O Globo, n. 31986, 04/03/2021. Sociedade, p.9

 

 

Luta contra o vírus

 

 

 

Brasil registra novo recorde de mortes por Covid-19, e estados se fecham

 

GUSTAVO SCHMITT, ANA LETÍCIA LEÃO, EVELIN AZEVEDO E BRUNO ALFANO

sociedade@oglobo.com.br

 

Pelo segundo dia consecutivo, o Brasil bateu ontem o recorde de novos registros de mortes em 24 horas: 1.840 novas vítimas da Covid-19. A média móvel de óbitos também quebrou o recorde pelo quinto dia seguido: 1.332.

Diante da alta crescente dos números da pandemia e da lentidão do governo federal em garantir mais doses e novas fórmulas de vacinas (leia mais abaixo), mais estados passaram a adotar medidas rígidas de restrição de circulação, totalizando 23 estados, além do Distrito Federal, com limitações para tentar desafogar seus sistemas de saúde.

A partir da 0h de sábado, todo o estado de São Paulo entrará na fase vermelha no plano contra a Covid-19. Assim, por 15 dias, apenas serviços essenciais poderão funcionar, como estabelecimentos de saúde, educação, construção civil, indústria, logística, abastecimento e comunicação social. Ficam proibidos o consumo local em bares e restaurantes, além do funcionamento de salões de beleza e academias.

Ao anunciar a decisão, o governador João Doria (PSDB) afirmou que o sistema de saúde no estado está à beira do colapso, com um pedido de internação por Covid-19 a cada dois minutos. Anteontem, o estado registrou 468 mortos em 24 horas, um recorde em toda a pandemia.

— Estamos em São Paulo à beira de um colapso na saúde. São exigidas medidas urgentes, coletivas. E se exige a sensibilidade daqueles que preferiram praticar o negacionismo, promover aglomerações, João Doria,Natalia Pasternak, não usar máscaras, ridicularizar aqueles que usam e se protegem—afirmou Doria.

No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (DEM) definiu que, a partir de amanhã, bares e restaurantes só poderão abrir entre 6h e 17h e com capacidade máxima de 40% de ocupação. Além disso, fica vedada a permanência (não a circulação) em vias e espaços públicos entre 23h e 5h. As medidas valerão por uma semana. A informação foi antecipada pela coluna de Ancelmo Gois, do GLOBO.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também anunciou ontem medidas mais restritivas de circulação para conter o contágio pelo coronavírus.

O estado registrou ontem o segundo maior número de óbitos em 24 horas, com 227 mortes.Orecordefoiem10de fevereiro, quando foram registradas 243 vítimas.

Sessenta cidades entraram na recém-criada fase roxa, classificada pelo governo mineiro como a mais grave, que permite apenas o funcionamento de serviços essenciais. Nesta fase, as prefeituras não têm autonomia para decidir se aderem ou não ao plano estadual. A interrupção dos serviços não essenciais acontece a partir de hoje nas regiões Noroeste e Triângulo Norte, durante os próximos 15 dias.

— Não adianta querermos manter o que pode ser agradável para alguns, e amanhã termos em algumas regiões cenas de horror — disse Zema, em entrevista coletiva à imprensa.

Segundo o secretário estadual de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, a fase roxa suspende 100% das cirurgias eletivas, permite o uso de forças de segurança e só prevê a circulação de pessoas em casos essenciais. Além disso, haverá toque de recolher entre 20h e 5h e barreiras sanitárias de vigilância.

Ontem, o Rio Grande do Sul atingiu a taxa de ocupação de leitos da UTI de 101,5%. Quase 72% desses eram pacientes com Covid-19 ou suspeita de síndrome respiratória aguda grave. No estado, foram registradas ontem 180 novas mortes, e a média móvel bateu o recorde pelo sexto dia seguido, e atingiu 115.

Todas as regiões do estado agora estão sob bandeira preta, classificação local de risco altíssimo de contágio. Para enfrentar o colapso sanitário, desde a semana passada estão suspensas atividades em locais públicos entre 20h e 5h. Apenas serviços essenciais, como postos de gasolina, serviços funerários, farmácias e serviços hospitalares, podem permanecer abertos.

Até o dia 8 de março, serviços e atividades não essenciais também estão suspensos no Paraná.Atélá,estávetadaacirculaçãodepessoasemespaços eviaspúblicasdas20hàs5h.O governo do estado também suspendeu as aulas.

Segundo o governador, Ratinho Junior (PSD), o objetivo das medidas no Paraná é fazer um “freio de arrumação” até que mais doses de vacinas cheguem ao estado.

 

DE RUIM A PIOR

A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, explica que o pico de mortes se dá em decorrência da alta circulação do vírus no país:

— Estamos estamos vendo mais pessoas adoecendo e, portanto, morrendo. Isso não quer dizer que o vírus esteja mais letal, quer dizer que ele é mais transmissível e que estamos transmitindo mais. Por causa do comportamento humano, transmitimos mais a doença e criamos novas variantes com maior capacidade de transmissão. O que era ruim ficou pior.

Para a epidemiologista Ethel Maciel, o Brasil poderia ter se preparado melhor para esta segunda onda:

— Poderíamos ter fechado as nossas fronteiras mais rapidamente e ter feito mais sequenciamento genômico. Reino Unido, Portugal, França, Espanha e Israel, por exemplo, viveram piores momentos nesta segunda onda. Justamente por não ser uma exclusividade do Brasil, nós deveríamos estar mais bem preparados, porque tivemos quase dois meses entre a segunda onda da Europa e a do Brasil.