O Globo, n.31993 , 11/03/2021. País, p.5

 

Em longo discurso, ataques à Lava-Jato e acenos ao centro

Sergio Roxo

Dimitrius Dantas

11/03/2021

 

 

Ex-presidente afirma que foi vítima da 'maior mentira jurídica' da História e diz que debate eleitoral deve ser feito “para frente'

Num discurso que durou pouco mais de 2h40, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que foi vítima da “maior mentira jurídica” da História, mas que não guardava mágoa por ter passado 580 dias preso devido a condenações na Lava-Jato. Na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, seu berço político, o petista afirmou que não discutiria candidatura à Presidência em 2022, mas em vários momentos adotou tom eleitoral, pontuando suas diferenças com o presidente Jair Bolsonaro, comentando possível aliança com partidos de esquerda e fazendo acenos ao centro e ao empresariado.

Ao discorrer sobre a LavaJato, o petista chegou a chamar a força-tarefa de Curitiba de “quadrilha” e disse estar “muito tranquilo” em relação aos processos que devem passar a tramitar na justiça do Distrito Federal, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Sem rebater no mérito as acusações, ele reafirmou várias vezes ser inocente.

—Nunca teve envolvimento meu com a Petrobras, e todo o sofrimento que eu passei acabou. Estou muito tranquilo. O processo vai continuar. Mas nós vamos continuar brigando para o Moro ser considerado suspeito —afirmou Lula. —Não estou (magoado). Eu sei que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos.

Na parte política do discurso, o ex-presidente evitou assumir a candidatura para 2022, mas deixou claro que pretende participar do processo eleitoral. Em seu entorno, não há dúvida de que Lula vai concorrer. Até a roupa usada ontem era mais adequada a um político que pretende voltar ao Planalto e não permanecer aposentado —um paletó em vez das guayaberas (camisas informais comuns na América Central e que costuma usar nos eventos do PT).

Lula disse que pretende “percorrer o Brasil” para testemunhar os problemas do país e incentivou seus aliados a fazer o mesmo. Ao criticar o atual governo, exaltou passagens de sua gestão, e não fez referências ao governo de sua sucessora, Dilma Rousseff. Segundo Lula, uma aliança com os partidos de esquerda “é possível”, mas uma “frente ampla”, que envolva políticos fora desse espectro, ainda não está colocada.

—Para discutir candidatura, acho que vai ser bem para frente —afirmou. —Eu estou convencido de que a aliança será possível, por isso, temos que ter paciência.

ELOGIO DE MAIA

Em meio a acenos ao centro, lembrou da aliança que o levou à Presidência em 2002, quando o PT formou a chapa com o Partido Liberal, do empresário José Alencar. Enquanto Lula ainda falava, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), opositor dos governos petistas, escreveu que Lula tem “visão de país” e que “não é preciso gostar dele” para entender suas diferenças em relação a Bolsonaro.

—Se o Rodrigo Maia (...) quiser conversar, não tenha dúvida, estou aberto a conversar com qualquer pessoa sobre democracia, sobre “vacina já”, auxílio emergencial e emprego neste país. E se quiser dar um passo a mais e conversar sobre tirar o Bolsonaro, eu estou mais feliz ainda.

Entre aqueles com quem também está disposto a conversar, Lula citou empresários e o setor produtivo.

—Não tenham medo de mim —chegou a dizer.

Na área econômica, o ex-presidente disse que é preciso combater o desemprego e conceder um auxílio emergencial com valor mais alto. Criticou a privatização da BR Distribuidora e a autonomia do Banco Central. Os feitos dos seus mandatos foram lembrados, mas problemas econômicos do governo Dilma foram deixados de lado. A ex-presidente, inclusive, deixou de ser citada na série de agradecimentos a líderes políticos nacionais e estrangeiros que manifestaram solidariedade durante sua prisão, esquecimento que ele corrigiu no fim.

Lula voltou a fazer ataques à imprensa ontem. Disse que a Lava-Jato fez um “pacto” com a mídia. Embora tenha ressaltado a importância da liberdade de imprensa, criticou o espaço dado pelos jornais ao que classificou como denúncias “sem nenhuma prova”.

Em nota, a TV Globo destacou que seu jornalismo “se dedica a relatar os fatos”: “O ex-presidente Lula fez críticas aos órgãos de imprensa e à Globo em especial. Elogiou a cobertura do Jornal Nacional de ontem (anteontem), que classificou de épica. Deu a entender que ontem a Globo relatou a verdade, o que antes não fazia. E desejou que este passe a ser o padrão do jornalismo da emissora. O ex-presidente está errado. O jornalismo da Globo se dedica a relatar os fatos e buscar a verdade, e vai continuar a fazê-lo. Mas não somente os fatos e as verdades que lhe sejam favoráveis”.