances para mudar. Por isso, precisamos monitorá-lo. E, sobretudo, contê-lo o mais depressa possível —alerta Vasconcelos.

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A hora da Ciência - O Brasil precisa parar

Natália Parternak

13/03/2021

 

 

Com recorde de mortes em 24 horas, atingindo a triste marca de duas mil vidas perdidas, o Brasil leva finalmente um choque de realidade. Governadores e prefeitos decidem implementar medidas de prevenção mais rígidas. O Congresso aprova lei que permite a compra de vacinas por estados e municípios e o setor privado, desde que com doação integral para o SUS.

Se chegamos — finalmente — à conclusão de que todos os esforços devem ser dirigidos para vacinar e prevenir, e agora líderes e empresários querem ajudar, há que organizar a bagunça e contemplar alguns pontos na cadeia: comprar vacinas, distribuir vacinas, vacinar a população, e garantir os auxílios necessários para que a população, principalmente a mais carente, fique em casa.

Distribuir e aplicar vacinas é responsabilidade do PNI e dos municípios. Vacinamos milhões de brasileiros anualmente. Temos um dos melhores programas de imunização do mundo, com excelente cadeia de distribuição e salas de vacinação espalhadas pelo país. Comprar vacinas seria responsabilidade do Ministério da Saúde, que infelizmente tem sido omisso. Parece que em breve veremos mudanças, e fala-se em assinar acordos com Pfizer e Janssen, mas até o fechamento da coluna, ainda eram promessas.

Com a nova lei, estados e municípios ganham competência para compra. Aqui os empresários podem ajudar. Muitos municípios não têm a verba necessária, e poderiam se beneficiar de doações de filantropos. Compra direta de vacinas por filantropia para doar ao SUS também será necessária e bem vinda, caso o Ministério falhe novamente nos acordos com as multinacionais.

Mas temos que ser realistas. A falta de planejamento para adquirir as vacinas em tempo hábil atrasou a imunização. Vacinas virão, mas não agora. Receberemos doses em quantidade significativa provavelmente só a partir da metade do ano. Enquanto isso, nossas melhores armas ainda são máscaras e distanciamento. E, se por um lado, o governo agora resolveu abraçar a vacinação, seguimos órfãos para implementar medidas preventivas.

Para otimizar esforços, o setor privado pode contribuir muito com ações humanitárias para permitir que a população fique em casa, e que o lockdown seja efetivo. Doação de máscaras PFF2 e testagem para todas as escolas públicas seriam muito mais efetivas para uma volta às aulas segura do que direcionar esforços e campanhas publicitárias para resolver problemas que não existem. Tendo vacinas, o PNI sabe o que fazer. Tendo auxílio financeiro e informação adequada, a população saberá o que fazer.

Na ausência do governo federal, os entes federativos, a iniciativa privada e o terceiro setor, amparados pelo Congresso Nacional e pelo STF, podem vacinar e implementar medidas preventivas. Mas fica o aviso aos ocupantes do Planalto — agora mascarados, desesperados para tentar reescrever o ano de 2020 e negar sua responsabilidade: não se iludam. Quando vencermos a pandemia, não se atrevam a tentar usurpar o crédito. Os familiares dos 270 mil brasileiros não vão esquecer como chegamos até aqui.