O Globo, n. 31985, 03/03/2021. Economia, p.18

 

 

Guedes: Brasil pode virar Venezuela sem reformas ou controle de gastos

 

 

Ministro diz que sai se tiver que “empurrar Brasil pelo caminho errado”. Para ele, troca na Petrobras foi “resposta política'

 

FERNANDA TRISOTTO E MANOEL VENTURA

economia@oglobo.com.br

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou, em participação em um podcast gravado na sexta feira e divulgado ontem, que o Brasil pode passar por crises como as vividas por Argentina e Venezuela caso não avance nas reformas econômicas e nas medidas de controle de gastos.

—Vai chegar uma hora em que você não consegue mais. Para virar Argentina, seis meses. Para virar Venezuela, um ano e meio. Se fizer errado, vai errado. Quer ir para o outro lado, quer virar Alemanha ou Estados Unidos? São dez, 15 anos na outra direção — disse Guedes no programa Primocast.

A declaração foi dada no momento em que a equipe econômica defende no Congresso a aprovação de medidas de controle de gastos públicos como parte da proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza gastos para uma nova rodada do auxílio emergencial. Segundo o ministro, a liberação do benefício sem a aprovação de contrapartidas seria “caótico”:

— Isso seria caótico para o Brasil e teria um efeito muito ruim para o brasileiro. É o que aprendemos no ano passado e não podemos repetir.

Em uma semana marcada pela tensão no governo causada pela troca de comando na Petrobras, Guedes disse que não deixa o cargo por causa de ofensas, mas que prefere sair do posto caso tenha que “empurrar o Brasil pelo caminho errado”, frisando que isso não ocorreu. O ministro afirmou ainda que depende da confiança do presidente Jair Bolsonaro para tocar sua agenda e que é “demissível em 30 segundos”.

— Se ele (Bolsonaro) não confiar, eu sou demissível em 30 segundos. Se eu estiver conseguindo ajudar o Brasil, fazendo as coisas em que eu acredito, eu devo continuar. A ofensa não me tira daqui. O medo, o combate, o vento e a chuva, isso não me tira daqui de jeito nenhum — afirmou o ministro. — O que me tira daqui é a perda da confiança do presidente ou ir para o caminho errado. Se eu tiver que empurrar o Brasil pelo caminho errado, prefiro não empurrar, prefiro sair. Isso não aconteceu.

No último dia 19, Bolsonaro anunciou nas redes sociais que indicaria Joaquim Silva e Luna para presidir a Petrobras no lugar de Roberto Castello Branco, indicado por Guedes em 2018 para chefiar a companhia. O presidente disse estar insatisfeito com a política de preços da empresa, que repassa variações da cotação do petróleo e do câmbio para as refinarias.

 

ACENO A CAMINHONEIROS

Ontem, em entrevista à rádio Jovem Pan, Guedes se pronunciou publicamente pela primeira vez sobre o episódio e disse que a decisão do presidente foi uma “resposta política” aos caminhoneiros, base de apoio do governo:

— O presidente, politicamente, teve uma reação. Falou para um público caminhoneiro, que é um público associado ao presidente Bolsonaro, são eleitores típicos e fiéis. Para esse público, o presidente deu uma satisfação política. Ele falou: “Olha, eu tirei o cara que disse que não liga para vocês e, ao mesmo tempo, estou tirando todos os impostos” — disse o ministro.

Apesar de dizer que a troca de Castello Branco é compreensível politicamente, Guedes reconheceu que a decisão foi ruim do ponto de vista econômico:

— É compreensível politicamente uma atitude, mas, do ponto de vista econômico, o efeito foi ruim. Essa foi a nossa conversa interna. O presidente sabe o que eu penso, eu sei o que ele pensa.

No podcast publicado pela manhã, o ministro defendeu privatizações, mencionou o bordão “o petróleo é nosso”, lembrado por Bolsonaro na semana passada, e propôs compartilhar recursos de empresas públicas com a população:

—Tem uma turma que começa com “o petróleo é nosso”. É nosso? Então vamos dar para o povo brasileiro. Vamos pegar os dividendos da Petrobras e entregar uma parte para o povo brasileiro.