O Globo, n.31994 , 12/03/2021. Economia, p.17

 

Pressão a mais para o BC

Carolina Nalin

12/03/2021

 

 

Inflação chega a 5,2% no acumulado em 12 meses e se aproxima do teto da meta

Uma alta de preços acima do previsto em fevereiro se converteu em fator de pressão amais para o Banco Central, que define na próxima semana a taxa básica de juros, atualmente em 2% ao ano, o menor patamar já registrado. Em fevereiro, a inflação medida pelo IPCA, índice oficial, avançou 0,86%, no maior resultado para o mês desde 2016, e superou a projeção de analistas, que esperavam alta de 0,72%, segundo a Reuters.

A taxa acumulada em 12 meses subiu para 5,2%, patamar que praticamente encosta no teto da meta deste ano, de 5,25%. Em fevereiro, a gasolina subiu 7,11% e representou o principal impacto na inflação.

Diante da escalada do petróleo no mercado internacional, a Petrobras aplicou reajustes ao produto na refinaria, e parte disso é repassado ao valor final cobrado do consumidor nos postos. O etanol também registrou alta de 8,06%.

A escalada do combustível teve impacto nos transportes, que subiram 2,28% no mês. O grupo educação avançou 2,48% no período, influenciado pelo aumento nas mensalidades dos cursos regulares. Juntos, educação e transportes foram responsáveis por 70% da inflação em fevereiro.

O avanço da taxa ocorre em um mom entono qual o consumidor já vinha como orçamento pressionado pela alta nos preços de alimentos. Apesar da desaceleração em fevereiro, quando o grupo alimentação e bebidas subiu 0,27%, em 12 meses, ele acumula alta de 15%, praticamente o triplo da inflação registrada no período. A este cenário se acrescentam pressões adicionais que aumentam a incerteza adiante: o dólar alto e o aumento de commodities industriais, como o aço. Isso tem impacto sobre bens duráveis (automóveis e eletrodomésticos).

Os sinais de pressões reforçaram a aposta de que o ciclo de juro a 2% ao ano chegará ao fim na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima semana. A questão agora é como o Banco Central vai agir em um cenário de atividade econômica fraca, afetada pelo descontrole na pandemia, que tornou o Brasil o epicentro da Covid-19 no mundo. Para espantar o risco adiante de uma estagflação —cenário econômico que conjuga crescimento baixo e inflação alta —, parte dos economistas já defende uma ação mais incisiva do Banco Central, mesmo diante do risco de uma Selic mais alta minar parcialmente o crescimento.

—A situação mudou muito desde o último Copom. Não dá para ter um aumento menor do que 0,5 ponto percentual, dada a distância que a política monetária está do que seria mais adequado para o momento. Estamos com um nível de estímulo extraordinário, nunca antes praticado coma Se lica 2%— afirmou Anna Reis, sócia e economista da Gap As set.

Para a economista, uma alta mais forte dos juros pelo Banco Central pode evitar que as expectativas dos agentes apontem para a deterioração da inflação.

— Tem uma volta cíclica da economia que deve acontecer, não vejo risco de estagflação neste ano. A vacinação e a liberação das restrições devem permitir uma volta cíclica, e a Selic ainda está baixa, então subi-la de 2% para 5% ao ano não teria impacto muito restritivo

para a atividade. Mas olhando para afrente, dependerá também de o governo sinalizar comprometimento com apauta de reformas.

Daniel Silva, economista da Novus Capital, espera alta de 0,75 ponto percentual da taxa básica de juros na próxima semana. A expectativa está ancorada na avaliação de que uma postura “mais dura” do Banco Central poderia representar um aceno positivo ao mercado, coma possibilidade de redução das taxas compraz os mais longos, e criar as condições para o crescimento da economia a partir do segundo semestre. Nos cálculos de Silva, a Selic encerraria 2021 a 6% ao ano:

—A economia vai sofrer, issoé inevitável, nos dois primeiros trimestres. M asno segundo semestre, o nosso cenárioé que a atividade econômica volteànorm alidade mediante amelhorado ritmo de imunização a partir dos próximos meses, com uma maior oferta de vacinas.

CHOQUE ADICIONAL DO DÓLAR

Mesmo diante da perspectiva de uma recuperação no segundo semestre, o cenário que os analistas delineiam inclui mais aumento da inflação até ametade do ano. Segundo Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, o IPCA deve ter um pico em junho:

— Não tem refresco. A defasagem da gasolina indica necessidade de alta, e a Petrobras tem reajustado os preços, então é esperada uma aceleração da inflação, com IPCA chegando a 0,94% em março e a um pico em junho, quando a taxa acumulada em 12 meses atingiria algo entre 7,5% e 8%, bem acima do teto da inflação para 2021.

Em 2021, ame taque deve ser perseguida pelo Banco Central para a inflação é de 3,75% ao ano, mas há uma margem de tolerância para cima ou para baixo de 1,5 ponto percentual. O último Boletim Focus mostra que a média do mercado espera que a inflação oficial encerre o ano acima do centro da meta, com taxa de 3,98%.

Mas há quem espere uma pressão maior dos preços. Relatório da XP divulgado na quarta-feira informa que a corretora aumentou sua previsão de 3,9% para 4,9%. “Anova trajetória do câmbio é um choque adicional para a inflação deste ano. Essa que já estava pressionada pela contínua alta de alguns alimentos e combustíveis e pelo desequilíbrio entre oferta e demanda doméstica no setor de bens duráveis, que não vem se ajustando no ritmo esperado”, diz o texto.

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Resultado é a pá de cal da temporada do juro baixo

Renato Andrade

12/03/2021

 

 

O avanço da inflação em fevereiro serviu como uma pá de cal para a (curta) temporada do juro baixo no Brasil.

Não é para menos. Em um único mês, os preços subiram 0,86%, considerando a cesta de produtos e serviços medidos pelo IPCA, o índice que o Banco Central usa como balizador para a meta de inflação no país.

O comportamento dos preços é feio sob qualquer ponto de vista. Nos últimos 12 meses, por exemplo, o avanço foi de 5,20%. Se achar melhor avaliar apenas o que aconteceu em 2021, ou seja, no primeiro bimestre, a subida é de 1,11%.

Para quem gosta de encontrar culpados, a gasolina é a grande vilã do mês do carnaval que não houve. Os reajustes no preço do combustível responderam por quase metade de toda a variação do IPCA em fevereiro.

Mas olhando no detalhe, o que se percebe é que há uma alta generalizada do custo de vida, o que os economistas chamam de índice de difusão. No caso do IPCA, está acima de 60%, ou seja, de cada dez produtos avaliados, seis sofreram algum tipo de aumento.

Como bem escreveu o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, em relatório para clientes ontem, os dados não levam ninguém a apertar o botão do pânico. Mas o mercado já entendeu que os números divulgados pelo IBGE sobre a inflação em fevereiro sacramentam a data do início do novo ciclo de aperto dos juros: 17 de março, a quartafeira da próxima semana, quando se encerra a reunião de dois dias do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.

A razão para isso é simples. Desde a última reunião do presidente do BC, Roberto Campos Neto, com seus colegas de diretoria, o cenário só se agravou: as expectativas de inflação pioraram, o real ficou mais fraco (e mais volátil) frente ao dólar e, mesmo com a torcida da turma das mesas de operação, as perspectivas fiscais do país vão na mesma toada. Apesar dos panos quentes colocados pela torcida, a PEC do auxílio emergencial está longe de se transformar num exemplo de preocupação do Legislativo e do Palácio do Planalto com a saúde das contas públicas.

Conservador por natureza, o BC vai começar a apertar o cinto agora, para fugir do botão do pânico mais à frente.