Correio Braziliense, n.21125 , 27/03/2021. Política, p.2/3

 

Itamaraty amarga a berlinda

Sarah Teófilo

27/03/2021

 

 

PODER » Eventual demissão do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, será ineficaz se país não der uma guinada na sua política externa, avaliam especialistas. Presidente do Senado volta a pressionar Bolsonaro para a saída do chanceler

Apesar da pressão política intensa para a saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo — rejeitada, por enquanto, pelo presidente Jair Bolsonaro —, especialistas ressaltam que o chanceler é apenas “espelho” do chefe do Executivo, tanto nas declarações quanto nas ações, e que uma mudança no comando da pasta de nada adiantará se não ocorrer uma guinada na política externa brasileira. Hoje, o Itamaraty é visto como um bunker da extrema direita, que conseguiu se indispor com as duas maiores potências do planeta, os Estados Unidos e a China.

Araújo tem sido criticado, principalmente, no contexto da pandemia. Fez ataques à China, uma das principais fornecedoras de insumos para a produção de vacinas, e foi contrário à quebra de patentes de imunizantes apoiada por outros países emergentes, como a Índia e a África do Sul. Além disso, estremeceu as relações com os Estados Unidos, por ter feito campanha pela reeleição de Donald Trump contra Joe Biden.

Ontem, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), voltou a afirmar que a diplomacia do país “está falha”. Em conversa com Bolsonaro, ele não falou em demissão de Araújo, mas cobrou reação do chefe do Executivo. “A permanência ou a saída do ministro, qualquer que seja ele, é uma decisão que cabe ao presidente da República. O que nos cabe, enquanto Senado, Câmara, enquanto Parlamento, é cobrar e fiscalizar as ações do ministério”, disse, após o encontro.

Segundo Pacheco, “a política externa do Brasil precisa ser corrigida”. “É preciso melhorar a relação com os demais países, incluindo a China, porque é o maior parceiro comercial do país”, afirmou. “O presidente apenas ouviu, e veremos o que pode ser feito. Na verdade, com ministro A ou ministro B, o que importa é um ministério que funcione, é isso que desejamos com o Ministério das Relações Exteriores. Confiamos ao ministério que faça a política de melhora da relação com os demais países.”

As declarações de Pacheco vão ao encontro do que pregam especialistas. Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola afirmou que a política externa no governo Bolsonaro tem contribuído decisivamente para um status muito negativo do Brasil no planeta. “O ministro tem uma política desastrosa, e há consenso no país sobre o estrago da política externa”, disse. “Mas a questão não é o Ernesto. Ele é o executor. A visão colocada ali é a que Bolsonaro tem do mundo.” Para Viola, ainda que o ministro seja trocado, o próximo terá de ser subordinado às ideias do presidente, ou não ficará no cargo.

Nos corredores do Itamaraty, as informações são de completa insatisfação por parte dos servidores. Até aqueles que, no começo, tentaram dar um tempo para ver as ações de Araújo, já desistiram. O Correio apurou que alguns funcionários, por vezes, adotam a chamada “operação tartaruga” — seguram pedidos do chanceler por discordarem completamente e avaliarem que não são bons para a imagem do país. “Enrolam” o ministro, como resumiu uma fonte. Por ser uma área muito hierarquizada, entretanto, as críticas públicas são evitadas.

O que há no Itamaraty, como apontado por diversos especialistas ao longo da gestão de Araújo, é uma atuação ideológica, com ideias contrárias a um chamado “globalismo” e críticas à China, que prejudicam o Brasil.

Quebra de tradições

Juliano da Silva Cortinhas, professor de Relações Internacionais da UnB, destacou que a atuação de Araújo quebra todas as tradições da política externa brasileira, que era conhecida no mundo todo. Ele frisou que o ministro prejudicou o país num momento em que era necessário uma ação junto a outros país para conseguir vacinas e equipamentos de proteção.

Cortinhas lembrou que o próprio chanceler, em outubro do ano passado, disse preferir ver a política externa do país sendo condenada por outras nações a se aliar ao “cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos”. Na ocasião, Araújo declarou que “o Brasil fala de liberdade através do mundo; se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

“A tradição do Itamaraty sempre foi ter uma linha mais pragmática, pautada nos interesses brasileiros no mundo e no respeito às organizações internacionais, ao direito internacional. Havia diferenças, a depender do governo que assumia, mas nunca havíamos nos descolado tanto dos  interesses brasileiros e de defendê-los ao redor do mundo”, enfatizou Cortinhas.

O professor também acredita que, mesmo com a eventual troca de ministro, o Brasil não deve ver alteração na política externa, porque o presidente continuará implementando sua visão de mundo e suas vontades.

Professor de direito internacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Luís Renato Vedovato afirmou que o Brasil perdeu, nos últimos dois anos, a sua posição de referência internacional de diplomacia, quando passou a ter posicionamentos muito fundados na ideologia de extrema direita. Conforme ele, a mudança de ministro, por si só, não vai adiantar. “O que precisa é mudar a posição política do Brasil no exterior”, disse. Segundo Vedovato, será difícil recuperar a diplomacia brasileira nos próximos anos.

Na avaliação de Geraldo Zahran, doutor em relações internacionais e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), a troca, por si só, não trará efeitos positivos para a situação do Brasil aos olhos do mundo. De acordo com ele, o Itamaraty deixou a posição de referência e liderança em muitos debates e grupos de países, como meio ambiente, direitos humanos, mulheres e multilateralismo.  (Colaborou Augusto Fernandes)

Cotada para o cargo

Quando se fala em troca no Ministério das Relações Exteriores, um nome que circula é o da embaixadora brasileira na Organização das Nações Unidas (ONU), Maria Nazareth Farani Azevêdo. Foi ela que, segundo reportagem da revista Época, convenceu o ministro Ernesto Araújo a não sair do consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), para aquisição de vacina.

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Prefitos contra Araújo

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

27/03/2021

 

 

A movimentação política para fritar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ganhou mais adesão ontem. A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) divulgou comunicado em que pede a substituição do titular da pasta, sob a justificativa de "recuperar a imagem do país no exterior" antes que a condução comprometa, "ainda mais, a inescapável e urgente aquisição de vacinas contra o coronavírus".

"O cenário de enfrentamento à pandemia da covid-19 tomou contornos catastróficos no país. O desenho de tragédia está estabelecido: há insuficiência de doses de vacinas, aumento incontrolado de novas variantes do vírus, falta de leitos, escassez de oxigênio e medicamentos, além de uma diplomacia que tem cometido repetidos desatinos, em um momento no qual o apoio internacional é indispensável", diz um trecho da nota.

Os prefeitos frisaram que Araújo já apresentou "um leque diversos de trapalhadas e atitudes destrutivas" diante das medidas contra a covid-19 que foram articuladas com parceiros internacionais. "Agora, veio à tona sua postura contrária ao ingresso do Brasil no consórcio global Covax Facility, que entregou um milhão de doses de vacina AstraZeneca/Oxford, em 21 de março, e ainda deverá entregar outras 41 milhões", relata o comunicado. "Forçoso destacar que o país poderia ter optado, nesse arranjo multilateral pela compra de 168 milhões de doses, quatro vezes mais do que o contratado."

Os gestores ressaltaram, ainda, que, neste momento da pandemia, "não há espaço para o que vem sendo relevado desde a posse do atual ministro". "Diante disso, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) registra sua apreensão e preocupação com esse contexto. Clama, portanto, para que o governo federal assuma sua responsabilidade, substitua o ministro e reverta a política externa desastrosa que vem adotando", destacou. "É premente a necessidade de medidas tempestivas para tentar recuperar a imagem do país no exterior, sob pena de comprometer, ainda mais, a inescapável e urgente aquisição de vacinas contra o coronavírus."

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Governadores criticam

Luiz Calcagno

Augusto Fernandes

Jorge Vasconcellos

27/03/2021

 

 

Depois de entrar em contato com a comunidade internacional na busca por vacinas contra o coronavírus, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), agora, ocupa outro vácuo deixado pelo presidente Jair Bolsonaro nas ações de enfrentamento à crise sanitária: a interlocução com os governadores. O parlamentar reuniu-se, ontem, com os gestores estaduais para conhecer as demandas do grupo e levá-las, na próxima segunda-feira, ao Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19, com a presença do chefe do Executivo. O encontro durou quase três horas, e governadores pediram uma coordenação nacional eficiente, prioridade na aquisição de vacinas, uniformização do plano nacional de imunização e um auxílio emergencial mais robusto que os R$ 250, em média. Houve, também, reclamações pelo fato de o comitê deixar de fora estados e municípios.

O encontro foi marcado por críticas à postura de Jair Bolsonaro no combate ao vírus. O próprio Pacheco admitiu a governadores que, por muito tempo, o presidente se recusou a assumir a liderança federal na crise, além de atacar as ações dos gestores estaduais que tentavam conter o avanço da doença. Sobre a vacinação, o parlamentar disse acreditar no cronograma apresentado pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de imunizar 1 milhão de pessoas por dia — embora não tenha estipulado prazo. A produção de vacinas pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a ampliação da quantidade de fabricantes que disponibilizarão imunizantes ao Brasil são bons indicativos, na avaliação dele.

“A centralização do fornecimento de vacinas e insumos por parte da União e do Ministério da Saúde nas secretarias de saúde dos respectivos estados é reivindicação muito justa, muito básica, mas precisa sentar, conversar e ter interlocução necessária para isso. Estamos otimistas. Identifiquei, por parte dos governadores, enorme boa vontade, grande espírito público. Todos buscando alternativas”, disse Pacheco, escolhido como interlocutor entre o comitê e os governadores.

Os gestores também pediram atuação da Saúde na compra de medicamentos do kit-intubação. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a ausência do presidente da República na coordenação dificulta o trabalho. “Um presidente deveria coordenar e liderar o processo, e ele não só se omite como lidera na direção contrária, enfrenta, confronta e nos faz perder enorme energia, não só pelos ataques que sofremos, como pelas mentiras que temos que desmentir”, disparou.

O vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (DEM), também não poupou críticas ao governo. Disse que o comitê federal veio “antes tarde do que nunca”. “Precisou passar um ano da pandemia, mais de 300 mil brasileiros mortos, para termos alguma iniciativa de coordenação nacional”, alfinetou.

Agenda conjunta

O chefe do Executivo do Piauí, Wellington Dias (PT), coordenador da temática da covid-19 no Fórum dos Governadores, expôs que, para avançar na vacinação, o comitê precisa articular o tema com organismos internacionais. “Estamos pedindo agenda em conjunto com a OMS (Organização Mundial da Saúde), Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Gavi (aliança global de vacinas) para mais imunizantes. Ainda, trabalhar com o Reino Unido e estreitar o diálogo com China, Índia, Rússia”, defendeu. Segundo Dias, é necessário “sensibilizar o mundo para ajudar o Brasil, neste instante, com mais vacinas”.

Na avaliação do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), Pacheco é a peça que faltava para que as demandas dos gestores sejam ouvidas. “Achei um passo importante. Ele (Pacheco) pode ajudar a cobrar ações decisivas neste momento gravíssimo da pandemia. O Brasil precisa de união, mas Bolsonaro não quer, pois até excluiu governadores do comitê nacional. Então, o Presidente do Senado pode ser um vetor da convergência imprescindível”, disse.

Acesso restrito

O presidente Jair Bolsonaro assinou, na quinta-feira, o Decreto 10.659, que formaliza a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19 no país. O órgão será coordenado pelo próprio chefe do Executivo e terá como integrantes os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de um membro a ser indicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Ministério da Saúde atuará como a secretaria-executiva do novo comitê.

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No Mercosul, apelo por integração

Sarah Teófilo

27/03/2021

 

 

Em discurso no encontro dos chefes dos países-membros do Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro criticou a regra que exige consenso entre integrantes do bloco para tomada de decisões. O chefe do Executivo falou sobre a importância de ampliar o comércio do grupo com outras nações. Na reunião, o mandatário manteve ao seu lado o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

"Entendemos que a regra do consenso não pode ser transformada em instrumento de veto ou freio permanente. O princípio da flexibilidade está escrito no próprio tratado de Assunção (capital do Paraguai). O Brasil deseja contar com o apoio dos demais membros do bloco para seguir ampliando a rede de negociações comerciais extrarregionais, de modo a contribuir para rápida retomada do crescimento e impulsionar um novo ciclo virtuoso no Mercosul", pregou.

O encontro virtual comemorou 30 anos de bloco, que tem como proposta a integração entre os países. Mais tarde, o Itamaraty divulgou nota dizendo que o Brasil "defende um Mercosul comprometido com os valores democráticos e o livre comércio e que constitua plataforma para a inserção vantajosa dos países nos mercados mundiais."

Ao falar sobre negociação com outros países, Bolsonaro afirmou que o bloco precisa fazer parte da "quarta revolução industrial". "Consideramos que há amplo espaço para aprofundar a integração regional a partir da redução de barreiras não tarifárias e da incorporação de setores ainda à margem do comércio intrabloco. Precisamos fazer parte da quarta revolução industrial, ocupar o espaço que nos cabe no mundo das grandes correntes econômicas internacionais. Para isso, devemos redobrar esforços nas negociações externas", afirmou.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, rejeitou, durante a sua fala de abertura, a possibilidade de redução linear da Tarifa Externa Comum (TEC), conjunto de tarifas sobre a importação de serviços e produtos dos países que integram o Mercosul. "Não acreditamos que uma redução linear da Tarifa Externa Comum para todos seja o melhor instrumento ante a possibilidade de novos acordos com nossos países. Preferimos continuar com a metodologia que temos trabalhado", disse o mandatário, afirmando que a proposta da Argentina será sempre a de observar o equilíbrio dos setores agroindustriais e industriais.

Em seguida, Bolsonaro foi enfático ao defender a modernização do bloco, com a atualização da TEC "como parte central do processo de recuperação" do dinamismo do bloco. "Por esse motivo, o Brasil gostaria de destacar a importância da reunião extraordinária que nossos ministros vão realizar em abril para tomar decisões sobre a agenda e modalidades das negociações externas do Mercosul e em matéria de revisão da Tarifa Externa Comum, como proposto pelo Brasil", frisou.