Correio Braziliense, n.21116 , 18/03/2021. Mundo, p.12

 

Biden ataca Putin

18/03/2021

 

 

ESTADOS UNIDOS » Em entrevista, presidente democrata concorda que o líder russo "é um assassino" e adverte que ele "pagará as consequências" de seus atos. Declaração, um dia após relatório sobre inferência de Moscou nas eleições de 2020, abre crise entre os dois países

Nem completou dois meses à frente da Casa Branca, Joe Biden protagoniza a primeira crise diplomática com o Kremlin, num embate de grande potencial explosivo. Em entrevista à emissora de tevê ABC, o presidente dos Estados Unidos advertiu que Vladimir Putin "pagará as consequências" se ficar comprovado que Moscou tentou minar sua candidatura nas eleições do ano passado. Perguntado pelo jornalista sobre se achava que o presidente russo "é um assassino", o líder americano aquiesceu: "Sim, acho".

As declarações, um dia após a divulgação de relatório sobre uma ofensiva russa e iraniana na corrida presidencial de 2020, provocaram indignação imediata de Moscou, que chamou seu embaixador em Washington para consultas. O episódio, apontam analistas, marca um grande contraste com a firme recusa de seu predecessor, Donald Trump, de dizer algo negativo sobre Putin.

Segundo a chancelaria russa, Moscou deseja evitar a "degradação irreversível" das relações com os Estados Unidos. Mas convocou o embaixador Anatoli Antonov "para analisar o que é preciso fazer ou até aonde é preciso ir" a respeito da acusação de Biden.

"O novo governo americano está no poder há quase dois meses, o marco histórico dos 100 dias não está longe, é um bom pretexto para tentar avaliar o que convém à equipe Biden e o que não convém", assinalou, em nota, o ministério russo das Relações Exteriores. "Para nós, o essencial é determinar quais podem ser os meios de retificar as relações russo-americanas, que se encontram em uma fase difícil e que Washington levou para um beco sem saída nesses últimos anos", acrescentou.

Sem detalhes

Durante a entrevista à ABC, o chefe da Casa Branca se limitou a concordar com o entrevistador, sem dar detalhes sobre sua opinião. Não esclareceu, por exemplo, era uma referência ao envenenamento do opositor russo Alexei Navalny em agosto do ano passado, que, segundo os EUA, tem Moscou como responsável. O ativista foi preso ao retornar à Rússia, no mês passado, após passar cinco meses de convalescença na Alemanha. Washington exige que ele seja solto.

Biden relatou falado por telefone com Biden em janeiro, depois de tomar posse. "Tivemos uma longa conversa, eu e ele. Eu o conheço relativamente bem", contou Biden, que se reuniu com o russo quando era vice-presidente do ex-presidente americano Barack Obama (2009-2017). "Eu disse a ele: 'conheço você e você me conhece. Se ficar confirmado que isso aconteceu, prepare-se'", relatou o político americano.

O presidente americano não especificou se a advertência era relacionada à interferência da Rússia nas eleições americanas — em 2020 ou 2016 — ou a outros comportamentos questionados pelos Estados Unidos, como o caso Navalny. O Kremlin contestou as acusações de ingerência eleitoral. "(O relatório) É incorreto, completamente infundado e sem evidências", declarou o porta-voz Dmitry Peskov, para quem o documento é um "pretexto para colocar de volta na ordem do dia a questão das novas sanções" contra a Rússia.

Em Moscou, a primeira reação às declarações de Biden partiu do presidente da Câmara Baixa russa, Viatcheslav Volodin. Numa postagem em sua conta no aplicativo Telegram, o parlamentar classificou a declaração como um "ataque" à Rússia. "É a histeria decorrente da impotência. Putin é nosso presidente, e um ataque contra ele é um ataque contra o nosso país", escreveu o político.

Bastante influente, Volodin é bem próximo do presidente russo que foi número 2 na administração presidencial russa entre 2011 e 2016. "Biden insultou os cidadãos do nosso país com sua declaração", completou.

Sanções

Desde sua chegada à Casa Branca, em 20 de janeiro, Biden tem demonstrado grande firmeza em relação ao Kremlin. No início de março, Washington aplicou sanções a sete funcionários de alto escalão do governo russo, em resposta ao envenenamento de Navalny.

"Os Estados Unidos serão plenamente responsáveis por uma maior deterioração das relações russo-americanas, não deve haver nenhuma dúvida sobre isso", declarou, na época, o vice-chanceler russo, Serguéi Ryabkov, citado pela agência estatal de notícias RIA Novosti.

A Inteligência americana também investiga vários outros fatos que Washington suspeita abertamente de Moscou, incluindo um recente ataque cibernético gigante e o pagamento de recompensas a membros dos talibãs para matar soldados americanos no Afeganistão.

Na entrevista, porém, Biden reafirmou que deseja poder "trabalhar" com os russos "quando for do nosso interesse comum", como é o caso da prorrogação do acordo de desarmamento nuclear New Start decidido pouco depois de chegar ao poder.

Frases

"Eu disse a ele: 'conheço você e você me conhece. Se ficar confirmado que isso aconteceu, prepare-se'"
Joe Biden, presidente dos EUA

"Putin é nosso presidente, e um ataque contra ele é um ataque contra o nosso país. Biden insultou os cidadãos do nosso país com

sua declaração"
Viatcheslav Volodin Presidente da Câmara Baixa russa