O Globo, n.31990 , 08/03/2021.Sociedade , p.8

 

Aumento explosivo

Ana Lucia Azevedo

08/03/2021

 

 

Casos diários de Covid já são 30% mais altos do que no pico de 2020

Março começou com o aumento explosivo da pandemia no Brasil, mas o país sente apenas o vento que antecede um novo tsunami, a terceira onda de casos e mortes, alertam os cientistas. O número de casos diários de Covid-19 no país é agora cerca de 30% maior do que nos piores momentos da primeira onda, em julho de 2020. E o número de mortos fala ainda mais alto, com um aumento de 31,66% em relação a o registro da primeira onda. A tendência é crescente, afirma o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil.

Alves lembra que o maior valor observado na média móvel de óbitos diários na primeira onda foram id ode 1.096 óbitos por dia no dia 26 de julho. Esse número foi superado no dia 7 de fevereiro, com 1.171 óbitos. Sem controle, o AC OV id -19 continuou amatar mais e no sábado foram registradas 1.443 mortes diárias, em média móvel.

O maior número de casos por dia da média móvel na primeira onda foi de 46.393 em 29 de julho. Porém, anteontem (dia 6), o Brasil registrou 60.229 novas infecções, um aumento de 13.836 ocorrências diárias em relação ao maior valor apresentado na média móvel da primeira onda. O número de novas infecções por dia agora é 29,82% maior do que na primeira onda, calcula Alves.

Em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, que ontem teve décimo dia seguido de aumento na média móvel de casos novos, o aumento em relação à primeira vaga chega a cerca de 50%.

—Estamos na praia vendo a terceira onda crescer e se aproximar e, para nos defender, temos apenas castelos de areia, seja toé, as pífias e medidas de distanciamento ineficazes tomadas por governadores e prefeitos - frisa Alves.

Nós professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Medronho explica que uma terceira vaga, que é o cenário mais provável até o final deste mês porque o crescimento explosivo de casos registrados desde o final de fevereiro tem se sustentado . Portanto, não é uma flutuação aleatória.

A situação no Brasil é tão grave que, no final de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (que) chegou a alertar para a possibilidade de uma quarta onda no país.

O cientista da USP, conhecido por acertar suas projeções, diz que o Brasil, que ultrapassou os 11 milhões de decas OS d EC ovid-19, p ode havia chegado a 15 milhões entre o final de março e a primeira semana de abril. Segundo ele, podemos chegar a 70 mil atendimentos por dia até o final da semana que vem e 100 mil atendimentos diários até o dia 8 de abril:

- Esta é minha projeção conservadora porque a imagem é muito grande. Meu palpite é que o Brasil realmente tem mais de 24 milhões de infecções.

O número de mortes está avançando a uma taxa semelhante. Segundo Alves, se mantivermos o ritmo de 1,4 mil mortes por dia, as 300 mil mortes causadas pela pandemia chegarão entre 25 e 27 de março, talvez antes. E, de acordo com as projeções, o país poderá iniciar mais o registro de 2 mil mortes diárias entre os dias 20 e 22 de março. Seguindo essa tendência, até o final do mês, o país contaria 3 mil mortes por dia.

A subnotificação impede o Brasil de conhecer todas as

morto por Covid-19. O país registrou 265,5 mil mortes em decorrência da pandemia, segundo o Boletim do consórcio de veículos de imprensa. Alves, porém, essenumer reza presente apenas uma etapa do real.

- Esses números são conservadores porque podemos começar a ver muita gente morrendo em casa, por falta de assistência. Isso já acontece em várias regiões brasileiras. E o mais trágico é que governantes e parte da população não ligam - enfatiza Alves.

Nós pesquisadora destaca que o panorama atual da pandemia no país foi antecipado pelos cientistas em novembro, mas nada foi feito para evitá-lo.

- O Brasil demorou três meses para chegar a 10 mil mortes. Só na semana passada tivemos 10 mil mortes - compare isso. - Alcançamos um nível de destruição inimaginável. É muito importante que a população compreenda o risco que corre.

MAIOR CONTROLE NOS EUA

Medronho lembra que a evolução da Covid-19 no Brasil só é comparável à dos Estados Unidos, país mais castigado no mundo pelo coronavírus. Já ocorreram três ondas da pandemia, mas agora o número de casos caiu 75% em relação a janeiro, resultado de uma combinação de vacinação em massa e mudanças nas políticas de combate à doença, implementadas com a chegada de Joe Biden ao presidência.

No Brasil, em número de casos, a primeira onda da pandemia foi superada pela segunda no dia 18 de dezembro. O recorde foi novamente quebrado em 20 de fevereiro, anunciando o início da terceira onda da pandemia.

A receita da tragédia brasileira tem três ingredientes: falta de medidas adequadas de distanciamento social, baixíssima vacinação e disseminação de novas variantes do mais transmissível Sars-CoV-2.

- As doses anunciadas e efetivamente adquiridas pelo Ministério da Saúde não são nada, apenas uma troca enquanto precisamos de muitos milhões. Poderíamos ter mais vacinas, mas o governo federal não quis comprar quando houve oportunidade - diz Medronho.

Ele lembra que existe uma espécie de anestesia social e cansaço coletivo, que faz com que a sociedade brasileira não se importe com a pandemia.

- Se tivermos menos do que as previsíveis 2.500 mortes por dia, digamos 2.400 mortes por dia. Isso dá 100 mortes por hora, uma pessoa morta por minuto. Mas parte da população se comporta como se não houvesse amanhã e realmente parece não se importar. É uma aposta perigosa porque, para muitos, nem haverá o dia seguinte - lamenta Medronho.

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Variantes são consequência, e não causa de espalhamento

08/03/2021

 

 

Pesquisador afirma que fenômeno já era esperado, devido à falta de implementação de políticas como distanciamento social

Novas variantes do coronavírus causam preocupação, pois podem ser mais transmissíveis ou reduzir a eficácia das vacinas. Conhecidos por siglas ininteligíveis para leigos, como P1 (brasileiro) ou B. 1.1.7 (britânico), são os culpados pela recente explosão de casos. Mas os cientistas explicam que essas variantes são ocorrências e frequência, e não a principal causa da disseminação do Sars-CoV-2. Sozinho, diz o epidemiologista da

UFRJ Roberto Medronho, eles não teriam causado tanto dano.

O virologista Fernando Spilki, coordenador da rede corona-omica, que sequenciou e analisou o genoma do coronavírus em todo o Brasil, avalia que as novas variantes são resultado da falta de uma política nacional de distanciamento social, que permitiu a disseminação descontrolada do coronavírus.

É um ciclo vicioso: quanto mais o vírus se espalha, maior a probabilidade de mutações levarem a variantes mais eficientes na transmissão, alimentando a pandemia.

- As variantes eram esperadas e precisam ser monitoradas. Eles se aproveitam da pandemia, mas não conseguem espalhar a máscara, a vacina e se distanciar ”, afirma.

Análises preliminares sugerem que a chamada variante brasileira P1, que surgiu na Amazônia, já predomina e representa até 70% das amostras. Estudos sugerem que é mais transmissível e, talvez, mais agressivo.

“Estamos em uma tempestade perfeita gerada por decisões erradas no passado, medições insuficientes agora e mais variantes transmissíveis”, avisa Spilki.