O globo, n. 31979, 25/02/2021. País, p. 6

 

Para perguntas inconvenientes, ataques e rompantes

Filipe Vidon

25/02/2021

 

 

Bolsonaro tem histórico de reações impulsivas sempre que questionado sobre assuntos incômodos. Ontem, o presidente encerrou abruptamente uma entrevista quando um repórter quis saber sua opinião sobre a decisão do STJ favorável a seu filho Flávio

Em novo rompante diante de uma pergunta incômoda, o presidente Jair Bolsonaro encerrou uma entrevista coletiva ontem em Rio Branco, no Acre, ao ser questionado por um repórter sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de anular a quebra de sigilo bancário de seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), denunciado pelo MP-RJ no caso da “rachadinha” por organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Na terça-feira, ministros da Quinta Turma do STJ aceitaram recurso da defesa do senador.

Antes que a pergunta fosse concluída, Bolsonaro interrompeu o jornalista, anunciou o encerramento da coletiva e se retirou do palanque: “Presidente, qual a avaliação que o senhor fez da decisão do STJ ontem de derrubar a quebra dos sigilos fiscais...”, perguntou o jornalista. “Acabou a entrevista”, dispara o presidente, que visitou a capital do Acre para acompanhar ações contra as cheias que assolam várias cidades do estado e já deixaram dezenas de milhares de desabrigados 

Esta não é a primeira vez que Bolsonaro se irrita, ataca jornalistas ou interrompe entrevistas quando questionado sobre o processo na Justiça envolvendo o filho e o ex-assessor.

Em agosto do ano passado, num evento em Ipatinga (MG), Bolsonaro chamou um repórter do GLOBO de “otário” ao ser questionado sobre os motivos que levaram a primeiradama, Michelle Bolsonaro, a receber depósitos de Queiroz e da mulher dele no valor de R$ 89 mil:

—Você é um otário, rapaz. Otário.

Três dias antes, dessa vez em Brasília, o mesmo assunto fez o presidente disparar contra um repórter jornal, que também foi chamado de safado:

—Estou com vontade de encher a tua boca na porrada, tá?

O ataque do presidente motivou a publicação de uma nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ), que condenou o comportamento do presidente. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também se manifestaram.

“É lamentável que mais uma vez o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista. Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição”, disse a ANJ.

Já em dezembro de 2019, foi a vez de o presidente, na frente do Palácio da Alvorada, dizer a um repórter que perguntou o que poderia acontecer com Flávio se ele tivesse cometido um deslize no caso das “rachadinhas”:

—Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual. Você fala “se”, “se”, “se” o tempo todo.

De acordo com Bolsonaro, o Ministério Público do Rio de Janeiro faz um “trabalho porco”, e a imprensa só vê “um lado” da investigação. Na ocasião, ele também se negou a responder se tinha o comprovante do empréstimo de R$ 40 mil que diz ter feito a Queiroz.

—Pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai, está certo? Querem comprovante de tudo —afirmou Bolsonaro.

O presidente virou-se então para outro repórter e questionou:

—Você tem nota fiscal desse relógio que está contigo nesse teu braço? Não tem. Não tem. Você tem nota fiscal do seu sapato? Não tem. Você tem do seu carro, talvez nem tenha nota fiscal, mas tem o documento. Tudo tem que ter nota fiscal, comprovante?

ÁUDIO DE QUEIROZ

Durante uma passagem por Pequim, na China, em outubro de 2019, Bolsonaro novamente desviou de perguntas sobre a repercussão de um áudio de WhatsApp, divulgado pelo GLOBO, em que Queiroz fala a um interlocutor sobre cargos no Congresso que poderiam ser usados por aliados, em outros gabinetes que não os da família Bolsonaro:

—Eu não sei dessa informação. Por favor, por favor. O (Fabrício) Queiroz cuida da vida dele, eu cuido da minha. Por favor, a minha preocupação aqui para eu não acabar a entrevista com vocês é tratar das questões do interesse de todos os brasileiros.