Valor econômico, v. 21, n. 5194, 24/02/2021. Brasil, p. A6

 

Em nova derrota, Brasil perde disputa por chefia do órgão de aviação da ONU

Daniel Rittner

24/02/2021

 

 

Fracasso da candidatura de brigadeiro decepcionou não só Itamaraty como também Ministério da Infraestrutura

O Brasil foi derrotado ontem em sua campanha para assumir o comando da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), agência do chamado Sistema ONU, com sede em Montreal.

O brigadeiro Ary Rodrigues Bertolino, que já chefiou diversos órgãos na Força Aérea Brasileira (FAB), teve apenas quatro votos e ficou fora do segundo turno da disputa para a sucessão da chinesa Fang Liu na secretaria-geral da OACI. O colombiano Juan Carlos Salazar e o mexicano Gilberto López Meyer avançaram na eleição.

Houve decepção em Brasília com o fracasso da candidatura de Bertolino. Não apenas no Itamaraty, mais diretamente responsável pela articulação internacional, com vários embaixadores no exterior tendo sido acionados para pleitear votos a favor do brigadeiro nos países onde estão lotados. O sentimento também era de frustração no meio militar e no Ministério da Infraestrutura, que considerava importante ter um brasileiro no comando da OACI.

Desde a saída do diplomata Roberto Azevêdo da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do engenheiro agrônomo José Graziano da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), as principais entidades do Sistema ONU estão sem nenhuma chefia brasileira.

O Brasil não teve sucesso em outras candidaturas para organismos multilaterais nos últimos meses. As derrotas incluem nomes para o Tribunal Internacional do Direito do Mar e para o Tribunal Penal Internacional, em Haia, que julga crimes contra a humanidade. Críticos do governo Jair Bolsonaro costumam atribuir essas derrotas à imagem negativa do presidente na mídia estrangeira, embora seja impossível medir o real impacto disso.

No ano passado, o Brasil se preparava para lançar candidatura à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas acabou desistindo para apoiar o nome indicado pela gestão Donald Trump - o americano Mauricio Claver-Carone.

Ao contrário da expectativa inicial, porém, nenhuma das quatro vice-presidências ficou com indicado do Brasil. Claver-Carone chegou a oferecer um cargo a Alexandre Tombini, ex-presidente do Banco Central e a quem havia conhecido no Fundo Monetário Internacional (FMI), mas houve veto da equipe econômica. Também não prosperou o plano de emplacar Carlos Da Costa, secretário especial de Produtividade e Competitividade, ao comando do BID Invest - braço do banco para o setor privado.

Na OACI, pelo sistema de rodízio informal adotado em muitos organismos internacionais, com um acordo de cavalheiros garantindo a alternância de chefia por regiões do planeta, caberia agora à América Latina e o Caribe a indicação do novo secretário-geral.

A entrada em cena de um candidato tunisiano, rompendo esse trato, dificultou as conversas com países do continente africano e do mundo árabe. Um representante da República Dominicana também estava no páreo.

No fim, o colombiano recebeu 17 votos e o mexicano teve 11 apoios. Salazar é diretor-geral do órgão de aviação civil da Colômbia. López Meyer atua como vice-presidente-sênior de segurança e operações da Iata - associação internacional das companhias aéreas. Tinham direito a voto somente os 36 países que formam parte do conselho da OACI. O segundo turno ocorrerá amanhã.

Para o governo Bolsonaro, era considerado relevante estar à frente da organização porque o mercado brasileiro é um dos seis maiores do mundo e ainda tem amplo potencial de crescimento.

A OACI deverá lidar, nos próximos anos, com inúmeras discussões fundamentais no setor: a recuperação da pandemia e protocolos sanitários, iniciativas para a redução de gases-estufa, questões relacionadas à segurança operacional - como as restrições técnicas, apenas recentemente levantadas, que paralisaram a operação de aviões Boeing 737 Max.

Bertolino, que é piloto militar e instrutor de voo, foi responsável pela implantação do Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA) no Brasil. Atualmente, o brigadeiro é assessor aeronáutico da representação diplomática do Brasil junto à OACI.