Correio Braziliense, n. 21108, 10/03/2021. Brasil, p. 5

 

Entrevista - Ricardo Salles

10/03/2021

 

 

O Brasil terá, em abril, uma oportunidade de provar ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que está disposto a mudar a política ambiental do governo Bolsonaro — que não reconhece a devastação da Amazônia e, há tempos, afirma que as pressões pela preservação são apenas porque as nações mais desenvolvidas cobiçam as riquezas do subsolo. Na Cúpula da Terra, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vai não apenas com a missão de reafirmar os compromissos brasileiros, mas, também, para lembrar às principais nações do planeta que há o compromisso financeiro delas com a preservação. Para ele, a piora nos índices de desmatamento se deve ao fato de que os governos anteriores pouco fizeram em favor da população que vive e produz na Amazônia. Em entrevista ao CB.Poder, uma parceria do Correio com a TV Brasília, Salles disse, ainda, sobre os parques do país e os projetos do governo federal para essas áreas.

Em abril, haverá o Earth Summit, a Cúpula da Terra. É o primeiro encontro chamado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A imagem do Brasil tem condições de melhorar no exterior a partir desta reunião?

O Brasil tem um papel relevantíssimo no tema, já está mostrando que colaborará, que tem uma postura construtiva e quer encontrar caminhos com outros países. Mas defendendo, também, sempre o interesse primordial dos brasileiros. Então, essa é uma questão importante para nós defendermos os brasileiros e ajudar nos temas de interesse mundial.

Qual resposta o Brasil dará em relação ao desmatamento? Como é que muda essa imagem?

É importante lembrar que o desmatamento vem crescendo na Amazônia desde 2012, não é um fenômeno que acontece no governo atual. E a razão pela qual o desmatamento cresce é porque não se soube olhar para as pessoas. Nós deixamos mais de 23 milhões de brasileiros para trás. Esses brasileiros, que mereciam ter sido cuidados junto com a questão ambiental, no mesmo patamar de importância, foram deixados para trás. Essa talvez seja a grande explicação do desmatamento aumentar. Reconhecendo que, de 100% das emissões globais de gases de efeito estufa, o Brasil representa apenas 3%, dentro dos nossos 3%, a metade se refere ao desmatamento ilegal, mas colocando as pessoas no centro dessa política pública. Cuidar das pessoas é ir contra o desmatamento ilegal. Nós chamaremos os países para participar desse esforço, para colocar os recursos que foram prometidos.

Quanto é preciso para resolver o problema?

Por ocasião da renovação do compromisso brasileiro, colocamos uma cifra anual de US$ 10 bilhões. Então, o Brasil, recebendo, a partir deste ano, US$ 10 bilhões, conseguirá antecipar sua neutralidade de carbono, que foi colocada no documento exatamente no mesmo prazo que a China colocou, 2060.

 De onde virá esse dinheiro? O mundo está passando por recessão e uma pandemia. Que países farão esse aporte ao Brasil?

Talvez o mais evidente seja o mecanismo do Acordo de Paris, o artigo 6º, que permite o mercado de transação de crédito de carbono, que foi a grande promessa por ocasião da assinatura do acordo, em 2015. Essa era a promessa, que os países ricos disponibilizaram US$ 100 bilhões por ano aos países em desenvolvimento, a partir de 2020. Mas isso não aconteceu.

No Cerrado, temos muitos parques. Como está o projeto Adote um Parque na região?

Das 334 unidades de conservação federais, o Adote um Parque começou pelos 132 da Amazônia. Mas queremos expandir o programa para outros biomas, inclusive o Cerrado. Começamos pela Amazônia, que é uma área de grande clamor internacional, mas o programa permite em outros biomas.

No DF, temos o Parque Nacional de Brasília. Como será adotado? Está no projeto?

Diferentemente do Adote um Parque estamos caminhando com a concessão, para uma empresa privada poder investir e explorar.

Qual a diferença?

O Adote um Parque é um patrocínio. O parque continua sob a administração e fiscalização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o patrocinador doa recursos para adquirir, por exemplo, viaturas ou ter um sistema de replantio em área degradada, reconstituição de estruturas que estejam degradadas também. É uma doação efetivamente: o patrocinador não tem exploração econômica alguma. Na concessão, é diferente. Tem um plano de negócios, tem um período de 30 anos, tem investimentos. A pessoa monta restaurantes, faz trilha, coloca os atrativos e também se remunera por isso, porque é uma concessão com fins econômicos. No Parque Nacional de Brasília, lançamos os editais para que se possa avançar na concessão. E isso será muito bom, porque a sociedade de Brasília terá um parque ainda melhor, com mais investimento, mais atrativos.

Que outros parques vão entrar neste ano? Dá tempo?

No Ceará, será Jericoacoara. No Mato Grosso, Chapada dos Guimarães. No Rio Grande do Sul, será o de Canela, em São Francisco de Paula. Estamos fazendo nove parques ao mesmo tempo, em todo território brasileiro.

O Orçamento está apertado. Como o senhor fará para manter as fiscalizações?

A escassez é uma realidade desde sempre. O Brasil viveu, no passado, momentos de excesso de liquidez orçamentária e não fez ao mesmo tempo o dever de casa, de dar maior eficiência ao gasto público. Resultado: gerou deficit. A obrigação do governo é gastar melhor o dinheiro do contribuinte, com maior eficiência. Administrar é escolher.