O globo, n. 31973, 19/02/2021. Economia, p. 19

 

Bolsonaro critica reajuste da Petrobras

Manoel Ventura

Gustavo Maia

Bruno Rosa

19/02/2021

 

 

Presidente diz que algo vai acontecer na estatal e promete zerar imposto do diesel

No dia em que a Petrobras anunciou o quarto aumento no preço da gasolina este ano e o terceiro no do diesel, o presidente Jair Bolsonaro criticou a petroleira em transmissão nas redes sociais e disse que “alguma coisa vai acontecer” na estatal nos próximos dias. Segundo analistas de mercado, a declaração marca um desgaste no relacionamento entre Bolsonaro e o presidente da empresa, Roberto Castello Branco. Além disso, Bolsonaro prometeu zerar por dois meses os impostos federais (PIS e Cofins) sobre o diesel e zerar em caráter permanente os que incidem sobre o gás de cozinha. Ele não especificou como conseguirá compensar a perda de receita.

A partir de hoje, o valor cobrado pela gasolina nas refinarias vai subir 10,2%, para R$ 2,48. No ano, o combustível acumula alta de 34,7%. Ainda não se sabe quanto do novo reajuste será incorporado ao preço do produto nas bombas, pois outros fatores interferem no valor final ao consumidor, como tributos e lucro das distribuidoras.

No caso do diesel, produto cujos aumentos têm sido alvo de queixas pelos caminhoneiros, o valor vai subir 15,1%, para R$ 2,58 por litro na refinaria. No ano, acumula avanço de 27,7%.

A Petrobras ressaltou que os preços praticados e suas variações estão associados ao comportamento do mercado internacional e à taxa de câmbio. Atualmente, o preço do barril de petróleo se encontra acima de US$ 60, o maior patamar desde o início de 2020. Ontem, ele fechou a US$ 63,93. A onda de frio que assola os Estados Unidos vem pressionando as cotações, já que há redução na produção nas refinarias americanas e um aumento no consumo de energia para aquecimento. Para especialistas, a tendência é de alta e, para manter a paridade com o mercado internacional, a estatal pode ter de adotar novo aumento adiante.

‘VAI TER CONSEQUÊNCIA’

Bolsonaro disse na transmissão que “não tem quem não ficou chateado com o reajuste”. Ele reafirmou que a empresa tem autonomia para definir os preços dos combustíveis, mas classificou o aumento como “fora da curva”.

— Teve um aumento, no meu entender, e vou criticar, um aumento fora da curva da Petrobras. Dez por cento hoje na gasolina e 15% no diesel. É o quarto reajuste no ano. A bronca sempre vem para cima de mim, só que a Petrobras tem autonomia.

Em seguida, disse, sem dar detalhes, que algo “vai acontecer” na Petrobras e citou a iniciativa de zerar impostos federais de diesel e gás de cozinha:

—Mas eu não posso interferir, e nem iria interferir na Petrobras. Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias, você tem que mudar alguma coisa. Vai acontecer.

Bolsonaro fez uma crítica direta ao presidente da estatal:

— Você vai em cima da Petrobras e ela fala: “Opa, não é obrigação minha”. Ou como disse o presidente da Petrobras, há poucos dias: “Não tenho nada a ver com caminhoneiro. Eu aumento o preço aqui, não tenho nada a ver com caminhoneiro”. Foi o que ele falou, o presidente da Petrobras. Isso vai ter uma consequência, obviamente. Não tenho nada a ver com isso.

Em relatório, André Perfeito, economista-chefe da Necton, disse que a declaração traz cautela aos investidores. “O presidente flerta nesse sentido com certo populismo fiscal e faz uma ameaça direta à Petrobras que forçará os investidores para alguma cautela. Não queremos dizer com isso que o Palácio do Planalto

irá fazer algo de fato, mas o episódio revela, mais uma vez, que há grande desconforto com a política de preços da estatal”, escreveu.

Segundo uma fonte próxima à estatal, quarta e quinta feira, quando a Petrobras informou ao governo sobre o reajuste, foram “dias tensos” na companhia. Procurada, a Petrobras não quis comentar as declarações de Bolsonaro.

De acordo com uma fonte próxima à Petrobras, Castello Branco teria dito que vai “até o limite”, porque não pode ir contra seu Conselho de Administração e os acordos feitos com o Cade, órgão regulador da concorrência.

— Sempre que os governos tentam interferir na Petrobras, a companhia perde — afirmou Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

IMPACTO DE R$ 3 BILHÕES

Bolsonaro defendeu zerar impostos federais sobre diesel por dois meses e gás de cozinha em caráter permanente. O presidente tem tentado reduzir os impostos sobre combustíveis para atender demandas de caminhoneiros. Mas para isso é preciso encontrar compensação orçamentária, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

— Hoje à tarde, reunido com a equipe econômica, tendo à frente o ministro Paulo Guedes, decisão nossa: a partir de 1º de março não haverá mais qualquer tributo federal no gás de cozinha. Adeternum. Não haverá qualquer tributo federal no gás de cozinha, que está em média R$ 90 na ponta da linha. E o preço na origem está um pouco abaixo de R$ 40 —disse.

Hoje, o imposto sobre o GLP é de apenas 3%, o que terá impacto fiscal pequeno. Bolsonaro anunciou a redução do imposto sobre o diesel, que hoje é de R$ 0,35 por litro. Neste caso, nos cálculos de Caio Megale, economista chefe da XP Investimentos, o impacto em um bimestre chega a R$ 3 bilhões.

— A partir de 1º de março, não haverá qualquer imposto federal no diesel por dois meses. Nesses dois meses vamos estudar uma maneira definitiva de buscar zerar esse imposto no diesel, até para ajudar a contrabalancear esse aumento no meu entender excessivo da Petrobras — afirmou Bolsonaro.

O Ministério da Economia disse que ainda não tem as informações sobre o impacto das medidas.