Correio Braziliense, n. 21105, 07/03/2021. Economia, p. 8

 

Desgovernado, Brasil mergulha na pobreza

Marina Barbosa 

07/03/2021

 

 

A pandemia da covid-19 deixou todo o mundo mais pobre, mas terá um efeito especialmente duro na economia brasileira. É que, embora tenha caído menos do que outros países em 2020, o país vai demorar mais a se recuperar desse baque. Afinal, já vinha apresentando dificuldade para crescer antes da pandemia e está atrasado no combate ao novo coronavírus. Por isso, avançará menos do que seus pares e continuará perdendo posições no ranking das maiores economias do mundo neste ano. O Brasil está cada vez mais pobre. O ano de 2021 começou com 27 milhões de pessoas (12,8% da população) na miséria, conforme a Fundação Getulio Vargas (FGV).

Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 4,1% em 2020. O impacto é o maior dos últimos 30 anos e tirou o Brasil do grupo das 10 maiores economias do planeta. Porém é bem melhor do que a queda de quase 10% projetada no início da pandemia e também é menor do que a recessão registrada por países como México (-8,7%), Reino Unido (-9,9%) e Alemanha (-5,3%), tanto que foi comemorado pelo governo de Jair Bolsonaro, a despeito de a miséria ser cada vez maior país afora.

Especialistas explicam que, ao injetar R$ 293 bilhões na economia e impulsionar o consumo das famílias, o auxílio emergencial conseguiu amortecer o tamanho do tombo econômico no ano passado. Porém dizem que não há motivos para celebrar neste ano. É que o cenário que se desenha para 2021 é completamente diferente.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial vai crescer 5,5% neste ano, influenciada pelos estímulos monetários anunciados por países como os Estados Unidos ou pelo sucesso de nações como a China no controle da pandemia. O Brasil, que não tem mais espaço fiscal para manter muitos dos auxílios emergenciais de 2020 e não tem tido sucesso no combate à covid-19, por sua vez, deve crescer 3,6%. E agentes do mercado financeiro dizem que essa taxa será ainda menor, já que a segunda onda da pandemia deve causar contração no PIB neste primeiro trimestre.

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) já calcula, inclusive, que o PIB do Brasil vai cair 0,3% no biênio de 2020/2021, enquanto o do grupo das economias emergentes subirá 1,8%. A Índia, por exemplo, deve crescer 1,3% no período; a Indonésia, 1,4%; e a Coreia do Sul, 1%. Não à toa, o Brasil caiu da nona para a 12º posição no ranking das maiores economias mundiais em 2020 e deve cair mais em 2021. Segundo a Austin Rating, mesmo se crescer 3,6%, o país será ultrapassado pela Austrália e pela Espanha, caindo para a 14ª posição desse ranking.

"Em 2020, praticamente todos os países do mundo registraram queda do PIB. O problema é que o Brasil já havia caído em 2015 e 2016 e ainda não havia se recuperado disso. O quadro já era ruim. E, neste ano, vai apresentar um ritmo de recuperação muito aquém do de outros países, pois a pandemia está fora de controle, e o Brasil está atrasado na vacinação. Por isso, ficará um pouco mais distante de outras economias", explica Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre. "O país vai crescer neste ano, mas o crescimento não será maior que o de outros países emergentes para tirar a diferença. Além disso, o risco fiscal continua afetando os investimentos e o câmbio, o que atrapalha o crescimento", acrescenta o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

"Década perdida"

Segundo os especialistas, para garantir a retomada do crescimento econômico e conter o avanço da pobreza, o país precisa avançar na vacinação contra a covid-19, que vai permitir o funcionamento seguro das atividades econômicas, mas também olhar para o longo prazo. Afinal, antes da pandemia, o Brasil já vinha com dificuldades de crescer. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o PIB do país cresceu, em média, 0,8% ao ano entre 2010 e 2019, porque problemas estruturais vinham segurando o crescimento e os investimentos. Por isso, com a queda de 4,1% de 2020, o país teve mais uma "década perdida". Nas contas do FGV/Ibre, o Brasil cresceu apenas 0,2% ao ano entre 2010 e 2020. É um resultado bem pior que o registrado na década perdida de 1980: 1,6%. Ou seja, continuamos repetindo os erros que perpetuam a pobreza.

"Antes da pandemia, o Brasil havia sofrido uma crise brutal entre 2014 e 2016. E, depois disso, ficou praticamente estagnado, porque a produtividade vinha ruim, o investimento colapsou, e a recuperação do mercado de trabalho veio pela informalidade, que é quatro vezes menos produtiva que o setor formal. Além disso, o Brasil não tem mais o bônus demográfico ajudando a produtividade, já que o país está envelhecendo", explica Silvia. A economista diz, então, que o país precisa avançar nas reformas estruturais, como a tributária, que prometem aumentar a produtividade e atrair investimentos.

"Superada a pandemia, o Brasil voltará a enfrentar os mesmos problemas de antes. Por isso, precisa reduzir o custo Brasil, a complexidade tributária, os problemas de infraestrutura e de educação", reforça o gerente executivo de economia da CNI, Renato da Fonseca. "O país já tinha um desafio antes da crise da covid-19. E, agora, veio uma crise muito dura, que aumentou o desemprego, o endividamento. Por isso, precisa enfrentar as reformas", reforça Silvia. Ela ainda alerta: "O risco de não conseguir fazer reformas é retroceder, perder investimentos, perder mão de obra qualificada e ter um empobrecimento generalizado, como aconteceu com outros países latino-americanos".

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Renda cai a níveis de 2009

07/03/2021

 

 

Com a contração da economia, o brasileiro começou este ano mais pobre. É que, além de derrubar a atividade econômica, a crise do novo coronavírus reduziu em 4,8% o PIB per capita do país em 2020. O baque foi o maior dos últimos 30 anos e levou o brasileiro ao mesmo nível de renda de 12 anos atrás. Por isso, na avaliação de especialistas, não será revertido rapidamente se o crescimento econômico não acelerar no pós-pandemia.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a crise da covid-19 derrubou em 4,1% o PIB do Brasil no ano passado, quando a população brasileira cresceu 0,7%. Assim, achatou em 4,8% o PIB per capita — indicador que divide a riqueza pelo número de habitantes de um país e serve como um indicador do nível de renda da população. O PIB per capita foi de R$ 35.172 em 2020 — valor que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fez o brasileiro retroceder ao mesmo nível de renda de 2009.

Diretor do Ipea, José Ronaldo Souza Júnior explica que, devido ao baixo ritmo de crescimento econômico dos últimos anos, o brasileiro ainda não havia recuperado a renda per capita de antes da crise de 2014 a 2016. E, agora, viu esse empobrecimento se agravar por conta da covid-19, que colocou milhões de brasileiros na fila do desemprego e em situação de pobreza. Na década de 2011 a 2020, o saldo foi, portanto, de uma queda de 0,6% do PIB per capita.

Pressão

"O PIB per capita indica o nível de renda médio da população, é uma das principais medidas de bem-estar. Esse quadro tende a piorar os indicadores sociais de forma geral e aumentar a desigualdade", lembra Souza Júnior. "A queda do PIB per capita é um sinônimo de empobrecimento. Por isso, tende a pressionar os programas sociais e aumentar a demanda por serviços públicos como saúde e educação, justo neste momento em que o Orçamento está todo engessado, e ainda pode complicar a recuperação econômica, porque o consumo das famílias responde por 2/3 do PIB", reforça o economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes.

Para reverter esse processo de empobrecimento, não há saída, a não ser acelerar o crescimento econômico. "Como a população continua crescendo, é preciso aumentar o bolo de riqueza que será dividido entre os cidadãos para aumentar o PIB per capita", explica a gerente de Contas Nacionais do IBGE, Claudia Dionisio.

Diante dos desafios que se apresentam à retomada econômica do Brasil, a Tendências Consultoria avisa que levará algum tempo para a renda do brasileiro reverter a perda de 2020. Economista da Tendências, Lucas Assis diz que o PIB per capita deve crescer apenas 2,2% neste ano. Calcula que o brasileiro só retomará o rendimento per capita do pré-pandemia em 2023 ou 2024. Já para voltar ao PIB per capita 2014, só em 2027. (MB)