Correio Braziliense, n.21123 , 25/03/2021. Mundo, p.12

 

Europa dificulta a exportação de vacinas...

Rodrigo Craveiro

25/03/2021

 

 

Comissão Europeia reforça controle para a venda de imunizantes contra o coronavírus, ao priorizar os princípios da proporcionalidade e da reciprocidade. Reino Unido reage com indignação e tenta articular solução mutuamente benéfica para preservar abastecimento

De olho nos princípios da reciprocidade e da proporcionalidade, a Comissão Europeia — órgão executivo da União Europeia (UE) — reforçou o controle para a exportação de vacinas contra a covid-19. A decisão causou grave desconforto no Reino Unido, três meses depois de sua saída do bloco. As restrições visam garantir a imunização dos cidadãos da UE, atingidos pela terceira onda da pandemia. "A UE se orgulha de ser o lar dos fabricantes de vacinas, que não somente as entregam a cidadãos do bloco, mas as exportam para todo o mundo. Embora nossos países-membros enfrentem a terceira onda pandêmica, e nem todas as empresas cumpram o seu contrato, a UE (...) continua a exportar vacinas em grande escala para dezenas de países. No entanto, estradas abertas devem seguir em ambas as direções", advertiu Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

"Por isso, a Comissão Europeia introduzirá os princípios da reciprocidade e da proporcionalidade no mecanismo de autorização existente da UE", acrescentou Ursula. Por sua vez, o organismo informou no Twitter que "passará a considerar a reciprocidade — se o país de destino restringe as próprias exportações de vacinas ou de insumos, seja por lei ou por outros meios — e a proporcionalidade: a situação epidemiológica da nação de destino, sua taxa de vacinação e seu estoque de imunizantes".

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, reagiu com indignação à medida anunciada por Bruxelas. Ele atacou "bloqueios arbitrários" de vacinas e advertiu que as restrições sobre a entrega de imunizantes poderiam danificar a reputação da União Europeia e inibir multinacionais de investirem em países do bloco. Na tentativa de apaziguar os ânimos, o Reino Unido e a Comissão Europeia divulgaram comunicado conjunto no qual exortavam uma "cooperação aberta e global" no combate à pandemia e prometiam buscar uma solução "mutuamente benéfica" e capaz de "intensificar o fornecimento de vacinas para os nossos cidadãos".

Professor de epidemiologia da Universidade de Bremen (Alemanha), Hajo Zeeb admitiu ao Correio que, apesar de "alguma tensão, há poucas dúvidas de que a UE, como a maior produtora de vacinas, continuará a exportar doses". "De fato, com alguns países, como o Reino Unido, será necessário chegar a algum acordo, ante a preocupação com práticas de distribuição injustas — muitas doses vão para o Reino Unido, nenhum para fora do Reino Unido", disse. "A fábrica do consórcio global Covax Facility não deveria ser afetada. No entanto, a produção na Índia deve ser motivo de preocupação, pois o Serum Institute of India não está exportando no momento."Segundo Zeeb, países como o Brasil não devem ser afetados pelo imbróglio entre Londres e Bruxelas. "O Brasil não está no centro da discórdia. É óbvio que os controles de exportação de vacinas devem ser motivo de preocupação, especialmente para nações com produção própria inexistente ou limitada", afirmou. "Apesar de considerar como antiético e muito imprudente o corte sobre as exportações de vacinas, vejo que existe um forte elemento de mercado no momento, e os países ricos detêm maior poder de compra. Será extremamente importante garantir que qualquer dose disponível seja distribuída, rápida e globalmente, incluindo as doses excedentes solicitadas pelos países ricos da UE e de outras regiões."

Problemas

No meio da disputa entre britânicos e a Comissão Europeia, a farmacêutica AstraZeneca reconheceu problemas no repasse das doses adquidas pela UE, embora o órgão executivo do bloco sustente que parte da produção em território europeu vai para o Reino Unido. Desde a adoção do mecanismo de controle de exportação, em janeiro, mais de 300 autorizações para a venda foram emitidas pelos países do bloco, referentes ao embarque de 40 milhões de doses para 33 nações.

40 milhões

Total de doses de vacinas enviadas a 33 nações da União Europeia, depois de 300 autorizações da Comissão Europeia

... e EUA celebram efeitos da imunização

A covid-19 matou 544.883 pessoas e infectou 29,9 milhões nos Estados Unidos. Até o fechamento desta edição, o país havia vacinado 43,7 milhões de cidadãos — 13,4% da população. A imunização, intensificada durante o governo do democrata Joe Biden, começa a apresentar resultados animadores: a redução na hospitalização de idosos e na disseminação da doença entre funcionários da área da saúde. "Estamos vendo uma diminuição significativa no número de visitas à sala de emergências de pessoas maiores de 65 anos; esta faixa etária já foi vacinada", afirmou à imprensa Rochelle Walensky, diretora do dos Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDC). Os dados recentes indicam que, entre 7 e 13 de março passado, 502 idosos foram hospitalizados por causa da covid-19; entre 3 e 9 de janeiro último, foram 3.384, uma queda de 85 pontos percentuais.

Nesta semana, dois estudos publicados na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM) corroboram o benefício da imunização. Um deles avaliou a quantidade de casos entre 23.234 membros da equipe de um grande hospital de Dallas (Texas). A análise detectou apenas 234 infecções com Sars-Cov-2 entre 9 mil funcionários não vacinados, ou 2,61%. Entre os 6.144 que receberam uma dose, houve 112 casos; apenas quatro dos 8.121 completamente imunizados foram infectados. O outro estudo encontrou taxa similar de contágio entre funcionários da saúde vacinadas em dois hospitais da Califórnia.

Para Lawrence Gostin, professor de medicina da Universidade Johns Hopkins e da Universidade Georgetown e especialista em direito de saude pública, o fato de a maioria dos idosos ter sido vacinada aponta para uma "grande redução" nas mortes associadas à covid-19. "A maioria dos óbitos ocorreu em asilos e em ambientes de alto risco. Agora que a população mais vulnerável foi imunizada, nós provavelmente veremos uma queda nas internações e mortes, mesmo que haja aumento no número de casos", explicou ao Correio.
Gostin lembra que os EUA estão entre os países com melhor desempenho na vacinação. "E provável que a maior parte dos norte-americanos seja vacinada até o fim do verão. Isso coloca os EUA no caminho para retornar a uma vida normal", observou.

Conhecido mundialmente por uma foto na qual consola um idoso com covid-19, o médico intensivista Joseph Varon, comemora a redução substancial de infectados com o Sars-CoV-2 na UTI do hospital United Memoral Medical Center, em Houston (Texas). "O número de infecções pela covid-19 diminuiu consideravelmente em nossa unidade. Nossa UTI está com 30% da capacidade, em comparação com os mais de 100% registrados meses atrás. No entanto, os pacientes que tratamos têm uma condição mais grave, fato atribuído à cepa britânica", afirmou ao Correio, por telefone.

No entanto, Varon não acredita que o fenômeno seja efeito direto da imunização dos norte-americanos. "Duvido que a vacina seja responsável por essa mudança drástica, pois não se vacinou um número suficiente de pessoas. O que ocorre é que há mais anticorpos na população. Cerca de 25% dos norte-americanos desenvolveram anticorpos, e muitos deles permaneceram assintomáticos", comentou. O médico admite que a vacinação pode ter ajudado a impactar os colegas de trabalho e sua própria equipe. "Nenhum de meus médicos e enfermeiros foi infectado nos últimos quatro meses." (RC)

» Eu acho...

"O ritmo de imunização anticovid nos EUA tem aumentado. A partir de segunda-feira, serão vacinados quaisquer cidadãos com mais de 16 anos. Isso deve acelerar ainda mais a vacinação. As autoridades também esperam vacinar idosos em suas casas."

Joseph Varon, médico intensivista e diretor-geral do United Memoral Medical Center, em Houston (Texas)