O Globo, n.31988 , 06/03/2021. País p.6

 

MEC suspende punição a atos políticos nas universidades

Renata Mariz

06/03/2021

 

 

Professor alvo de ação da CGU por críticas a Bolsonaro diz que não vai se calar

Após repercussão negativa, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu, na noite de quinta-feira, o ofício que havia emitido no início de fevereiro para “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino”. Ao voltar atrás, a pasta afirma que não havia a intenção de “coibir a liberdade de manifestação e de expressão” no ensino superior. “Informamos o cancelamento do ofício (...), por possibilitar interpretações diversas da mensagem a que pretendia”, afirmou o MEC em circular enviada aos reitores e assinada por Wagner Vilas Boas de Souza, secretário de Educação Superior, segundo o G1.

O texto diz ainda que o governo respeita a autonomia universitária prevista na Constituição Federal. Protagonista de um outro caso em que um órgão federal tentou calar servidores públicos, o professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), Pedro Hallal, disse ontem ao GLOBO que se o objetivo do processo (da Controladoria Geral da União) era lhe censurar, “o tiro sairá pela culatra”. Ele e Eraldo dos Santos, também professor da universidade, foramalvos de umaaçãoda CGU por fazer críticas ao presidente Jair Bolsonaro, por meio dos canais oficiais da Ufpel, devido à condução do combate à pandemia. Para se livrarem do processo, eles decidiram assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) em que aceitam uma “mordaça” de dois anos sem repetir o comportamento. — Seguirei manifestando minhas opiniões livremente, como sempre fiz —disse o exreitor da Ufpel, que também é epidemiologista e coordenador do Epicovid, principal estudo sobre a contaminação do novo coronavírus no Brasil.

— Se o objetivo do processo era me censurar, o tiro sairá pela culatra. A condução vergonhosa do Ministério da Saúde e do governo federal no enfrentamento de pandemia deve ser denunciada por todos os pesquisadores do país. Três de cada quatro pessoas que morre ramno país até hoje não teriam falecido não fosse o país uma vergonha mundial no enfrentamento da pandemia. Hallal e Santos foram enquadrados na Lei 8.112, o Estatuto dos Servidores, no item que veda ao servidor “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”. O ex-reitor avalia que ele e o colega teriam sido absolvidos caso o processo seguisse adiante, mas que, por causa do “momento de exceção que vivemos”, decidiram assinar o TAC.

— Achamos mais prudente assinar o TAC e arquivar imediatamente o processo. Nunca imaginei que seria alvo de uma ação como essa. Lembro de ouvir estórias dos meus pais, sobre uma época em que criticar o governo não era permitido. Espero que nenhum outro professor passe pelo que estou passando —disse Hallal.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Na quinta-feira, um grupo de 25 subprocuradores solicitou à Procuradoria-Geralda-República (PGR) q ue enviasse um ofício ao Ministério da Educação (MEC) defendendo a liberdade de expressão nas universidades.

O ofício, encaminhado pelo MEC em fevereiro àRe dede Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), reproduzia trechos da recomendação do Ministério Público Federal (MPF) que diz que bens públicos “não podem ser empregados para promoção de eventos de natureza político-partidária, porque destoante da finalidade pública a ques edestina, queéa prestação de serviços públicos específicos,a promoção dobem comum da sociedade ”.

Num outro trecho, o documento diz que “a promoção de eventos, protestos, manifestações etc. de natureza político-partidária, contrários ou favoráveis ao governo, caracteriza imoralidade administrativa”. Ao suspender o ofício ontem, o MEC afirma que o objetivo era orientar as universidades a “garantir o bom uso do recurso público”, sem perder a garantia dos direitos de manifestação. O novo documento diz ainda que a Secretaria de Educação Superior mantém diálogo com as instituições da rede federal. (Com G1)