O Globo, n. 31982, 28/02/2021. País, p.8

 

Desmatamento avança sobre terra de índios isolados em MT

 

Alvo de madeireiros, Território Indígena Piripkura aguarda demarcação há 40 anos e já perdeu 5% da floresta original

 

DANIEL BIASETTO

daniel.biasetto@oglobo.com.br

 

Cobiçada por madeireiros e invasores enquanto o seu processo de demarcação se arrasta por quase 40 anos, a Terra Indígena Piripkura, em Mato Grosso, considerada a porta de entrada da Amazônia Legal, tornou-se em apenas cinco meses o território mais devastado entre as áreas com a presença de povos isolados. Dos 962 hectares de floresta desmatados por grileiros no ano passado, 919 foram destruídos entre agosto e dezembro.Aextensão,queequivale a quase mil campos de futebol, ocorre dentro de um espaço legalmente definido pelo governo federal e identificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), desde 1985, como de uso restrito para não índios —portanto, deveria estar intacto. A área total é de 243 mil hectares.

Em janeiro, mês de chuva e teoricamente de maior dificuldade para ação dos invasores, a motosserra não cessou, e a floresta de Piripkura teve outros 375 hectares devastados, 90% de todo o desmatamento verificado entre os 15 territórios com índios isolados monitorados pelo Instituto Socioambiental (ISA). As Terras Indígenas Araribóia, no Maranhão, e UruEu-Wau-Wau, em Rondônia, vêm em seguida no ranking, com 375 e 294 hectares derrubados, respectivamente. Ambas têm forte presença de garimpeiros e madeireiros. Os dados obtidos pelo GLOBO e elaborados pelo ISA a partir de imagens de satélites serão apresentados amanhã. A portaria da Funai que restringe a presença de não índios na área precisa ser renovada a cada três anos; a próxima atualização deve ocorrer em setembro. No entanto, para indigenistas, esse documento é considerado um instrumento frágil para conter o avanço de invasores. Tamanha lentidão para avançar nos estudos de reconhecimento causa insegurança jurídica no processo, o que facilita a ação de criminosos, que se aproveitam da não regularização da terra. No total, Piripkura já perdeu 4,65%desuaflorestaoriginal.

—Se você comparar a taxa de desmatamento, ou seja, o quanto se desmatou por hectare da terra indígena, esses números de Piripkura chegam a ser superiores ao desmatamento de áreas muito maiores, como as do Xingu, sem a presença de povos isolados —afirma Antônio Oviedo, coordenador de pesquisas do ISA.