Correio Braziliense, n. 21108, 10/03/2021. Política, p. 2

 

Um bombardeio contra Moro

Israel Medeiros

10/03/2021

 

 

 Recorte capturado

O ex-juiz Sergio Moro foi alvo de duras críticas, ontem, durante julgamento na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, que acusa o ex-magistrado de ter sido parcial nos processos envolvendo o petista na Operação Lava-Jato. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram contra Moro, e o placar está empatado em 2 x 2. A sessão foi suspensa por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques e não tem data definida para ser retomada.

O julgamento estava suspenso desde 2018, quando Gilmar Mendes pediu vista. O processo foi colocado na pauta por ele um dia depois de o relator do processo, Edson Fachin, anular as condenações do ex-presidente no caso do tríplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP) e do Instituto Lula. Fachin tentou suspender a sessão de ontem, mas a maioria votou pelo prosseguimento.

O voto de Gilmar Mendes foi extremamente duro contra Moro, tratado por ele como "juiz acusador". Segundo o ministro, a "absoluta contaminação da sentença proferida pelo magistrado resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão de acusação", numa referência ao envolvimento do então magistrado com os investigadores da Lava-Jato.

"O resumo da ópera é: você não combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um terá o seu tamanho no final da história", enfatizou Mendes. "O combate à corrupção é digna de elogios, mas o combate à corrupção deve ser feito dentro dos moldes legais." Ele destacou que "a Justiça Federal está vivendo uma imensa crise a partir deste fenômeno de Curitiba, que se nacionalizou".

Uma das críticas de Mendes foi sobre a ordem de condução coercitiva de Lula, em 2016, episódio classificado pelo ministro como "hediondo espetáculo policialesco". O petista foi levado para prestar depoimento no aeroporto de Congonhas, em São Paulo — ação que Moro justificou como uma tentativa de evitar tumultos.
Essa versão foi questionada por Mendes: "O juiz propiciou uma exposição atentatória à dignidade e à presunção de inocência do investigado". A decisão de Moro, conforme afirmou o ministro, lhe deu a "absoluta clareza" de que a imparcialidade do então juiz seria maculada.

Mendes ressaltou, ainda, o levantamento do sigilo, por parte de Moro, da delação premiada de Antonio Palocci às vésperas das eleições de 2018, que consagrou o presidente Jair Bolsonaro, e o fato de o então magistrado ter aceitado, em seguida, um cargo no governo, de ministro da Justiça. "A rigor, a pretensão política do ex-juiz Sergio Moro se evidenciou logo com a eleição do partido de oposição àquele de Luiz Inácio Lula da Silva", frisou. "Narra-se, inclusive, que as tratativas entre o presidente eleito e o ex-juiz Sergio Moro iniciaram-se em momento anterior, ainda durante a campanha presidencial."

Segundo Mendes "houve evidente atuação inclinada a condenar e prender Luiz Inácio Lula da Silva a qualquer custo, fazendo o que fosse necessário, até a violação de direito fundamental que, eventualmente, isso obstar". "A extrema perplexidade com a aceitação de um cargo político no governo que o ex-magistrado ajudou a eleger não passou desapercebida pela comunidade acadêmica nacional e internacional", disparou.
"A luta contra a corrupção é hoje uma questão essencial para todos os cidadãos do mundo, assim como o é a defesa da democracia. Entretanto, no caso de Lula, não só a Justiça foi instrumentalizada para fins políticos, mas o Estado de direito foi claramente desrespeitado para eliminar o ex-presidente da disputa política." Na conclusão do voto, Mendes afirmou que a suspeição do ex-juiz diz respeito especificamente a Lula, não sendo possível beneficiar outros réus da Lava-Jato.

Simulacro
Mesmo com o pedido de vista de Nunes Marques, Lewandowski quis adiantar a apresentação do voto dele. O ministro também destacou que Moro cometeu abuso de poder na condução dos trabalhos. Para o magistrado, o então juiz da 13ª Vara de Curitiba agiu com "indisfarçável parcialidade", o que levou à condenação do réu.

Ele reforçou que o vazamento de mensagens de procuradores pelo portal The Intercept, a partir de 2019, evidencia ainda mais o que já se mostrava óbvio. "O paciente foi submetido não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos", comentou.

Já a ministra Cármen Lúcia, que votou contra a suspeição de Moro em 2018, apresentará um novo voto, o que pode significar uma mudança de posicionamento.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Lava-ficha suja 

Alexandre Garcia 

10/03/2021

 

 

De repente, um único juiz decide que estão anulados processos por corrupção do ex-presidente Lula, porque estariam na vara errada. Vale dizer, anuladas as condenações que haviam passado pelo tribunal revisor, o da 4ª Região, em Porto Alegre, e por uma 3ª instância no STJ. Ao mesmo tempo, se lança a versão de que seria para isentar Sergio Moro de suspeição. Se assim fosse, bastaria anular o do triplex, pois a condenação do caso de Atibaia é da juíza Gabriela Hardt.

A decisão de Fachin ainda carece de muitas explicações, sobre como julgou. Fico me perguntando: se a 13ª Vara não era a apropriada, por que tudo continuou, por cinco anos? A Lava-Jato, símbolo da reação do país contra uma gigantesca corrupção institucionalizada, foi sendo desmontada quando o Supremo decidiu separar a Petrobras de outros casos.

Fachin criou uma hora da verdade para Lula. Ele deixa de ser o impedido, o condenado, a vítima, para ser o beneficiado por um ministro escolhido por Dilma, ex-advogado do MST, próximo à CUT; suscita mais debate sobre o uso da Petrobras, já que o assunto se atualizou, mas, além de tudo, terá de enfrentar Bolsonaro, que já ocupou o lugar que era dele, Lula — o de ser uma espécie de esperança do povo, e que o povo chama de mito. Lula parece não ter como recusar o desafio que Fachin lhe joga no colo.

O PT já não precisa repetir o candidato que chamavam de poste. Agora, o próprio Lula deixou de ser inelegível e pode disputar a eleição presidencial do ano que vem, se ele quiser. A esquerda pode continuar fracionada, com Ciro e Boulos, ou se juntar a Lula, criando uma frente para evitar a reeleição de Bolsonaro.

Outros personagens da corrida presidencial devem estar desolados, como Sergio Moro e João Doria.