O Globo, n.31993 , 11/03/2021. Mundo, p.20

 

Brasil vai contra proposta indiana para vacinas

Vivian Oswald*

Eliane Oliveira

11/03/2021

 

 

Em nova rodada do debate na OMC sobre suspensão de patentes durante pandemia, delegação brasileira se alinha a países desenvolvidos; iniciativa tem apoio de 100 nações e visa aumentar produção de imunizantes genéricos

O Brasil mais uma vez se manifestou abertamente contra a suspensão dos dispositivos de propriedade intelectual sobre patentes de medicamentos, vacinas e outros produtos ligados ao combate ao novo coronavírus em uma reunião na Organização Mundial do Comércio (OMC) ontem, em Genebra. A proposta apresentada por Índia e África do Sulem outu brotem por objetivo conseguira suspensão de patentes de modo a permitira produção de itens“genéricos” que ajudem sobretudo as nações em desenvolvimento a conter o avanço da pandemia.

O representante do Brasil, ques e mantém contra a iniciativa desde o início, tomou apalavra e se posicionou explicitamente contra a proposta, o que não fazia desde outubro. Na última reunião formal sobre o tema, em janeiro, a delegação do país se manteve em silêncio, segundo diplomatas presentes, em função da iminência de uma cor doque pretendia fechar coma Índia para o envio de dois milhões de vacinas para a campanha nacional de imunização.

Aposição brasileira chama a atenção de observadores que acompanham o assunto em Genebra. Mais uma vez, o país foi a única nação em desenvolvimento a rejeitara proposta, acompanhando os países desenvolvidos. Uma especialista indiana lembrou que “Índia, Brasil e África do Sul sempre coordenaram uma posição sólida, sobretudo para questões de saúde pública”.

A reunião terminou em impasse, após três horas de discussão. Ficou definido que as delegações voltarão a discutir o assunto em encontros bilaterais informais antes da próxima negociação no Conselho Trips — responsável pelo monitoramento da implementação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio — marcada para os dias 8 e 9 de junho.

A Índia argumentou que o mundo não está produzindo vacinas o suficiente para acabarcoma pandemia, apesar de várias terem sido aprovadas. E lamentou que, embora tenha o apoio de 100 países, a proposta de suspensão das patentes continue sofrendo oposição dos “mesmos que amealharam mais vacinas do que precisam”. Qualquer decisão na OMC precisa do consenso dos 164 países-membros.

O argumento brasileiro é que o acordo Trips já prevê a possibilidade do chamado “licenciamento compulsório ”— equivalente às us pensão de patentes, masque deve ser feito por cada país individualmente — de remédios em emergência sanitárias. No governo Jair Bolsonaro, o Brasil tem se posicionado ao lado dos países desenvolvidos em debates internacionais ligados ao comércio, incluindo abrindo mão do tratamento especial concedido a países em desenvolvimento na OMC.

PELA ‘TERCEIRA VIA’

Segundo um integrante do governo brasileiro, a proposta apresentada por Índia e África do Sul é demasiadamente ampla, por envolver, além de vacinas, máscaras, luvas e respiradores. Além disso, para o governo, não há “um caso concreto que justifique amoratória” das patentes.

De acordo com fontes do Itamaraty envolvidas nas negociações, o Brasil irá“apoiar uma terceira via”, como propõe a nova diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, querendo romper o impasse. Uma das opções seriam acordos entre laboratórios e países com capacidade de produção de vacinas, sem precisar mudar as regras do Trips. Na reunião, foi mencionada ainda a disposição de alguns países de negociar o papel da propriedade intelectual no contexto de futuras pandemias.

O entendimento brasileiro é que, hoje, a escassez de vacinas e equipamentos se deve, principalmente, à falta de capacidade produtiva e à insuficiência logística, e não à proteção conferida pelas patentes.

Diante do impasse, a diretora-geral da OMC agora está mais preocupada em instar governos e empresas a produzirem mais vacinas e mais depressa, sobretudo nos países em desenvolvimento. Okonjo-Iweala quer a cooperação entre fabricantes e organismos como Aliança Gavi, iniciativa de distribuição internacional de vacinas que a nigeriana presidiu antes de ser indicada para o cargo atual. A avaliação é de que, recém-empossada, ela quer evitar grandes polêmicas.

Apesar do impasse, os 164 países-membros concordaram em continuara discutir como a OMC, e outras partes interessadas podem contribuir para garantir o acesso rápido às vacinas e a outros produtos médicos relacionados à Covid-19.