O Globo, n.31991 , 09/03/2021. País, p.4

 

Lula de volta ao pareo

Carolina Brígido

Aguirre Talento

09/03/2021

 

 

Relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin anulou ontem as condenações do ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A decisão, uma das mais importantes sobre a operação tomada em tribunais superiores, mexe também na disputa eleitoral com vistas a 2022 — com seus processos anulados, o petista recupera os direitos políticos e não está mais enquadrado na Lei da Ficha Limpa.

Ao deferir um pedido da defesa de Lula, Fachin entendeu que não foi provado vínculo entre as vantagens que teriam sido recebidas pelo ex-presidente e os desvios ocorridos na Petrobras e, portanto, o juízo de Curitiba, responsável por apurar os crimes que lesaram a estatal, não tinha competência para receber as acusações contra o ex-presidente. O ministro anulou as condenações e as denúncias apresentadas e determinou que os processos passem a correr na Justiça Federal do Distrito Federal.

A decisão de Fachin não precisa ser submetida ao plenário, mas o procuradorgeral da República, Augusto Aras, já determinou à sua equipe que prepare um recurso contra a decisão — que pode ser um pedido de reconsideração a Fachin ou de análise pelo colegiado. O assunto está sob responsabilidade da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, responsável pelos casos da Lava-Jato perante o STF.

Em sua decisão, Fachin afirmou que a Justiça Federal do Distrito Federal deveria ter feito isso desde o início. Além de anular as condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ficam sem valor as denúncias oferecidas nas ações da sede do Instituto Lula e da que trata de doações da Odebrecht ao instituto. O ministro lembrou que em outras ações da Lava-Jato o STF já decidiu que a vara de Curitiba não tinha competência para receber as ações. Ele citou o inquérito contra a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, no caso Consist, e a ação conhecida como “quadrilhão do MDB” como exemplos. Os casos de Lula voltam agora à fase de investigação e serão distribuídos para um juiz da Justiça Federal do DF, que poderá “convalidar” as provas levantadas em Curitiba — ou seja, poderá aproveitar parte da investigação já feita (leia mais na página 6).

CASOS SEMELHANTES

Nas ações penais envolvendo Lula, assim como em outros processos julgados pelo plenário e pela Segunda Turma, os supostos atos ilícitos não estavam relacionados apenas a Petrobras, mas também outros órgãos da administração pública. Fachin explicou que a Segunda Turma tem enviado à Justiça Federal do Distrito Federal casos semelhantes às investigações contra Lula. O ministro tem um histórico de decisões a favor da Lava-Jato e de negar recursos da defesa do ex-presidente. Na decisão de ontem, ele afirmou que estava se baseando em jurisprudência da Corte e disse não olhar para coloração partidária.

“As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do STF, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”.

O ministro lembrou que casos sem ligação direta com a Petrobras foram distribuídos não apenas para outros juízes do país, mas também para outros ministros do STF, em caso de políticos com direito ao foro especial.

“Friso, nesse passo, essa limitação que se torna relevante ao caso presente. Foi com essa perspectiva que, tendo recebido mais uma centena de inquéritos, determinei a redistribuição de mais de cinco dezenas a outros Ministros deste Tribunal, por livre distribuição”, anotou o ministro.

No caso de Lula, o Fachin considerou esse mesmo aspecto: “Restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do STF, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional”.

Fachin argumentou que este questionamento específico da defesa de Lula só tinha chegado neste recurso, protocolado em novembro do ano passado, para justificar porque só agora enfrentava esse tema.

A defesa do ex-presidente avaliou que a decisão comprova uma tese defendida pelos advogados há cinco anos, mas não repara danos causados ao ex-presidente.

Em nota assinado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, a defesa afirma que questiona a competência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba desde 2016, quando o ex-ministro Sergio Moro ainda era o juiz responsável pelos casos da Lava-Jato. Segundo os defensores, as “absurdas acusações” formuladas contra o ex-presidente pela força tarefa de Curitiba “jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª. Vara”.

DANOS IRREPARÁVEIS

“A decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula e o lawfare que estava sendo praticado contra ele”, diz a nota, citando o conceito de lawfare, quando há uma perseguição política de integrantes do Judiciário contra uma pessoa.

Segundo os advogados, porém, a decisão não repara danos que foram causados a Lula, como os 580 dias de prisão e a perda de direitos políticos motivados por condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, no litoral de São Paulo.

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Decisão tenta reduzir danos e impedir anulação total da Lava-Jato

Aguirre Talento

09/03/2021

 

 

A surpreendente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular todas as condenações da 13ª Vara Federal de Curitiba contra o ex-presidente Lula poderia parecer, à primeira vista, um forte ataque às investigações e uma mudança de posição do principal defensor da Lava-Jato no STF.

Na verdade, tem o efeito imediato de reduzir os danos que a divulgação de diálogos entre procuradores da força-tarefa e o ex-juiz Sergio Moro têm provocado à imagem da operação, para tentar impedir uma anulação total da Lava-Jato.

Ao acolher completamente o pedido da defesa de Lula, Fachin automaticamente esvazia o outro processo, sob relatoria do ministro do STF Ricardo Lewandowski, que tem permitido o acesso da defesa do petista a todo o acervo de supostos diálogos dos procuradores da Lava-Jato apreendido na Operação Spoofing. Além disso, Fachin tenta evitra a derrota já dada como certa no julgamento sobre a suspeição de Sergio Moro, que seria realizado na Segunda Turma do STF. A decisão de Fachin declara a perda de objeto no pedido de suspeição, mas ministros da Corte ainda querem debater o tema.

A divulgação a conta-gotas dos diálogos entre os procuradores vinha provocando um sangramento constante na operação. Resultou na abertura de um inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para investigar a conduta da força-tarefa, processos na Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público e poderia continuar provocando estragos de consequências imprevisíveis.

O ministro entregou os anéis para permanecer com os dedos. Ao acolher o pedido da defesa do principal opositor da Lava-Jato, Fachin reduz a pressão sobre a Corte pela anulação de outros casos decorrentes da investigação da força-tarefa de Curitiba. Também diminui a ofensiva de outros alvos da LavaJato para ter acesso ao conteúdo dos diálogos e tentar anular atos da operação. Se a estratégia será bemsucedida, ainda não é possível saber.