O Globo, n. 31985, 03/03/2021. Economia, p.15

 

 

Na mira da CVM

 

Comissão prepara investigação por uso de informação privilegiada com papéis da Petrobras

 

MALU GASPAR

 

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara a abertura de uma investigação formal para apurar o uso de informações privilegiadas em transações com opções de venda de ações da Petrobras realizadas no final datar dedo dia 18 de fevereiro, uma quinta-feira, pouco antes da live em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou que “alguma coisa” iria acontecer na petroleira.

As negociações, atípicas, representavam uma aposta na queda do valor de mercado da Petrobras. Elas podem ter rendido a quem as fez até R$ 18 milhões, ou 11.125% de lucro — como antecipei ontem no blog da coluna Malu Gaspar, no site do GLOBO. A identidade de quem fez as operações é protegida por sigilo bancário. Mas informações obtidas pela coluna mostram que ambas foram realizadas por meio de uma mesma corretora, a Tullett Prebon.

Oficialmente, a CVM informa apenas que “acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”. Mas, segundo fontes, técnicos da autarquia estão buscando informações tanto com a corretora que intermediou as operações como com a Bolsa de Valores, a B3, e com vistas a iniciar uma apuração formal.

Parlamentares do Cidadania e do PDT já requisitaram à autarquia a abertura de inquéritos administrativos, assim como associações que representam investidores.

— É importante conhecer a identidade desse gênio das finanças. Todos precisamos compartilhar tanto conhecimento — ironizou o senador Alessandro Vieira (CidadaniaSE), que assina o requerimento à CVM junto com a deputada Tabata Amaral (PDT).

Os deputados do PT Paulo Vieira (SP) e Elvino Bon Gass (RS) protocolam hoje representações no Ministério Público Federal e no Tribunal de Contas da União pedindo que o caso seja investigado.

Ou sode informação privilegiada( insidertrading)é crime punido com pena de uma cinco anos de prisão e multa de até três vezes o valor conseguido de forma ilícita. Ele ocorre quando alguém que sabe de fatos desconhecidos dos outros investidores usa essas informações para ter lucro com papéis de uma determinada empresa.

No caso da Petrobras, a suspeita recai sobre duas compras de opções de venda de ações da estatal, que começaram a ser realizadas 20 minutos depois do final de uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com seis ministros no Palácio do Planalto. Na reunião, que consta da agenda oficial do presidente, estavam presentes Bento Albuquerque, das Minas e Energia, Paulo Guedes, da Economia, e Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, além dos generais Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Augusto Heleno, da Segurança Institucional. O encontro começou às 16h45m e terminou às 17h15m. Às 19h, em sua live, o presidente da República disse que havia discutido no encontro medidas de redução dos preços dos combustíveis.

Opções de ações são um tipo de investimento quedá aseu portadora garanti ad eque ele poderá vender ações de uma empresa a um agente de mercado por um determinado preço, na data do vencimento. Em geral, servem para proteger o investidor de oscilações bruscas no valor dos papéis, mas também podem ser usadas para apostar contra ou a favor de uma empresa. As operações do dia 18 de fevereiro foram feitas comum a opção cujo código na bolsa é PET RN 265.

 

JOGADA ARRISCADA

Quem comprasse a PETRN265 na quinta-feira, dia 18, teria a garantia de vender ações da Petrobras na segunda-feira, dia 22, a R$ 26,50. Mas, naquela tarde, a ação estava cotada a R$ 29,27. Só compraria a opção de venda, portanto, quem acreditasse que o valor de mercado da estatal cairia pelo menos 8% na sexta-feira, para poder comprá-la mais barato e vender com lucro pelos R$ 26,50 combinados.

Era uma jogada arriscada, já que faltava apenas um dia útil para o vencimento da opção, e por isso a PETRN265 estava sendo vendida por 80% menos do que o preço do lançamento do papel, a R $0,04. Pois quem a comprou ou tinha uma fé extraordinária na baixa — ou sabia de algo que os outros investidores não sabiam.

Vinte minutos depois que a reunião no Planalto acabou, às 17h 35m do dia 18, houve uma primeira aquisição de 2,6 milhões de PETRN 265. Em mais nove minutos, às 17h 44m, foi feita outra compra, desta vez de 1,4 milhão de títulos. Juntas, as 4 milhões de opções custaram R $160 mil aos compradores. As duas transações foram feitas por intermédio da corretora Tullett Prebon, conhecida por atender principalmente grandes fundos e investidores institucionais.

Nesse tipo de operação, nem sempre a corretora está diretamente envolvida. Ela pode estar somente prestando serviços. Mas seu setor de compliance tem o dever de comunicar qualquer movimentação suspeita à CVM, que regula e fiscaliza o mercado de capitais. Procurei a Tullett Prebon para saber se era o caso, mas não tive resposta. Segundo os dados da B3, ninguém nunca tinha comprado tantos desses papéis de uma única vez. Até aquele momento, o maior lote já vendido fora de 86,3 mil PETRN265.

Pouco mais de uma hora depois das compras de opções, às 19h, o presidente começou sua live semanal. “Alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias”, disse ele, para depois acrescentar: “o presidente da Petrobras falou que determinava o preço e não tinha nada que ver com os caminhoneiros, e isso tem uma consequência, obviamente”. A partir daí, as ações só caíram.

 

LUCRO ASTRONÔMICO

No dia seguinte à live, sexta feira, aqueda foi mais branda, de 3%. Só que, depois do fechamento do pregão, Bolsonaro anunciou que o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, seria substituído pelo general Joaquim Silva e Luna. Na segunda, as ações caíram de R$ 27,33 para R$ 21,77 — um tombo de 20,7%. Só naquele dia, a Petrobras perdeu R$ 28 bilhões em valor de mercado.

Não é possível saber ao certo quando as opções foram vendidas, porque essa informação é protegida por sigilo. Caso tenha sido ao longo do dia 22, que era o dia do vencimento, os papéis comprados por R$ 160 mil podem ter rendido a seus donos até R$ 18 milhões — um lucro astronômico, de 11.125%. Para a CVM, porém, não é difícil chegar aos responsáveis pela operação e desvendar seus motivos. Os sistemas informatizados das corretoras guardam essas informações e podem fornecê-las rapidamente. Quem tinha a PETRN265 naquele dia faturou alto. Agora, porém, está sujeito a investigação e punição pelas autoridades financeiras.

 

 

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Contexto ou Opções podem ser usadas para proteção contra oscilação de preços ou especulação

JOÃO SORIMA NETO

joao.sorima@sp.oglobo.com.br

 

O investidor que se aventura no mercado de renda variável tem diversos mecanismos para se proteger das oscilações de preços. Muitas vezes, ele pode usar esses instrumentos para especular sobre a valorização ou desvalorização de um ativo e ganhar (ou perder) dinheiro no curto prazo. Os contratos de opção estão neste rol de ferramentas que funcionam como seguro ou alavanca de movimentos mais arriscados.

Quem tem um contrato de opção tem o direito de comprar ou vender um ativo, como a ação de uma empresa negociada na Bolsa, por um valor predeterminado (chamado de strike price )em uma data específica do futuro. É uma operação que acontece no mercado de derivativos, em que o valor dos contratos deriva de um ativo.

Quando o gestor de um fundo de ações avalia que determinado papel de uma empresa que está na sua carteira pode se desvalorizar no futuro, ele pode se proteger desse possível movimento usando os contratos de opção.

Nesse caso, segundo analistas, ele precisa ter nas mãos um contrato que lhe dá a opção de vender essa ação por um preço predeterminado no futuro. No jargão do mercado, esse contrato é chamado de put. Se a ação se desvalorizar no período, ele venderá o papel pelo preço fixado no contrato (mais alto) e embolsará a diferença. Mas se a desvalorização esperada não acontecer e o preço do papel ficar mais alto do que o fixado no contrato, ele terá de arcar com o

prejuízo.

Caso acredite que essa mesma ação vai valorizar, o investidor pode ganhar dinheiro comprando uma call ,uma opção que permite a venda pelo preço predeterminado na data de vencimento.

Nos contratos de opção, o investidor não precisa ter a ação que está negociado. Na prática, ele está apenas operando a diferença de preços entre o que está fixado no contrato e o que vai acontecer em uma data futura.

Em dezembro passado, os contatos de opção de ações negociados na Bolsa de Valores brasileira (B3) movimentaram R$ 28 bilhões. Em janeiro deste ano foram mais R$ 21,3 bilhões. No dia 22 de fevereiro, data em que foram vendidas as opções das ações da Petrobras com ganho elevado, foram movimentados R$ 16,9 bilhões, ainda segundo dados da B3. As ações preferenciais da Petrobras apresentaram o terceiro maior volume daquele dia, com R$ 289,7 milhões movimentados em opções de venda. Os contratos de opção de ações vencem toda terceira segunda-feira do mês na B3.