O Globo, n. 31984, 02/03/2021. Artigos, p.3

 

Justiça para defensores dos direitos humanos

 

MARY LAWLOR

Hoje, 2 de março,  se completam cinco anos desde que a defensora dos direitos humanos e do meio ambiente Berta Cáceres foi assassinada em sua casa, em Honduras.

Ela foi uma entre centenas de defensores dos direitos humanos mortos devido a seu trabalho pacífico, e centenas de outros vêm sendo assassinados todo ano desde então. Os responsáveis raramente são levados à Justiça.

É uma história já conhecida, que continua em muitas partes do mundo onde os responsáveis pelo assassinato de uma defensora frequentemente gozam de impunidade.

Esta semana apresentarei meu relatório mais recente ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O documento trata dos assassinatos de defensores dos direitos humanos e das ameaças que muitas vezes precedem essas mortes. Entre 2015 e 2019, dezenas de defensores foram assassinados em pelo menos 64 países — um terço de todos os Estados membros da ONU.

Sabemos que, em todos os continentes, nas cidades e no campo, em democracias e ditaduras, governos e outras forças ameaçaram e mataram defensores. Muitos, como Berta Cáceres, foram mortos no contexto de grandes obras empresariais.

Por que tantos governos e outros matam defensores que trabalham pacificamente em prol dos direitos de outros? É em parte porque podem fazê-lo, cientes de que é improvável que exista a vontade política de punir os responsáveis.

Embora alguns Estados já tenham criado mecanismos dedicados à proteção para prevenir e responder a riscos e ataques contra defensores, estes frequentemente denunciam que tais mecanismos recebem recursos insuficientes.

Esses crimes não são atos aleatórios de violência que vêm do nada. Muitos dos assassinatos são precedidos por ameaças. Como destacou a Anistia Internacional, o assassinato de Berta Cáceres foi “uma tragédia que estava esperando por acontecer”; ela havia “denunciado repetidas vezes as agressões e ameaças de morte que recebera”.

Mesmo assim, seu governo não a protegeu. Desde que assumi esta missão, já falei com centenas de defensores no mundo inteiro. Muitos me contaram de seu medo real de ser assassinados e me mostraram ameaças de morte que lhes foram feitas, em muitos casos publicamente.

Eles me contam que algumas ameaças são ditas em voz alta, pessoalmente, postadas em redes sociais, feitas em telefonemas ou mensagens de texto ou, ainda, em bilhetes escritos enfiados debaixo da porta. Alguns defensores são ameaçados de ter seus nomes incluídos em listas publicadas de alvos de assassinato, recebendo uma mensagem passada por um intermediário ou tendo suas casas pichadas.

Pessoas que defendem os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexo, além das defensoras e dos defensores dos direitos humanos de mulheres e pessoas transgênero, frequentemente são atacadas com ameaças baseadas em gênero e são visadas devido a quem são, além de pelo que fazem. Mulheres e pessoas LGBTI que reivindicam direitos em contextos patriarcais, racistas ou discriminatórios muitas vezes sofrem formas de ataque específicas que incluem violência sexual, difamação e estigmatização.

Os assassinatos de defensores não são inevitáveis; muitos são assinalados com antecedência. Ainda assim, ano após ano os governos deixam de fornecer recursos suficientes para preveni-los e deixam de levar os assassinos à Justiça. Na verdade, os Estados deveriam não apenas acabar com a impunidade, como também aplaudir publicamente a contribuição vital dos direitos humanos às sociedades.

Esta semana voltarei a lembrar às Nações Unidas que seus Estados membros estão descumprindo suas obrigações morais e legais de impedir os assassinatos de defensores. Não adianta representantes governamentais lamentarem e concordarem que o assassinato de Berta Cáceres e de outros defensores é um problema terrível e que alguém deveria estar fazendo alguma coisa a esse respeito.

(...)

*Relatora especial das Nações Unidas sobre os defensores dos direitos humanos