O Globo, n.31992 , 10/03/2021. Economia, p.18

 

Guedes defende manter recursos da Receita Federal

Fernanda Trisotto

10/03/2021

 

 

Ministro é favorável a mudar PEC que recria auxilio emergencial afim de não mexer no Fundat, que garante verba para o Fisco. Medida incluida na proposta é criticada por servidores e ex-secretários

O ministro da Economia, Paulo Guedes, articula para retirar da proposta de emenda à Constituição (PEC) que recria o auxílio emergencial um trecho que coloca em risco a manutenção do fundo que custeia as atividades da Receita Federal. A previsão incluída no texto gerou protestos de servidores do Fisco.

Em reunião interna solicitada pelo secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto, Guedes afirmou não concordar com a mudança na regra e informou ter entrado em contato com a Secretaria de Governo para que a pasta peça à Presidência da Câmara a manutenção da redação que, na prática, permite que receitas sejam carimbadas para sustentar o órgão.

A informação consta de um comunicado interno de Tostes a auditores fiscais, ao qual O GLOBO teve acesso, e foi confirmada por fonte próxima a Guedes. Procurados, o Ministério da Economia e a Receita Federal não quiseram comentar o caso.

O texto aprovado no Senado acabou com a ressalva que protegia o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf ), mas privilegiou outros fundos federais.

CRUCIAL PARA ATIVIDADES

Os auditores fiscais começaram ontem uma mobilização nacional. Segundo o sindicato, houve adesão de cerca de 90% dos oito mil profissionais da Receita. Eles asseguram que não há prejuízo para cargas perecíveis, animais e itens para combate à Covid-19.

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, argumenta que, ainda que a Receita não tenha autonomia para gastar os recursos do Fundaf, essa fonte de custeio é crucial para a manutenção das atividades.

‘DEVE ESTAR INCOMODANDO’

Para dois ex-secretários da Receita Federal ouvidos pelo GLOBO, o fim da proteção ao Fundaf revela desapreço pelo Fisco.

—Se a Receita não funcionar, não vai ter dinheiro. É uma decisão lamentável e até parece que tem outros propósitos: justamente acabar com a administração tributária, que deve estar incomodando. E ela incomoda quem sonega —afirma o exchefe do Fisco Jorge Rachid.

Já Everardo Maciel, também ex-secretário da Receita, considera que tirar a proteção constitucional do Fundaf, enquanto outros fundos permanecerão livres, é uma questão simbólica e relevante.

Ele lembra que o texto original da Constituição trazia cinco exceções para as vinculações. A única retirada foi a da Receita. Em contrapartida, foram adicionadas mais ressalvas, que agora somam 26.

—É desnecessário, gratuito portanto, é desapreço ao Fisco e não faz o menor sentido. Se pouparam até o fundo do café —diz Everardo.

Os recursos do Fundaf, criado em 1975, são usados na manutenção de equipamentos, sistemas informatizados, portais (como o do comércio exterior), programa do Imposto de Renda e outros. Também são fonte para atividades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Ele é composto por multas e juros de quem não faz os pagamentos ao Fisco em dia.