O Globo, n.31993 , 11/03/2021. País, p.6

 

STF busca consenso após decisões conflitantes

Carolina Brígido

11/03/2021

 

 

Anulação das condenações de Lula e voto de Gilmar por suspeição de Moro são inconciliáveis sobre uso de provas contra petista. Ministros debatem qual julgamento deve ocorrer antes: o da Segunda Turma ou a análise pelo plenário do ato de Fachin

Diante de posições conflitantes nos processos que tratam das anulações de condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) discutem agora estratégias para superar o impasse. Ao decidir que as ações contra o petista deveriam ter transcorrido em Brasília, o ministro Edson Fachin permitiu ao juiz que vier a assumir os casos aproveitar as provas das investigações de Curitiba, se assim desejar. Por outro lado, o voto dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro, se for o vencedor no julgamento na Segunda Turma, obrigará que os processos recomecem da estaca zero.

A discussão entre os ministros é sobre qual decisão deve ocorrer primeiro, se a conclusão do debate sobre a suspeição — paralisado por um pedido de vista do ministro Nunes Marques —, ou se a avaliação em plenário da decisão de Fachin, que será possível após a Procuradoria-Geral da República formalizar um recurso.

Nunes Marques não informou ainda aos colegas quando devolverá ao caso à Segunda Turma. Desde o pedido de vista, os telefones dos ministros não pararam. Em conversas individuais, sem que houvesse uma reunião com todos os presentes, eles falaram sobre a importância de elaborar agora uma estratégia para sair da crise.

As conversas não são apenas entre os cinco integrantes da Segunda Turma, responsável pelos processos da Lava-Jato. Outros ministros também estão interessados em participar da elaboração da estratégia. O presidente da Corte, Luiz Fux, tenta orquestrar o movimento.

O quadro ainda é nebuloso e uma solução está longe de ser construída. Ministros já agendaram para hoje novas conversas com a participação de Nunes Marques — afinal, para se chegar à uma solução, é preciso saber quando ele devolverá o pedido de vista à turma. Apesar de ter causado surpresa, a decisão de postergar o debate acabou sendo vista pelos colegas como uma oportunidade para que os ministros tivessem tempo para respirar e pensar em uma solução que proteja a imagem do tribunal.

Os dois cenários em mesa são díspares: em uma votação no plenário, com os 11 ministros, o mais provável é que a decisão de Fachin de anular processos contra Lula seja confirmada. A justificativa do ministro foi a de que a 13ª Vara Federal de Curitiba, antes comandada por Moro, não era o foro adequado para julgar as causas contra o expresidente. Sobre este ponto, a maioria do Supremo estaria de acordo.

Mas a decisão de Fachin também diz que o processo de suspeição contra Moro estaria superado — ou seja, não precisa mais ser julgado. A Segunda Turma, porém, não seguiu esse trecho da decisão de Fachin e resolveu retomar o julgamento. Se os ministros decidirem levar logo a decisão de Fachin para o plenário, os 11 magistrados teriam que analisar a questão novamente e decidir se é o caso de julgar os processos contra Moro ou não.

Nesse aspecto, seria menos conflituoso para o Supremo retomar primeiro o julgamento da Segunda Turma. Com essa votação concluída, ficaria já decidido que a suspeição do Moro deve sim ser julgada, livrando o plenário de adentrar a questão, que poderia explicitar uma divisão entre os magistrados.

No entanto, há impasses para que os dois cenários sejam concretizados. A condição para retomar a votação na turma é que Nunes Marques devolva logo o pedido de vista. Para a decisão de Fachin ir a plenário, primeiro a ProcuradoriaGeral da República (PGR) precisa apresentar um recurso. O órgão já disse que fará isso, mas não há também data definida.

Enquanto o cenário está indefinido, ministros prosseguem com as conversas entre si. A expectativa é de que soluções concretas só apareçam a partir da próxima semana.

Até porque hoje o STF tem outro tema polêmico para decidir, mas sobre o qual há mais unidade. Está na pauta do plenário a denúncia apresentada pela PGR contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso depois de ter atacado ministros do tribunal. O julgamento só ocorrerá se a defesa do parlamentar se manifestar.

No mês passado, os ministros referendaram de forma unânime a decisão de Alexandre de Moraes pela prisão depois de Silveira ter postado na internet um vídeo com ataques a ministros do STF e defesa de medidas antidemocráticas, como a instituição do AI-5, a norma que endureceu a ditadura militar. Apesar de resistência inicial, a Câmara acabou por referendar a prisão.

Data em que Nunes Marques entregará seu voto sobre Moro é crucial para solução

Avaliação de ministros é que plenário dará maioria para manter decisão de Fachin

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Evidências contra Lula podem ser anuladas ou reaprovietadas

Cleide Carvalho

11/03/2021

 

 

Entenda principais fatos que basearam condenações e inquéritos contra petista 

A depender do que decidir o Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz que assumir os processos do ex-presidente Lula na Justiça Federal do Distrito Federal poderá reavaliar as provas usadas pelo ex-juiz Sergio Moro nas condenações do ex-presidente em Curitiba, ou será obrigado a recomeçar as ações desde a fase de instrução, retomando depoimentos de testemunhas e outros acusados envolvidos, além de outras ações de produção de provas.

Nos casos do tríplex do Guarujá e do sitio de Atibaia, a base da acusação é que o dinheiro usado nas reformas dos dois imóveis saiu de um caixa da OAS destinado a abastecer o PT com propinas em troca de contratos com a Petrobras. As condenações sofridas por Lula basearam-se em depoimentos de executivos da

OAS, trocas de mensagens de celular e e-mails.

A existência da conta de propinas foi confirmada pelo ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, que, no decorrer do processo, negociava delação premiada com a LavaJato. O empresário disse à Justiça que o tríplex sempre pertenceu à família de Lula, embora tenha permanecido em nome da OAS, e que as reformas foram feitas a pedido de Lula e de sua mulher, Marisa Letícia, já falecida.

Na sentença da primeira instância do caso do tríplex, Moro também cita como provas para condenar Lula mensagens e depoimento do ex-funcionário da OAS Paulo Gordilho, que se refere ao projeto como sendo doo “chefe” e da “madame”. Outros diretores da OAS confirmaram ao juiz que a empreiteira pagava propina ao PT e que a reforma no imóvel seria uma forma de “debitar” os créditos devidos ao partido.

No caso do tríplex, há novos elementos surgidos em mensagens trocadas pelos procuradores da força-tarefa, hackeadas e apreendidas na Operação Spoofing. Os procuradores comentam a não inclusão no processo de um diálogo grampeado em 17 de novembro de 2015, no qual Mariuza Marques, funcionária da OAS, e uma interlocutora identificada como Samara afirmam que Marisa Letícia teria devolvido a cobertura e não quis pegar a cota dela.

Originalmente, dona Marisa havia adquirido a cota de um apartamento no Edifício Solaris, no Guarujá, de uma cooperativa do sindicato dos bancários, que não conseguiu erguer o prédio e repassou para a OAS. Foram apreendidos documentos referentes ao apartamento, mas a Lava-Jato não achou o compromisso de compra do apartamento assinado por Lula ou sua mulher.

Moro citou também, entre as provas, uma reportagem publicada pelo GLOBO em 2010, que falava sobre a paralisação das obras do prédio e informava que a cobertura pertencia ao presidente Lula e sua mulher. A reportagem cita que a Presidência foi procurada e confirmou que Lula continuava proprietário do imóvel.

Em relação ao sítio de Atibaia, a sentença da juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na 13ª Vara, cita um depoimento em que Léo Pinheiro diz que a reforma foi feita “a pedido direto” de Lula. Ela também afirma que o empresário Fernando Bittar, amigo de Lula e em nome de quem está registrada a propriedade, afirmou que assinou os projetos para a cozinha e que a obra foi visitada por Pinheiro e outro diretor da OAS.

As notas da Kitchens, empresa que elaborou o projeto da cozinha, e o depoimento de funcionários da empresa também foram citados como provas na sentença que condenou Lula.

Juristas acreditam, no entanto, que a Justiça Federal do Distrito Federal só deverá se debruçar sobre os processos de Lula depois que a parcialidade de Moro for julgada pela Segunda Turma do STF.

—Se Moro for julgado parcial, como tudo indica, toda a investigação tem de ser refeita. O novo juiz terá de reavaliar as decisões à luz da nova Lei de Abuso de Autoridade. Terá, por exemplo, de refazer todos os depoimentos de testemunha. Moro fazia perguntas, conduzia o interrogatório na audiência — diz o professor de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da USP Maurício Dieter.