O Globo, n.31992 , 10/03/2021. País, p.4

 

Decisão sobre Moro é suspensa

André de Souza

Carolina Brígido

10/03/2021

 

 

Gilmar e Lewandowski votam contra ex-juiz da Lava—Jato, e Nunes Marques interrompe julgamento

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que vai analisar o pedido de suspeição feito pela defesa do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro, mesmo após a decisão do ministro Edson Fachin que anulou todas as condenações do petista. O julgamento foi retomado com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votando a favor da defesa, mas interrompido porque o ministro Nunes Marques pediu vista.

Para formar maioria contra Moro é preciso mais um voto. O pedido de suspeição chegou ao STF em novembro de 2018 e começou a ser julgado um mês depois. Na época, o relator, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia votaram contra a defesa, mas um pedido de vista de Gilmar Mendes interrompeu a análise do caso. Ontem, Gilmar devolveu o processo para julgamento. Na sessão, Cármen Lúcia deu alguns sinais de que pode mudar de voto.

Ao anular as condenações de Lula, Fachin determinou que outros recursos da defesa do ex-presidente não precisariam mais ser julgados, caso do pedido de suspeição. Com isso, o ministro tentou preservar a Lava-Jato: anulava a parte relativa a Lula, mas punha um fim a outras ações que poderiam questionar a validades dos atos de Moro. Ontem, ele tentou impedir o julgamento da suspeição, mas, por quatro votos a um, foi derrotado.

No julgamento, Gilmar e Lewandowski avaliaram que Moro tomou decisões que configuraram abuso, como a interceptação telefônica de um escritório de advocacia. Seus votos valem apenas para o processo do tríplex do Guarujá (SP), embora a defesa de Lula tenha citado em seu pedido outros processos, como o do sítio de Atibaia (SP) e da sede do Instituto Lula em São Paulo. Eles também votaram para determinar que Moro pague as custas processuais dessa ação penal, mas ainda não há definição do valor.

— A absoluta contaminação da sentença proferida pelo magistrado resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão de acusação. Em fevereiro de 2016, quando o reclamante (Lula) ainda estava sendo investigado em inquérito policial, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao Procurador da República Deltan Dallagnol se já havia, da parte do Ministério Público, uma denúncia sólida o suficiente. O procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado —disse Gilmar.

Lewandowski foi na mesma linha:

— Restou escancarada uma devida confusão entre as atribuições de julgar e acusar por parte do então magistrado Sergio Moro. E o pior, confusão esta motivada por razões mais do que espúrias. Sim, porque todos os desdobramentos processuais levam ao inexorável desenlace no sentido de que o ex-juiz extrapolou a não mais poder os limites da função jurisdicional da qual estava investido ao assumir o papel de verdadeiro coordenador dos órgãos de investigação e acusação, em paralelo à função de julgador. Ficou patenteado o abuso de poder.

Gilmar lembrou que não entrou no STF por indicação do PT —ele foi nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) — e chegou a ser apontado como opositor do partido. O ministro destacou que na democracia há adversários, e não inimigos. Para Gilmar, Moro tinha um “verdadeiro projeto de poder” que passaria pela deslegitimação do PT e afastamento de Lula do jogo eleitoral, o que foi possível em razão da Lei da Ficha Limpa. O ministro citou ainda a nomeação de Moro como ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro:

— Qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito da disputa eleitoral?

Para ele, houve falha dos órgãos de controle do Judiciário. Gilmar defendeu mudanças na estrutura da Justiça Federal, com a implantação do juiz de garantias — regra aprovada pelo Congresso e cuja implementação está suspensa por decisão do presidente do STF, Luiz Fux —, que dividiria as atribuições concentradas atualmente em apenas um magistrado.

MENSAGENS EXPOSTAS

Gilmar mencionou em seu voto trechos de mensagens apreendidas no âmbito da Operação Spoofing, que em julho de 2019 prendeu hackers suspeitos de invadir celulares de integrantes da Lava-Jato. Para os advogados do ex-presidente, as mensagens, que revelam uma atuação coordenada entre Moro e procuradores, mostram que houve parcialidade. Moro não confirma a autenticidade dos diálogos, mas também não nega.. Em razão da possibilidade de tais provas serem consideradas inválidas pela forma como foram obtidas, Gilmar disse que seria possível concluir pela parcialidade de Moro se atendo apenas a outros fatos.

— O exame pericial dos meios eletrônicos, à falta de quaisquer indícios de que tenham sido manipulados, confere plena credibilidade à existência das conversas para combinar estratégias processuais que acabaram por resultar na condenação do paciente [Lula] — disse Lewandowski, que é relator do processo em que Lula pediu acesso às mensagens.

Cármen Lúcia, que em 2018 votou a favor de Moro, deu indícios de que pode mudar de opinião. A ministra disse que tinha um voto escrito pronto. Ela pode apenas repetir o que já disse em 2018, mas também tem o direito de mudar o voto enquanto o julgamento está em curso. Integrantes da turma apostam na segunda alternativa. Em outro momento, Gilmar afirmou que a interceptação telefônica de escritório de advocacia era típica de regime autoritário. Ao fundo, ouviu-se Cármen concordando:

—Gravíssimo.

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Bretas rebate crítica de Gilmar

10/03/2021

 

 

> O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal no Rio de Janeiro, rebateu ontem no Twitter uma crítica do ministro Gilmar Mendes, do STF, feita durante seu voto no julgamento do pedido de suspeição de Sergio Moro. Ao citar a atuação da Lava-Jato do Rio, onde Bretas conduz os processos, o magistrado disse que o que se fala da 7ª Vara Federal é de “corar frade de pedra” e que não sabe como o escândalo judicial, para ele “o maior da história brasileira”, ainda não veio à tona.

> Bretas nega qualquer irregularidade: “Como Juiz Federal há mais de 23 anos, 6 dos quais como titular da 7ª Vara Federal no Rio de Janeiro, e com a consciência tranquila da lisura do trabalho ali desempenhado, nego veementemente qualquer suposta irregularidade”, disse o juiz na rede social.

> Gilmar defendeu mudanças na estrutura da Justiça Federal e lembrou o processo que está no STF questionando a criação do juiz de garantias, que dividiria as atribuições concentradas atualmente em um só juiz. A medida foi aprovada pelo Congresso, mas suspensa pelo presidente do STF, Luiz Fux, que levará o caso para análise do plenário.

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Novato surpreendeu colegas com pedido de vista

Carolina Brígido

10/03/2021

 

 

Kassio Nunes Marques alegou não ter tido tempo para estudar o processo depois de ter votado para que a análise prosseguisse

Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) se surpreenderam quando Kassio Nunes Marques pediu vista, interrompendo o julgamento da ação que questiona a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução de processos contra o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Novato na Corte, o ministro explicou que não teve muito tempo para estudar o processo — o ministro estava ontem em São Paulo, acompanhando os pais que se recuperam da Covid.

Ele garantiu que devolverá o caso para o colegiado com rapidez, embora não tenha especificado uma data. O pedido de mais tempo veio depois de Nunes Marques ter votado para que o julgamento — iniciado em 2018 — tivesse prosseguimento, contrariando a decisão de Fachin de anteontem de considerar encerrada a discussão antes mesmo de ser votada pela Segunda Turma.

Por trás do pedido de vista, há dois aspectos importantes. Nunes Marques tinha a intenção de ouvir outros ministros antes de proferir o voto. Tanto que afirmou que, se alguém mais quisesse votar, isso não causaria constrangimento, “ao contrário”. Lewandowski aproveitou a deixa para acompanhar o voto de Gilmar Mendes considerando Moro como parcial.

Outro aspecto é aguardar que o presidente do STF, Luiz Fux, leve ao plenário a decisão tomada por Fachin de anular condenações de Lula não com base na parcialidade de Moro, mas com o argumento de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro para conduzir os processos do expresidente. Ao transferir o foco das atenções para o plenário, a responsabilidade de Nunes Marques fica diluída.

Quando o julgamento foi iniciado, em dezembro de 2018, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram a favor de Moro —ou seja, contra a anulação dos processos. Em tese, portanto, caberia a Nunes Marques desempatar a disputa. Entretanto, há expectativa de que Cármen Lúcia possa mudar de posição.

Também nos bastidores, a expectativa é de que Nunes Marques vote no mesmo sentido de Mendes e Lewandowski. Em temas penais, o novato é tido como garantista —ou seja, preza mais pelos direitos dos acusados do que por uma aplicação mais rígida das normas punitivas.

Em outros julgamentos já iniciados na Segunda Turma, Nunes Marques participou da votação. É o caso, por exemplo, do recurso do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contra a denúncia apresentada contra ele. Na ocasião, o julgamento também foi retomado após um pedido de vista ser devolvido por Gilmar Mendes, e Nunes Marques votou a favor de Lira, para arquivar as investigações. A decisão beneficiou ainda Ciro Nogueira, presidente do PP, tido como um de seus padrinhos quando da indicação pelo presidente Jair Bolsonaro.