O Globo, n.31994 , 12/03/2021. País, p.6

 

Nas redes, contra-ataque e hesitação bolsonarista

Filipe Vidon

Guilherme Caetano

12/03/2021

 

 

Para rebater Lula, Carlos Bolsonaro incentiva distribuição de video do ano passado no qual petista afirma que “ainda bem' que Covid apareceu para reforçar papel do Estado; guinada do presidente sobre vacinação não teve adesão da militância

O discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com foco na crítica à condução da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro fez a militância bolsonarista nas redes se organizar para rebater o adversário. Uma das investidas partiu do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) que enviou, para uma lista de transmissão do aplicativo de mensagens Telegram, uma vídeo no qual o petista afirma que “ainda bem” que o coronavírus apareceu para mostrar a importância do Estado na solução de crises.

A intenção é desconstruir a imagem de Lula como um defensor da vacinação em contraposição a Bolsonaro. O petista se desculpou pela frase após a divulgação do vídeo, em maio do ano passado.

A declaração foi dada por Lula à revista Carta Capital. No trecho de 34 segundos compartilhado pelo filho do presidente, o petista disse:

—Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos enxerguem, que os cegos comecem a enxergar, que apenas o Estado é capaz de dar solução a certas crises.

Logo abaixo do vídeo, Carlos escreveu: “Imagina se Bolsonaro falasse isso.”

—Eu, na verdade, se tivesse falando “infelizmente”, em vez de “ainda bem”... Tentei usar uma palavra para explicar, que no menosprezado SUS, é no auge da crise que a gente começa a descobrir a importância da instituição. Utilizei uma frase totalmente infeliz que não cabia —disse Lula, na época.

A ofensiva capitaneada por Carlos acontece um dia após seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) recomendar a seus seguidores a publicação de uma foto de Bolsonaro com a frase “nossa arma é a vacina”. Empresas de monitoramento de redes sociais consultadas pelo GLOBO notaram baixa adesão na internet à guinada de discurso da família do presidente em relação à vacina contra Covid-19.

O presidente e seus filhos fizeram 21 publicações nas redes sociais sobre imunizantes desde anteontem, quando Lula fez um discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo em que tentou pontuar suas diferenças com Bolsonaro por meio da defesa da vacinação em massa. Segundo André Eler, diretor adjunto da agência de monitoramento Bites, que fez o levantamento, houve pouca adesão de outros bolsonaristas ao discurso.

Do total de publicações produzidas nas 3,5 mil contas no Twitter alinhadas ao bolsonarismo que são monitoradas pela Bites, cerca de 4,1% citavam vacinas. De acordo com Eler, o dado mostra que, ao contrário de outras situações, como a defesa do armamento, a militância teve dificuldade para seguir o posicionamento a favor da vacinação:

—O próprio bolsonarismo ainda não entendeu muito bem essa inflexão. Ainda tem muita gente preferindo atacar os governadores e questionando as medidas de distanciamento.

MUDANÇA DE TOM

Para analistas ouvidos pelo GLOBO, a defesa da vacina não emplacou na militância porque é muito diferente do tom adotado até agora por Bolsonaro. O presidente já se referiu à CoronaVac como “vacina chinesa do Doria”, ironizou possíveis efeitos colaterais do imunizante da Pfizer e não correu para comprar doses. Outro de seus filhos, o deputado

Eduardo Bolsonaro (PSLSP) criticou, anteontem, em um vídeo publicado na internet, o uso de máscaras

—“Ah a máscara, está sem máscara, está com máscara”. Enfia no rabo gente. A gente está lá trabalhando, ralando —disse o deputado.

Pesquisador da Universidade da Virgínia, David Nemer, que monitora 183 grupos bolsonaristas no WhatsApp , diz que o tema da vacina começou a aparecer nas comunidades que acompanha. As mensagens, segundo ele, tratam mais de uma defesa dos esforços do governo federal em garantir a imunização do que a defesa do antígeno em si.

—O discurso agora é que Bolsonaro está fazendo de tudo para trazer a vacina, uma tentativa de tirar a culpa do presidente. Não existe autocrítica —afirma.

A ofensiva bolsonarista contra Lula não parte apenas dos filhos do presidente. Ontem de manhã, o pastor Silas Malafaia utilizou as redes sociais para publicar um vídeo de resposta ao que considerou “acusações levianas” que o petista teria feito às igrejas. Na postagem, Malafaia afirma que Lula acusou a comunidade evangélica de provocar um aumento no número de mortes por Covid-19.

Durante seu discurso de anteontem, Lula falou que pastores não deveriam fazer aglomerações em lugares fechados durante a pandemia e criticou líderes religiosos que prometem remédios milagrosos para curar a Covid-19. Segundo o pastor, assim como outros estabelecimentos, as igrejas também respeitam as normas sanitárias e as leis.

—Se algum pastor usando de charlatanismo está oferecendo feijão para curar Covid, tem o código penal. Isso não representa nem 1% da igreja evangélica. Agora, esse camarada que se diz defensor dos trabalhadores não abriu a boca para dar uma palavra aos milhões de brasileiros que usam transporte coletivo —afirmou. Para analistas, adesão repentina de Bolsonaro à vacinação confundiu seguidores.