O Globo, n.31987 , 05/03/2021. País p.7

 

Mais armas garante 'legítima defesa', diz governo ao Supremo

Daniel Gullino

05/03/2021

 

 

AGU justifica decreto de Bolsonaro, que desconsiderou parecer do Exército e ignorou PF ao baixar normas que reduzem controle

Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o objetivo do presidente Jair Bolsonaro com a edição de novos decretos no mês passado para flexibilizar a posse e porte de armas de fogo foi oferecer aos cidadãos “mecanismos de legítima defesa”, uma vez que há “insuficiência do aparelho estatal” para proteger todos os brasileiros.

A AGU enviou respostas quase idênticas às ações apresentadas por PT, PSB, PSOL e Rede. Nelas, rebate a tese de que os decretos teriam como objetivo “entregar ao particular, com exclusividade, a autotutela pela via da ‘vingança privada’ ou mesmo do exercício arbitrário das próprias razões”.

Segundo o órgão, “a autodeterminação individual para resistir ao ilícito não foi completamente suprimida com a formação do Estado, sendo legítimo o exercício desta faculdade, ou seja, da legítima defesa para assegurar a inviolabilidade do direito à integridade e à vida”.

O governo federal também afirmou que “nada há de verossímil” na tese de que os decretos possibilitariam a “a formação de milícias armadas com o aval do Estado”. A AGU alegou que os associados de entidades de tiros (que são alguns dos principais beneficiados pela medida) não possuem “nenhuma hierarquia ou obediência disciplinar que possa ao menos sugerir alguma semelhança com organizações paramilitares”.

O órgão ainda argumentou que “os decretos não visam alterar o marco legal sobre armas de fogo”. Para a AGU, não houve uma “facilitação alarmante de aquisição de armas de fogo”.

Bolsonaro editou, no mês passado, um pacote de quatro decretos sobre armas. Entre as medidas determinadas está a ampliação de quatro para seis no limite de armas que cada cidadão pode ter. Também foram alteradas diversas regras envolvendo o grupo de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), incluindo o limite de armas que cada pessoa pode comprar.

CRÍTICAS DO EXÉRCITO

Conforme revelado pelo GLOBO, o governo federal ignorou uma nota produzida por técnicos do Estado-Maior do Exército que as medidas poderiam fragilizar a segurança pública no Brasil e aumentar a disseminação de armamento no país.

A nota foi produzida pela Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos do Estado-Maior do Exército no mesmo dia em que Bolsonaro e os ministros da Defesa (Fernando Azevedo e Silva) e da Justiça (André Mendonça) assinaram os decretos, 12 de fevereiro.

A principal crítica foi ao trecho que criou um prazo de 60 dias para que o Comando do Exército analisasse processos de corporações como PMs, Polícias Civis, Corpo de Bombeiros e Guardas Municipais que queiram comprar no Brasil ou importar armas ou munições de uso restrito. Até então, a compra só poderia ser realizada após o aval do Exército.

Além disso, o governo não ouviu a Polícia Federal (PF) durante a elaboração dos decretos assinados. A PF é o principal órgão do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e vinha sendo consultada pelo governo em decretos anteriores sobre o tema.

Especialistas afirmam que os decretos editados pelo governo sobre o tema tem atropelado as áreas técnicas de órgãos de estados especializados no assunto, gerando preocupações principalmente sobre o controle das armas de fogo em circulação no país.

SEM PRIORIDADE NA CÂMARA

Em relação à PF, o Ministério da Justiça afirma que representantes da instituição participaram do debate técnico, mas não esclareceu porque nenhum documento foi produzido pelo órgão.

Sobre as ressalvas feitas pelo Exército, o Ministério da Defesa afirmou que a pasta e o Comando da força teriam concordado com o prazo de 60 dias para análise. Sustenta que a manifestação revelada pelo GLOBO tinha caráter apenas “opinativo”.

Além dos processos movidos no Supremo Tribunal Federal (STF), a oposição apresentou projetos de decreto legislativo no Congresso para tentar derrubar as medidas adotadas pelo presidente. Mesmo entre aliados do governo há ressalvas sobre o tema.

Fatos posteriores, porém, acabaram tirando o tema da prioridade dos debates nas duas Casas, como a prisão do debate Daniel Silveira (PSLRJ) e o debate sobre a volta do auxílio emergencial.