O Globo, n. 31984, 02/03/2021. Sociedade, p.9

 

 

Para governadores, Bolsonaro distorceu dados sobre repasses

 

Em nota, 19 dirigentes também cobraram uma política contra aglomerações

 

DIMITRIUS DANTAS E RAFAEL NASCIMENTO DE SOUZA

sociedade@oglobo.com.br

 

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro divulgar nas redes sociais valores de repasses feitos pelo governo federal aos estados, governadores de 19 unidades da federação reagiram e, em nota, acusaram o presidente de distorcer informações para atacar governos locais. Eles destacaram ainda que o Planalto deveria focar em políticas nacionais para conter aglomerações em momento crítico da pandemia no país em vez de adotar estratégia de confronto.

Anteontem, o presidente divulgou em suas redes sociais o valor dos repasses feitos pelo governo federal para cada estado. Os valores, entretanto, são em sua maioria repasses obrigatórios previstos na Constituição, e não uma decisão política do Palácio do Planalto.

“Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o Governo Federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, afirmaram os governadores.

A maior parte dos repasses é prevista pela Constituição e de caráter obrigatório. Os gestores estaduais lembraram, por exemplo, que boa parte dos impostosfederais, como o Imposto de Renda, tem como destino obrigatório os estados e municípios, da mesma forma que impostos estaduais, como o ICMS e o IPVA, devem ir para os cofres dos municípios de um estado.

Bolsonaro publicou ainda os valores repassados de auxílio emergencial e a suspensão de pagamentos da dívida federal, duas iniciativas, destacaram os dirigentes, do Congresso Nacional, e não do presidente.

Eles afirmaram ainda que a contenção de aglomerações é o que deveria ser coordenado pela União. A nota foi assinada pelos governadores de Alagoas, Bahia, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

— A mentira federal sobre repasse de recursos ao Maranhão é tão absurda que o valor “informado” (R$ 36 bilhões) equivale quase ao dobro do orçamento do Estado em 2020. Vamos ter que, mais uma vez, entrar na Justiça por essa vergonhosa fake news — disse Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão.

Aliado de Bolsonaro e um dos signatários da carta, o governador interino do Rio, Claudio Castro (PSC), classificou o gesto do presidente de “irresponsável”.Paraele, a postagem “cria confusão” e os números “não traduzem a realidade” dos estados:

—Ali (na publicação do presidente) estão misturados fundo de participação de estado, fundo de participação de município, Fundeb, SUSetc. Você não pode dar uma informação dessas, porque acaba gerando uma confusão. Infelizmente, quem teve esse pensamento (de divulgar os números) teve uma péssima ideia. Cria mais essa confusão.