O Globo, n. 31982, 28/02/2021. Economia, p.27

 

O efeito colateral do intervencionismo

 

RISCO BOLSONARO DIFICULTA INVESTIMENTOS PRIVADOS EM INFRAESTRUTURA

 

BRUNO ROSA E GLAUCE CAVALCANTI

economia@oglobo.com.br

 

Acrise em torno da troca de comando da Petrobras elevou o risco político do plano de concessões e privatizações do governo. Além das dificuldades de colocar os leilões de pé e aprovar os projetos necessários no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro gerou mais um obstáculo à atração de investimentos privados na área de infraestrutura ao intervir na estatal para trocar a direção e ao se queixar da política de preços dos combustíveis, avaliam especialistas e consultores empresariais. Levantamento inédito da Inter.B Consultoria mostra que, em 2020, os investimentos em infraestrutura no país somaram R$ 124,6 bilhões, o menor patamar desde 2007, quando foi de R$ 100,8 bilhões. Para Cláudio Frischtak, especialista em infraestrutura à frente da consultoria, o ambiente gerado pela crise na Petrobras — cujas ações caíram mais de 20% só na segundafeira, com recuperação parcial nos dias seguintes — tende a levar empresas a pisarem no freio dos investimentos: —Todaessainterferênciana Petrobras cria uma camada de incerteza entre os investidores, que desaceleram o seu processo de decisão de investir. Por isso, no melhor cenário, o ano de 2021 em termos de investimentos empata com 2020, que foi afetado pela pandemia do coronavírus. Na sexta-feira, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, colocou seu cargo à disposição de Bolsonaro. É mais um resultado da pressão do presidente sobre estatais por motivos políticos. Em janeiro, Bolsonaro quase o demitiu após o anúncio de um plano de demissão voluntária e de fechamento de agências. Foi adiante no caso do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defenestrado por não deixar de reajustar os preços dos combustíveis diante da alta da cotação internacional do petróleo. O tema é sensível aos caminhoneiros, parte da base eleitoral do presidente. Deve ser substituído pelo general Joaquim Silva e Luna mesmo depois de a estatal apresentar lucro recorde de R$ 59,8 bilhões nos três últimos meses de 2020.

 

INCERTEZA CRESCENTE

Para analistas, o episódio ampliou o clima de incerteza em relação ao governo. Isso pode ter três consequências práticas na infraestrutura: afastar investimentos em uma economia que precisa voltar acresce regerarem pregos; atrasara solução, pelo setor privado, de gargalos em áreas como saneamento e transporte, que impactam a vida da população; e reduzir a capacidade de arrecadação do governo com a venda de estatais e leilões de concessões, em meio ao desequilíbrio das contas públicas. No fim de 2020, o governo anunciou que pretende realizar mais de 50 concessões e renovações de contratos e vender nove estatais em 2021, incluindo Eletrobras e Correios, objetos de uma medida provisória e um projeto de lei para encaminhar a privatização entregues por Bolsonaro na semana passada num gesto para tentar acalmar o mercado. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, estimou que o pacote, no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), tem potencial de gerar R$ 137,5 bilhões em investimentos. Estão incluídos duas dezenas de aeroportos, quase 20 terminais portuários, duas ferrovias, 11 rodovias e a Companhia Docas do Espírito Santo.

A esse volume se somam projetos nos estados, como o da privatização da Cedae, no Rio, que pode gerar R$ 32,5 bilhões em obras de saneamento. O leilão do 5G, cujo edital foi aprovado na semana passada e deve ocorrer até julho, tem potencial de movimentar até R$ 35 bilhões, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A maior parte será em obrigação de investimentos pelas teles até 2025.

Os projetos, no entanto, podem ter o impacto econômico reduzido se houver menor interesse dos investidores diante do risco político em estatais ou em áreas reguladas pelo governo. Para Frischtak, a desvalorização de estatais e a piora na classificação de empresas brasileiras por agências de avaliação de risco na semana passada já refletem a maior incerteza entre os investidores. O valor de venda de uma estatal, por exemplo, é afetado. Nas concessões, atendênciaéo riscos er precificado, oque joga para baixo o que as empresas estarão dispostas apagara o governo em outorga sou a investir nos projetos delongo prazo, explica Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral:

— O governo é visto como risco, o investidor foge de projetos em companhias que tenham o dedo dele, como Petrobras, Banco do Brasil. As empresas de capital misto vão sofrer mais. Nas concessões, em que o governo abre mão do controle e se afastada tentação de interferir, o investidor aposta. Mas vai precificar o risco. André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, vê uma “bandeira amarela” para o investidor: —Ela diz: fique longe de empresa sem que o governo tem influência relevante na gestão. (Colaborou Manoel Ventura)