Correio Baziliense, n.21114 , 16/03/2021. Brasil, p.5

 

Saúde em colapso total até o final deste mês

Fernanda Strickland

16/03/2021

 

 

Governadores garantem que sistemas público e privado rumam para a paralisação total não só por falta de leitos de UTI, mas também de material e medicamentos para a intubação de pacientes com covid-19, além da dificuldade na reposição de profissionais especializados

Em audiência, ontem, no Senado, na comissão de acompanhamento das medidas contra a covid-19, governadores de quatro estados alertaram que a pandemia do novo coronavírus pode provocar o colapso total dos hospitais públicos e privados até o fim deste mês. Isso porque não apenas faltará leitos de unidade de terapia intensiva (UTIs), mas, também, o sistema caminha para sofrer com a ausência de pessoal especializado e do chamado "kit intubação", conjunto de medicamentos e equipamentos usados para fazer com que um paciente receba oxigenação artificial — o primeiro estado a denunciar a falta desses elementos foi Santa Catarina, há menos de 10 dias.

Esse é o segundo grupo de governadores ouvido pela comissão para relatar como está a situação da pandemia nos seus estados. O governador João Doria foi enfático ao dizer que a estrutura de São Paulo está à beira da completa paralisação. "Jovens com 18, 19, 20 e 25 anos estão sendo hospitalizados em UTIs. São Paulo tem a mais robusta estrutura hospitalar da América Latina, em hospitais públicos e privados. Não há condição de formarmos profissionais para as ações em UTIs. Estamos todos, no Brasil, vivendo um momento de profunda dificuldade e à beira de um colapso total", assegurou.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, relatou que a escalada de casos e mortes em fevereiro foi cinco vezes mais agressiva do que a que se viu nas outras ondas. "Fugiu completamente ao normal da própria pandemia. Vamos até o início do mês de abril com crescimento de ocupação de leitos e vamos ter ainda, infelizmente, aumento de mortalidade por mais algumas semanas. Tivemos no ano passado cerca de 500 óbitos por semana. Já estamos em 1,2 mil. E, infelizmente, as projeções indicam que chegaremos a 2 mil óbitos por semana", lamentou.

Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, relatou que a situação do estado se agravou muito na última semana, pois a ocupação de leitos de UTI saltou de 70% para 88%. "Estamos com mais de 20 estados com o sistema em colapso. Enquanto o sistema está atendendo, o óbito pode ser um pouco mais controlado. Depois que o sistema entra em colapso, as pessoas passam a perder a vida em leitos de unidades de pronto atendimento. Este é um problema grave", alertou.

Já o governador do Maranhão, Flávio Dino, cobrou da União o pagamento de leitos de UTI criados nos estados. Ele entrou na Justiça para assegurar o credenciamento das unidades de terapia desabilitadas no início deste ano. "Chegamos a ter apenas 300 pacientes com coronavírus internados no Maranhão em dezembro. Hoje, vamos chegar a 2 mil novamente. Tivemos uma multiplicação de seis em dois meses, praticamente. São 1.568 leitos estaduais para coronavírus, fora municípios e rede privada, com a ocupação girando entre 80% e 90% há várias semanas", disse.

Ameaças e agressões

Mas, além de pedir o apoio do Senado para a negociação, compra e entrega de vacinas contra a covid-19, os governadores ouvidos ontem denunciaram ameaças a parentes durante manifestações do último final de semana contra as medidas que foram obrigados a tomar nos seus estados para conter o avanço da pandemia da covid-19. Todos prestaram solidariedade a Renato Casagrande, cuja mãe, de 88 anos, foi atacada verbalmente, no último domingo, por apoiadores do governo Bolsonaro — manifestantes com carro de som fizeram ameaças em frente ao seu endereço.Os governadores voltaram, também, a apontar a inexistência de uma coordenação nacional que atue para referendar as medidas preventivas aplicadas pelos governos estaduais. E pediram a participação do Senado em negociações diplomáticas com outros países para aquisição das vacinas."O governo tem que passar a exercer uma coordenação dessa ação, o que não fez até agora, contraditoriamente. O governo federal ajudou estados e municípios no ano passado com recursos e vai continuar ajudando neste ano, mas, contraditoriamente, na política e na ideologia, o governo acaba tendo um comportamento que atrapalha muito o enfrentamento à pandemia. Então, é preciso que o governo mude, mas nós não acreditamos muito na mudança", disse Casagrande.