O Globo, n. 31986, 04/03/2021. País, p.8

 

 

 

Sem auxílio, aprovação de Bolsonaro fica abaixo de 30%

 

 

Pesquisa do IPEC aponta evangélicos como principal base de apoio do atual governo, com 38% de avaliação positiva

 

BERNARDO MELLO

bernardo.mello@infoglobo.com.br

 

No pior momento da pandemia e ainda sem a retomada do pagamento do auxílio emergencial, a aprovação do presidente Jair Bolsonaro aparece abaixo do patamar de 30% da população, segundo pesquisa do IPEC (Inteligência, Pesquisa e Consultoria). O levantamento, realizado entre 18 e 23 de fevereiro, aponta que 28% dos entrevistados consideram a gestão Bolsonaro ótima ou boa, enquanto 39% avaliam como ruim ou péssima. Segundo os dados do IPEC, o eleitorado evangélico é a principal base de apoio a Bolsonaro, que tem avaliação positiva de 38% neste segmento. A margem de erro é de dois pontos.

Em levantamentos de institutos como Datafolha e Ibope em 2020, o nível de aprovação geral do governo Bolsonaro quase sempre ultrapassava um terço da população. Em dezembro, apesar do aumento de mortes em decorrência da Covid-19 após as eleições municipais, o presidente manteve 37% de aprovação. Já no fim de janeiro, primeiro mês após o fim do pagamento das parcelas de R$ 300 do auxílio emergencial, o Datafolha apontou queda nas avaliações positivas, com 31% considerando o governo ótimo ou bom, e rejeição na casa de 40%. A retomada do auxílio, agora em quatro parcelas de R$ 250 cada, faz parte da PEC Emergencial que deve ser aprovada até o fim da semana no Congresso.

O IPEC, instituto formado por executivos que deixaram o Ibope após o encerramento das atividades com pesquisas de opinião pública, aponta ainda neste levantamento que, para 87% dos brasileiros, há alguma expectativa de pagamento do auxílio emergencial “até a situação econômica voltar ao normal” — o que pressupõe um prazo maior do que os quatro meses do planejamento do governo federal. Segundo a pesquisa, 72% concordam totalmente com esta visão; 15% concordam em parte.

 

91% DO NORDESTE

O maior clamor por uma disponibilização prolongada do auxílio vem do Nordeste, onde 91% concordam total ou parcialmente que o benefício deve ser pago até que o cenário econômico esteja em normalidade. As regiões Norte/Centro-Oeste e Sudeste aparecem com 87% de concordância parcial ou total neste item, enquanto o Sul tem 80%.

No recorte por renda, 93% dos que têm renda mensal de até um salário mínimo — parcela da população à qual o benefício é majoritariamente destinado — concordam, ao menos de forma parcial, que o auxílio deve durar até uma normalidade econômica. Ontem, a divulgação do PIB de 2020 pelo IBGE apontou que o país não se recuperou do impacto da pandemia da Covid-19, fechando o ano com um rombo de 4,1%. Na última semana, Bolsonaro afirmou que o benefício “custa caro” e representa “um endividamento enorme”, ao justificar que a União não poderia pagar o auxílio indefinidamente.

Para a cientista política Luciana Veiga, professorada Uni rio, o cenário atual de baixa aprovação, na medida em que traz preocupações para Bolso na roem seu projeto de reeleiçãoem 2022, pode estimular o presidente atentar um prolongamento do benefício, contrariando suas próprias declara pelo ções e as projeções da área econômica, comandada pelo ministro Paulo Guedes. A especialista observa que, segundo a pesquisa do IPEC, nos estratos de menor remuneração e no Nordeste a avaliação do governo como regular fica acima da média nacional.

— O que Bolsonaro faz com o auxílio não é conquistar eleitores que não gostam dele, mas sim trazer o que está nesse bloco do regular. É um eleitor muito prático, menos apegado a questões ideológicas, e que pode oscilar a depender do impacto do governo federal em sua vida. É aí que entra o auxílio. Por outro lado, este eleitor também é mais pressionado cenário da Saúde, já que depende da rede pública —avaliou Veiga.

A CEO do IPEC, Márcia Cavalari, afirma que a análise dos resultados deve levar em consideração o contexto à época da realização das pesquisas. O levantamento do IPEC, que ouviu 2.002 pessoas presencialmente em 143 municípios, ocorreu nos dias que se seguiram à primeira ameaça de Bolsonaro de trocar o comando da Petrobras por insatisfação com aumentos nos preços de combustíveis, o que gerou reação negativa do mercado, com forte queda no valor das ações da empresa. O anúncio da demissão de Roberto Castelo Branco da presidência da petroleira ocorreu no dia 19, durante a realização da pesquisa.

—Esta é uma das possíveis hipóteses para que a rejeição ao governo seja mais alta entre os eleitores com maior remuneração do que entre os mais pobres. Para o segmento de menor renda, a troca pode não ter soado tão ruim, por conta do discurso de baratear o combustível —afirmou Márcia.

Entre os eleitores que declaram renda mensal superior a cinco salários mínimos, 47% disseram considerar o governo ruim ou péssimo, enquanto 24% consideram ótimo ou bom. Entre os mais pobres, com renda de até um salário mínimo, o nível de aprovação é semelhante (26%), mas o percentual dos que rejeitam o governo é bem menor: 38%.

 

ACENOS CONSERVADORES

Aparcela evangélica do eleitorado apresenta, na pesquisado IPE C, um desenho inverso em relação à avaliação geral do governo. Neste segmento, éo percentual de avaliações como ótimo ou bom que se aproxima da faixa de 40% dos entrevistados — e não a rejeição, como ocorre no recorte mais amplo da pesquisa. Entre os evangélicos ,27% consideram o governo ruim ou pés sim o. É a menor taxa de rejeição registrada em todo o levantamento.

Para a cientista política Luciana Veiga, a situação se explica pelo fato de Bolsonaro se manter “sem inconsistências” na defesa da chamada pauta de costumes a olongo do mandato—oque difere, segundo a especialista, do comportamento oscilante em outras bandeiras, como a agenda econômica liberal e apauta anticorrupção. Nos dois primeiros anos de governo, Bolsonaro procurou fazer acenos recorrentes a lideranças evangélicas que atuam em igrejas espalhadas pelo país, eque já o haviam apoiado durante as eleições de 2018. O presidente tem prometido que indicará um evangélico para a próxima vaga que se abrirá no Supremo Tribunal Federal( STF ), em julho, coma aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.

 

 

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Presidente é alvo de panelaços

 

> Várias cidades pelo Brasil registraram panelaços contra o presidente Jair Bolsonaro na noite de ontem. No pior momento da pandemia, as manifestações aconteceram no dia em que o país bateu mais um recorde de mortes por Covid-19: foram 1.840 óbitos contabilizados em 24 horas, segundo as secretarias estaduais de saúde. Um pronunciamento do presidente em cadeia nacional de televisão e rádio era esperado para o horário em que começaram os protestos, às 20h30m, mas o discurso foi cancelado.

> No Rio de Janeiro, vídeos postados em redes sociais registraram o momento em que o panelaço começou em bairros como Laranjeiras, Leblon, Copacabana, Botafogo e Humaitá, bairros da Zona Sul da cidade. Além das panelas, manifestantes também gritaram palavras de ordem contra Bolsonaro. Na capital paulista foram registrados panelaços em bairros como Higienópolis e Santa Cecília, na região central; Jardins, Paraíso e Moema, na Zona Sul; Barra Funda e Pinheiros, na Zona Oeste.

> Em alguns lugares, além de bater panelas, moradores também gritavam “Fora, Bolsonaro”. No decorrer do dia, grupos que fazem oposição ao presidente convocaram a população a participar do ato. Houve manifestações nas redes sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Frente Brasil Sem Medo, ligados à esquerda, e do Movimento Vem Pra Rua, mais identificado com a direita.

> A deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) compartilhou nas redes sociais um vídeo mostrando as manifestações em São Paulo e provocou o presidente: “Bolsonaro fugiu do pronunciamento, mas não pode fugir da indignação dos brasileiros”.

> Houve também atos em Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília. Na capital do país, o panelaço foi ouvido em áreas da Asa Sul e da Asa Norte, além de gritos como “Fora, Bolsonaro”, “Fora genocida” e “assassino”.

> Com o boletim divulgado às 20h de ontem, as 1.840 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas fizeram o país chegar ao total de 259.402 óbitos desde o começo da pandemia. A média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias chegou a 1.332. A variação foi de 29% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de alta nos óbitos pela doença.