O Globo, n. 31985, 03/03/2021. País, p.4

 

 

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 Recorte capturado

Com voto de indicado de Bolsonaro, Arthur Lira se livra de denúncia no STF

 

CAROLINA BRÍGIDO

carolina@bsb.oglobo.com.br

 

Com o voto decisivo do ministro Nunes Marques, indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, a Segunda Turma da Corte arquivou ontem denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O colegiado reverteu decisão anterior a partir de uma acusação da Procuradoria-Geral da República no inquérito conhecido como “Quadrilhão do PP”, no âmbito da Operação Lava-Jato, que denunciava um esquema de corrupção na Petrobras.

A mudança de entendimento foi uma consequência da aposentadoria do ministro Celso de Mello. Em julho de 2019, ele votara contra Lira, cravando um placar de 3 a 2 para transformar o deputado em réu. Com a saída de Mello da Corte em outubro, Nunes Marques herdou seu lugar e deu voto a favor do arquivamento do caso. O placar se manteve em 3 a 2, mas, agora, em favor de Lira.

 

DELAÇÕES SEM PROVAS

Em seu voto, Nunes Marques avaliou que a denúncia da PGR levou em consideração delações premiadas sem provas complementares de que os delitos teriam ocorrido. Ele também afirmou que a denúncia foi feita com base em outras investigações que já foram arquivadas por falta de provas. Outros três investigados foram beneficiados com a decisão: o senador Ciro Nogueira (PI)—apontado como um dos padrinhos da indicação de Nunes Marques ao Supremo —e os deputados Eduardo da Fonte (PE) e Aguinaldo Ribeiro (PB), todos do PP.

— Essas investigações já foram arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas, em virtude da fragilidade dos colaboradores e das provas produzidas. A denúncia se apoia basicamente nos depoimentos dos colaboradores premiados, sem indicar os indispensáveis elementos autônomos de colaboração que seriam necessários para verificação da viabilidade de acusação — disse Nunes Marques.

— Como bem examinou o eminente ministro Gilmar Mendes, basicamente todos os fatos criminosos acima descritos já foram arquivados pela própria Procuradoria Geral da República ou rejeitados por esta Corte.

Como Gilmar e Ricardo Lewandowski mantiveram seus votos a favor de Lira, o presidente da Câmara se livrou do processo. Cármen Lúcia e Edson Fachin reiteraram sua posição pelo recebimento da denúncia.

A decisão livra Lira de ser considerado réu ao menos neste caso, em que ele e os outros dirigentes do PP foram acusados de participar de um esquema de corrupção na Petrobras. Mas ainda há outro julgamento pendente, resultado de um inquérito em que o deputado foi acusado de ter recebido R$ 106 mil em propina. A denúncia foi recebida no ano passado, mas falta julgar o recurso da defesa. Esse julgamento será na Primeira Turma e ainda não foi marcado.

Se a Primeira Turma também livrar o presidente da Câmara da condição de réu, Lira poderá substituir o presidente Jair Bolsonaro na linha sucessória. Em caso de vacância na Presidência da República, o primeiro a ser chamado é o vice-presidente e o segundo, o presidente da Câmara. Uma decisão do STF proíbe réus de figurarem nessa linha. Como o recebimento dessa outra denúncia ainda está pendente, há dúvida se Lira hoje poderia ou não assumir temporariamente a cadeira de Bolsonaro.

Os advogados de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini e Marcio Palma, manifestaram-se por meio de nota: “A decisão reconheceu que é preciso cuidado com a delação premiada. Embora seja um importante instrumento de prova, só deve valer quando coerente e corroborada por provas. No caso, as declarações de Alberto Youssef, notório desafeto de Arthur Lira, eram contraditórias e inverídicas e, por isso, não tinham condições de sustentar uma acusação. É a terceira denúncia com base nas declarações do doleiro rejeitada pela Suprema Corte”.

 

DENÚNCIA NO PLENÁRIO

Se por um lado Lira se livrou de uma das acusações a que respondia, ele foi derrotado em outro processo: o ministro do STF Edson Fachin rejeitou pedido da PGR para arquivar denúncia contra ele que a própria Procuradoria havia apresentado três meses antes. O deputado foi acusado de corrupção passiva pelo suposto recebimento de propina de R$ 1,6 milhões da Queiroz Galvão pelas obras da empreiteira na Petrobras.

Fachin chamou a atenção para o fato de a PGR apresentar uma nova manifestação “em sentido frontalmente contrário à inicial” e disse que o pedido não altera a situação do processo. O processo será julgado no plenário, que decidirá se torna Lira réu neste caso ou se rejeita a denúncia.

Na denúncia apresentada em junho passado, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, coordenadora da Lava-Jato na PGR e pessoa de confiança do procurador geral da República, Augusto Aras, escreveu que os elementos de corroboração colhidos pela investigação permitiram comprovar o repasse de propina ao parlamentar. Em setembro, ela mudou de ideia e disse haver “fragilidade probatória”, pedindo o arquivamento.

 

 

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Analítico ou Lira venceu primeira batalha, mas linha de sucessão do Planalto ainda é incógnita

 

CAROLINA BRÍGIDO

carolina@bsb.oglobo.com.br

 

Passada a vitória na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que arquivou denúncia contra Arthur Lira na Lava-Jato, o presidente da Câmara dos Deputados ainda tem duas outras provas de fogo na Corte na tentativa de não ser considerado réu. E não é porque Lira se saiu bem no julgamento de ontem que o mesmo acontecerá nos próximos.

A situação futura é diferente. Há o julgamento do recurso da defesa contra o recebimento de outra denúncia na Primeira Turma, tida como mais rígida em matéria penal do que a Segunda Turma. Cada colegiado é composto de cinco ministros (o presidente da Corte não integra nenhum deles). Por fim, o plenário do STF, formado pelos 11 integrantes, vai julgar uma denúncia contra Lira. Com mais ministros votando, as chances de Lira minguam, na prática.

Ainda não há data prevista para os próximos julgamentos. Enquanto isso não acontece, a situação de Lira fica em suspenso. No meio jurídico, há dúvidas sobre se o presidente da Câmara é réu ou não. Isso porque a denúncia recebida pela Primeira Turma é alvo de um recurso e, enquanto este não for julgado, não se poderia dizer se Lira responde ou não a uma ação penal — há ministros do Supremo que avaliam que sim; outros acham o contrário.

Ser réu ou não faz uma grande diferença na vida de Lira neste momento. Em caso de ausência do presidente da República, ele é substituído pelo vice que, se também estiver fora do país, é sucedido pelo presidente da Câmara. No entanto, o próprio Supremo já decidiu que réus não podem figurar na linha sucessória do Palácio do Planalto.

Atualmente, o destino penal e político de Lira depende diretamente de dois ministros. Um deles é Dias Toffoli, que ainda não liberou para julgamento o recurso contra a denúncia na Primeira Turma. O outro é o presidente do Supremo, Luiz Fux, que precisa agendar o julgamento da outra denúncia. Enquanto isso não acontece, a linha sucessória da Presidência da República permanece uma incógnita.