Correio Braziliense, n. 21107, 09/03/2021. Política, p. 2/3

 

Bolsonaro dispara contra petista

09/03/2021

 

 

 Recorte capturado

O presidente Jair Bolsonaro comentou a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula. "Qualquer decisão dos 11 ministros é possível se prever o que eles pensam, do que botam no papel. O ministro Fachin, ele tinha uma forte ligação com o PT, então não estranha uma decisão nesse sentido. Mas, obviamente, é uma decisão monocrática, vai ter de passar pela turma ou pelo plenário para que tenha a devida eficácia", disse.

Bolsonaro atacou o petista, ao afirmar que "afinal de contas, as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade (...)". "Você pode ver a própria Petrobras, as refinarias que não foram construídas e aquelas compras desastrosas, como a de Pasadena. O prejuízo ficou na ordem de R$ 230 bilhões para a Petrobras", destacou. "Não pode, em hipótese alguma, um homem só ser o senhor do destino de um julgamento como esse. Então, não sou jurista, mas eu acho que nem é questão de turma, é questão de plenário decidir isso daí."

O chefe do Executivo comentou a possibilidade de o petista concorrer à presidência no ano que vem. "Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 22, muito menos pensar numa possível eleição dele", frisou. "Você pode ver: a Bolsa já foi lá para baixo, o dólar foi lá para cima. Todos nós sofremos com uma decisão como essa daí. Agora, a gente espera que a turma do Supremo restabeleça aí os julgados."

Nos bastidores do Palácio do Planalto, porém, a anulação da condenação de Lula já estava precificada, pois Bolsonaro trabalha com um cenário de radicalização política e polarização eleitoral com os petistas, fosse Fernando Haddad, seu adversário em 2018, ou Lula. A decisão retroalimenta sua narrativa, inclusive contra o Supremo Tribunal Federal (STF). (LCA, com Agência Estado)

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Caminho aberto para disputar as eleições 

Luiz Carlos Azedo 

09/03/2021

 

 

Em meio a chuvas e trovadas da tarde de ontem, em Brasília, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão monocrática, anunciou a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva relacionadas à Operação Lava-Jato, pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), da qual foi titular o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. A decisão caiu como um raio nos meios políticos, pois o petista recuperou os direitos políticos e poderá ser o candidato nas eleições de 2022. É uma reviravolta no cenário eleitoral.

A determinação de Fachin, que surpreendeu os demais ministros da Corte, ainda atinge outros casos ligados a Lula, como os habeas corpus que questionavam a suspeição de Moro e de procuradores da força-tarefa do Paraná.

O habeas corpus julgado pelo magistrado havia sido impetrado em novembro passado, alicerçado na interpretação majoritária do Supremo Tribunal federal (STF) que desmembrou a Lava-Jato, com base no conceito de "juiz natural". Fachin, que tinha sido contra os desmembramentos, considerou esse entendimento majoritário pacificado na Corte e declarou a incompetência da Justiça Federal do Paraná nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e das doações ao Instituto Lula.

Segundo nota do gabinete do ministro Fachin, "foram declaradas nulas todas as decisões proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba e determinada a remessa dos respectivos autos para a Seção Judiciária do Distrito Federal". O magistrado também surpreendeu o mundo jurídico ao extinguir 14 processos que tramitavam no Supremo e descartar o julgamento da suspeição de Moro, que estava sendo pleiteada pela defesa de Lula junto ao ministro Gilmar Mendes. Anulada as decisões do então juiz, na interpretação de Fachin, os demais processos perderam o objeto.

A polêmica decisão pode ser levada à Segunda Turma, embora haja entendimento de que somente o plenário tem condições de reformar sentença de um ministro.

Fachin estribou sua decisão no "entendimento majoritário" que esvaziou a competência da Justiça Federal do Paraná, quando Moro ainda era o titular, para processos não ligados diretamente aos desvios da Petrobras. É o caso dos relacionados às delações da Odebrecht, da OAS e da J&F. Na própria sentença, o magistrado vacinou-se contra acusações de favorecer o petista: "As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos (...). No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário". Ele alegou que a Segunda Turma do Supremo já vem transferindo processos para a Justiça Federal do Distrito Federal em circunstâncias semelhantes às de Lula.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que vai recorrer da decisão. O recurso deve ficar a cargo da subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo.

Defesa
Em nota, a defesa de Lula afirmou que lutou, "durante mais de cinco anos", em todas as instâncias do Judiciário, para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, o que foi admitido agora por Fachin. "Isso porque as absurdas acusações formuladas contra o ex-presidente pela 'força-tarefa' de Curitiba jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130", frisou o comunicado, assinado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins.

Os defensores enfatizaram, na nota, que "nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados". "Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e membros da 'força tarefa' de Curitiba, como foi reafirmado pelo material que tivemos acesso também com autorização do Supremo Tribunal Federal e que foi por nós levado aos autos da Reclamação nº 43.007/PR", emendou.

Os advogados ressaltaram, no entanto, que a decisão de Fachin "não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da 'Lava Jato' ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado democrático de direito".

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Dallagnol alerta para prescrição 

09/03/2021

 

 

Ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, no Ministério Público Federal, em Curitiba, Deltan Dallagnol criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu perfil em rede social, ele afirmou que "esse é mais um dos casos derrubados recentemente num sistema de Justiça que rediscute e redecide a mesma questão dezenas de vezes nas Cortes e que favorece a anulação dos processos criminais".

O procurador lembrou que "a tramitação desses casos em Curitiba foi decidida várias vezes pelos tribunais, inclusive pelo próprio Supremo". "Ou seja, a condução desses casos em Curitiba pela Operação Lava Jato seguiu as regras do jogo então existentes. O que mudou para que viesse essa decisão contrária às anteriores? Houve uma mudança das regras do jogo no STF, que expandiu gradativamente seu entendimento de que os casos de Curitiba deveriam ser redistribuídos pelo país, conforme explicitado na decisão do ministro Fachin."

Dallagnol afirmou que, "de fato, a Suprema Corte expandiu o entendimento de que os casos não relacionados diretamente à Petrobras deveriam sair de Curitiba" e enfatizou processos envolvendo políticos do MDB em corrupção na Transpetro. Na semana passada, o relator da Lava-Jato havia retirado processo da 13ª Vara Federal.

O ex-coordenador da Lava-Jato afirmou que as investigações e processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em Brasília, "mas com reais chances de prescrição dos crimes pelo decurso do tempo". O juiz da 13ª Vara Federal, Luiz Antônio Bonat, informou que vai enviar os casos para a Justiça do Distrito Federal.
Ainda segundo Dallagnol, a decisão de Fachin não apaga dos processos as provas levantadas pela Lava-Jato contra Lula. Conforme ressaltou, é preciso atenção para o "amplo retrocesso" vivido no Brasil, no combate à corrupção. "Para além da anulação dos casos na Operação Lava Jato, é preciso abrir os olhos para os amplos retrocessos que estão acontecendo no combate à corrupção — e aqui não trato mais de um ou outro caso concreto."

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro não havia se pronunciado até o fechamento desta edição.

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Nas entrelinhas: Lula livre para 2022

Luiz Carlos Azedo 

09/03/2021

 

 

Como dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da Odebrecht e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.

A decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as expectativas de punição do ex-ministro Sergio Moro e dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa de Lula. No mundo jurídico e nos meios políticos, a aposta era de que somente a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo. Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes ficou com o voto na mão.

Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sergio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção.

Outros réus poderiam pedir anulação de seus respectivos processos, pois é disso que se trata, principalmente para os advogados que atuam na Lava-Jato e sempre questionaram os métodos heterodoxos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na prática, a decisão de Fachin pode garantir a presença de Lula na eleição porque uma condenação em segunda instância, no Tribunal Regional Federal, uma Corte garantista, leva, em média, seis anos; além disso, como Lula tem mais de 70 anos, o caso já estará prescrito, pois os fatos ocorreram há quase 10 anos, e a prescrição cai de 16 para oito anos.

 Tensão institucional

No plano imediato, o principal foco de tensão é dentro do Supremo, que voltará a se dividir profundamente. Em recente decisão sobre os processos criminais, a Corte estabeleceu que nenhuma decisão monocrática pode ser reformada por outro ministro ou pelas Turmas, no caso dos processos criminais, somente pelo plenário da Corte. O Ministério Público Federal (MPF) já anunciou que recorrerá da decisão, e não será surpresa se a defesa de Lula insistir na suspeição de Moro e dos procuradores, sendo acolhida pelo ministro Gilmar Mendes, na reunião de hoje da Segunda Turma.

O segundo foco é o Congresso, principalmente a Câmara, cujo presidente, Arthur Lira, lidera as articulações para acabar com a Lava-Jato. O Centrão e maioria das bancadas do PT e do PSDB apostavam na suspeição de Moro. O terceiro, o Palácio do Planalto, muito mais interessado no fim da Lava-Jato e na inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A retórica de Bolsonaro sobre a decisão mira o desgaste do Supremo junto aos militares e uma parte da opinião pública. A candidatura de Lula já está precificada. No esquema binário da narrativa bolsonarista, a esquerda é o inimigo principal. O fantasma de Lula assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia e outras questões nas quais confronta os grandes consensos. Com Lula livre, o discurso golpista de Bolsonaro ganha uma dimensão eleitoral antecipada, com sua cantilena contra a urna eletrônica.