O Globo, n.31988 , 06/03/2021. Mundo p.22

 

Em visita, Papa pede fim da violência no Iraque

06/03/2021

 

 

Dizendo-se um peregrino no “berço da Civilização”, ele prega a convivência pacífica entre grupos e religiões e respeito aos protestos de jovens que pedem mais justiça e menos corrupção

“Que calem as armas”, pediu, ontem, o Papa Francisco, pouco depois de chegar ao Iraque para a primeira vista de um Pontífice ao país dizimado por guerras e perseguições de minorias religiosas. Em uma viagem cercada por expectativas, ele saudou os cristãos que decidiram ficar, pediu o fim da corrupção no país e da violência. Entre fortes medidas de segurança e com máscara devido à Covid-19, o Papa, de 84 anos, viajou como “um peregrino da paz” para confortar uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, marcada pela violência e pela pobreza. Francisco chegou ao aeroporto de Bagdá dizendo a repórteres que se sentia obrigado a fazer a viagem “emblemática” porque o país “foi martirizado por tantos anos”.

CRÍTICAS AO RADICALISMO

Centenas de pessoas se reuniram em pequenos aglomerados para vê-lo ser levado do local em uma BMW à prova de balas, um ponto departida diferentepara um Papa que normalmente insiste em usar carros pequenos e sem luxo. Uma carreata de dezenas de veículos o acompanhou para fora do complexo do aeroporto, que recentemente foi alvo de disparos de foguetes de grupos de milícias.

Em seu discurso no palácio presidencial na ultraprotegida Zona Verde de Bagdá, Francisco criticou os interesses estrangeiros que desestabilizaram o Iraque e toda a região e atingiram mais duramente as pessoas comuns.

— O Iraque sofreu os efeitos desastrosos das guerras, o flagelo do terrorismo e os conflitos sectários muitas vezes baseados em um fundamentalismo incapaz de aceitar a coexistência pacífica de diferentes grupos étnicos e religiosos —disse Desde a derrota dos militantes do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) em 2017, o Iraque tem visto um maior grau de segurança, embora a violência persista, muitas vezes na forma de ataques de foguetes por milícias alinhadas com o Irã contra alvos dos EUA e a ação militar dos americanos em resposta. Na quarta-feira, dez projéteis caíram naba sede Ain al-Assad, usada por militares dos EUA. Além disso, o EI continua sendo uma ameaça.

Em janeiro, um ataque suicida reivindicado pelo grupo matou 32 pessoas em Bagdá. Durante o dia, o chefe dos 1,3 bilhão de católicos do mundo mencionou todas as questões candentes no Iraque diante de seus principais líderes, entre eles o presidente Barham Saleh, que lhe enviou um convite oficial para esta visita sem precedentes. Saleh agradeceu ao Papa por ter feito a primeira visita papal ao Iraque “apesar das muitas recomendações para adiar” por causa da pandemia. Segundo ele, o fato de Francisco ter vindo de qualquer maneira “multiplica o valor desta visita para o povo iraquiano”.

Em sua fala, o Papa fez um apelo pelo fim da violência, e de “extremismos, de facções, de intolerâncias”. Ele também pediu o fim da “corrupção”, o motivo pelo qual centenas de milhares de iraquianos protestaram no final de 2019, e que o país deixasse de reprimir seus jovens que pedem justiça. — É preciso construir a justiça —afirmou.

DEFESA DAS MINORIAS

O Pontífice também pedi up araque ninguém seja considerado “cidadão de segunda classe ”, sobretudo os cristãos— hoje apenas 1% da população no Iraque, contra 5% antes da invasão americana de 2003 — e os yazidis, minoria perseguida pelo EI. Francisco denunciou o que chamou de “uma barbárie insensata e desumana” promovida no Iraque, o “berço da civilização”.

O argentino ainda relembrou “a muito antiga presença de cristãos nesta terra”, onde segundo a tradição nasceu Abraão, e defendeu “a participação deles na vida pública” como cidadãos que desfrutam plenamente de “direitos, liberdade e responsabilidade”. À noite, Francisco rezou na Catedral da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde 58 pessoas morreram em 2010 em ataque da al-Qaeda. Hoje, ele será recebido na cidade sagrada de Najaf pelo grande aiatolá Ali Sistani, um dos principais líderes xiitas.