O Globo, n.31987 , 05/03/2021. , País p.3

 

Comissões em dispita na Câmara

Brunoe Goés

Natália Portirnari

05/03/2021

 

 

Distribuição de poder feita por Lira esbarra em briga entre bolsonaristas e Aécio

O acordo costurado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para o comando de comissões da Casa está sob risco. Mesmo com o aval dado à bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), principal colegiado da Casa, o PSL se insurgiu na tarde de ontem contra a indicação de Aécio Neves (PSDB-MG) para comandar Relações Exteriores. Sem o posto almejado, bolsonaristas agora querem retirar o DEM da Comissão de Educação. O movimento pode provocar um efeito cascata e travar por mais tempo a formação dos colegiados, que já não funcionaram em 2020 devido à pandemia de Covid-19.

Aliados do presidente Jair Bolsonaro queriam a indicação de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSLSP) para a presidência da Comissão de Relações Exteriores. Ele sucederia Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Durante a campanha à presidência da Casa, porém, Lira prometeu o cargo a Aécio. O tucano trabalhou a favor do deputado do PP, mesmo contra a posição oficial de seu partido, que se aliou a Baleia Rossi (MDB-SP).

Na bancada do PSDB, o retorno de Aécio à arena política é considerado importante para frear a influência do governador paulista João Doria sobre os deputados.

Agora, o PSL, que tem direito de fazer duas indicações antes do DEM —a primeira será a CCJ —, resolveu reivindicar a presidência da Comissão de Educação. A vaga estava reservada, por acordo, para a Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), relatora do Fundeb, o fundo para financiamento da educação básica.

Com mandato voltado para políticas do setor, ela disse a pessoas próximas que se preocupa com a pauta bolsonarista no Congresso. A deputada avalia que o principal interesse do PSL na Comissão de Educação é emplacar o homeschooling, projeto que regulamenta o aprendizado em casa, e não na escola.

— Perdemos Relações Exteriores na negociação mais recente. Agora, vamos ver o que vai acontecer. Estamos vendo a possibilidade de Educação, Segurança e Agricultura. Por isso, ainda tem uma longa negociação pela frente. Mas nada definido — diz o bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS).

Lira ficou irritado com o PSL, principalmente após ter atuado para diminuir resistências a Bia Kicis na CCJ. Antes de reunião de líderes, ele deu a entender que o PSDB tinha direito à Comissão de Relações Exteriores:

— Se houve algum atropelo, é lamentável. Desculpe se houve alguma inconveniência e o pessoal do PSL não entendeu. Mas todas as outras comissões, elas vão de acordo com as pedidas. E as pedidas vão de acordo com a proporcionalidade.

Em meio à tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, Lira prometeu a eleição da presidência dos colegiados para a próxima terça-feira. O funcionamento delas, porém, só ocorrerá depois, em data indefinida. Se a CCJ fosse instalada antes da tramitação da PEC, o texto teria que percorrer um caminho mais longo para ser aprovado.

O presidente da Câmara tentou minimizar a confusão:

— Tem imbróglio nenhum. Só não houve acordo nas pedidas e nós demos um tempo a mais para que os líderes se entendam. Se não se entenderem, será feito na ordem de prioridade de proporcionalidade, sem nenhum estresse.

INDICAÇÃO “AMADURECIDA”

Bia Kicis recebeu ontem um aceno público de Lira, para quem sua indicação para a CCJ foi “amadurecida” no Congresso. O presidente da Câmara articulou nas últimas semanas para manter o acordo da indicação da bolsonarista. Parte importante desse movimento foi uma conversa dura que teve com a deputada, em que ela se comprometeu a agir de forma ponderada.

Lira disse a Bia que, se ela não fizer um trabalho minimamente equilibrado, ele irá esvaziar as funções da CCJ. A comissão é responsável por analisar a legalidade e constitucionalidade das propostas legislativas. O presidente da Câmara afirmou que avocaria todas essas discussões para o plenário — o que pode fazer com aval dos líderes —, se não houver uma boa coordenação dos trabalhos na comissão.

Nessa conversa, Bia se comprometeu a não usar a CCJ como um palanque para pautas bolsonaristas e a ouvir deputados de todos os partidos, inclusive da oposição. Lira relatou a conversa aos líderes, atuando para diminuir a resistência ao seu nome.

— Se o PSL indicar e mantiver o nome, quero crer que não há óbice. A Câmara já amadureceu essa questão —afirmou Lira, ontem.

Bia Kicis é investigada nos inquéritos das fakes news e dos atos antidemocráticos no Supremo Tribunal Federal (STF). Em conversas com deputados desde que seu nome foi anunciado, a deputada disse que há uma diferença entre o perfil que adota como ativista nas redes sociais e o que terá à frente de uma comissão. Argumentou que, no seu passado como procuradora do Distrito Federal, tinha um perfil mais comedido. Citou a nota de apoio à sua indicação assinada por 60 procuradores do Distrito Federal como argumento. Prometeu uma atitude coerente com o cargo que deve ocupar.