O Globo, n. 31982, 28/02/2021. Sociedade, p.11

 

 

Mulheres e a pandemia

 

Brasileiras são as mais impactadas pela Covid-19 no dia a dia, apesar de homens morrerem mais

 

ALINE RIBEIRO

amoraes@edglobo.com.br

 

Embora os homens morram mais de Covid-19, são as mulheres as mais impactadas pela pandemia no dia a dia. E não se trata só da sobrecarga nas tarefas domésticas, das aulas online, do acúmulo de trabalho ou, na outra ponta, do desemprego. A crise é também de saúde mental, como mostra pesquisa da agência humanitária Care International. O coronavírus expôs, como nunca, a falácia da igualdade de gêneros e vem colocando toda uma geração no limite.

As mulheres, em especial as mães, passaram o último ano se equilibrando entre tarefas. Como o espaço de trabalho invadiu a casa, o tempo gasto com atividades profissionais se misturou à dedicação aos filhos, à organização do lar, à limpeza e aos cuidados com os outros. Não faltam estatísticas mundiais para tratar da problemática. No Brasil, pesquisa da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista mostrou a gravidade do tema. Segundo levantamento feito com 2.641 entrevistadas, metade das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. Do total, 41% afirmaram trabalhar mais na quarentena. E o isolamento social colocou em risco o sustento dos lares de 40% delas.

— A pandemia deixou evidente essa crise do cuidado, algo pouco falado, mas que mostra uma dimensão da vida que não é regida por mercado e relação de trabalho. Historicamente, os cuidados são responsabilidade da mulher. É uma complicação que não é discutida nem na esfera pública, nem na privada — diz Martha Bruno, diretora de conteúdo da Gênero e Número.

Para Joanna Burigo, mestre em gênero, mídia e cultura pela London School of Economics (LSE), a chegada dessa crise global humanitária acelerou as discrepâncias entre gêneros.

—A pandemia expôs problemas que requerem medidas de urgência e também de organização institucional. Nesse sentido, ela acentuou diferenças que já existiam na sociedade, mas que estávamos acostumados a naturalizar —afirma Burigo.