O Globo, n.31992 , 10/03/2021. País, p.7

 

Caminho para 2022 fica mais estreito fora da polarização

Guilherme Caetano

10/03/2021

 

 

Potenciais presidenciáveis para enfrentar Bolsonaro e Lula esbarram na falta de intenção de voto ou de aliança partidária

A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, anteontem, impõe desafios para uma eventual candidatura de nomes que se colocam entre a centro-esquerda e a centro-direita nas eleições de 2022, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO. Para cientistas políticos e dirigentes partidários, o campo precisa se reunir em torno de um único concorrente para ter mais chances num cenário em que o petista polarizaria com o atual presidente Jair Bolsonaro.

Um dificultador, de acordo com especialistas, é que, entre os candidatos que pretendem correr por essa faixa, os que têm melhor posição nas pesquisas são os que têm menos condições de reunir aliados. Pesquisa Ipec divulgada no domingo mostra que 50% dos eleitores dizem que votariam com certeza ou poderiam votar em Lula em 2022. Outros 38% responderam o mesmo sobre Bolsonaro. Por outro lado, os dois têm alta taxa de rejeição: 44% dos entrevistados não escolheriam o petista e 56% disseram que não votariam no presidente.

Dos três outros possíveis candidatos com mais potencial de voto, de acordo com o Ipec, dois — Sergio Moro e Luciano Huck — ainda não declararam oficialmente interesse em concorrer nem se filiaram a partidos. O terceiro, Ciro Gomes (PDT), pode ter dificuldade em buscar siglas mais à direita, como DEM ou PSD, um movimento que exigiria “muita cautela”, segundo Andrei Roman, diretor do Atlas Intelligence.

Nas pesquisas que seu instituto tem feito, apenas Moro

e Ciro aparecem com mais de 10% das intenções de voto — o candidato do PDT só alcança dois dígitos em cenários em que Lula não figura como candidato.

— Para emplacar o centro no segundo turno você precisa de duas coisas: uma redução muito rápida da fragmentação do campo e alguém que consiga agregar um apoio muito mais espontâneo do que temos agora —disse Roman.

Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo concorda que os partidos de centro precisam se dedicar a ter “o menor número de candidatos possível”. Só em seu partido, os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, já demonstraram interesse de concorrer à Presidência.

— O ideal é que tenhamos um candidato só. É pouco factível e talvez seja sonhar demais, mas precisamos reduzir a pulverização no centro. Mais de duas candidaturas praticamente inviabiliza a participação do centro no segundo turno —disse ele.

A análise de Araújo é semelhante à leitura feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista à revista “Época”, na semana passada, FH disse que seria importante uma composição entre Doria, Leite e Huck. Também defensor da candidatura única, o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança Política (CLP), considera que, desses três Doria, teria mais dificuldade para compor:

— O Doria tem dificuldade em articular esse acordo com o centro, porque ele fez uma carreira muito individual para chegar ao governo de São Paulo. Foi praticamente um voo solo. Os nomes mais fortes são Huck, Moro e Eduardo Leite — avalia D’Ávila.

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, um dos políticos que trabalham para viabilizar Huck como candidato da legenda, afirma que seus planos não mudam tanto com a entrada de Lula no jogo de 2022:

— O centro já estava se articulando, admitindo ter que disputar com um candidato de Lula. Mas essa decisão do Fachin cria mais a necessidade da unidade.

Para Renato Dorgan, especialista em pesquisas qualitativas e marketing político do Instituto Travessia, o centro precisará emplacar uma candidatura cujo discurso “não signifique nem a continuação do presente nem a volta do passado”. Segundo ele, a candidatura de Lula deve esvaziar o eleitorado de Huck, que também brigaria pelo voto das classes mais baixas.

SEGUNDO TURNO

A pesquisadora Lara Mesquita, do Centro Estudos de Política e Economia do Setor Público da FGV, acredita que, caso o centro consiga ter uma candidatura única, pode levar vantagem caso chegue ao segundo turno.

— Se houver segundo turno entre Bolsonaro e a esquerda, não está claro que o centro vai ficar com a esquerda. Mas, para alguns eleitores de esquerda que torcem por uma frente ampla, a única chance será apoiar o candidato de centro, caso seja ele quem vá para o segundo turno.

Presidente do PSDB, Bruno Araújo defende ‘o menor número de candidatos possível’