Correio Braziliense, n. 21099, 01/03/2021. Política, p. 3

 

Lockdown pode atrasar PEC da imunidade

Luiz Calcagno 

Israel Medeiros 

01/03/2021

 

 

Termina, hoje, o prazo para os partidos indicarem os integrantes da comissão especial da Câmara que debaterá a proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/2021, que regulamenta a imunidade parlamentar e os limites da liberdade de expressão de congressistas. Apelidada de PEC da Impunidade, o tema ocupou todas as três sessões da última semana, mas acabou não passando no plenário, por falta de acordo, o que consolidou a primeira derrota de Arthur Lira (PP-AL) no cargo de presidente da Casa.

Porém, com o agravamento da pandemia no país e as medidas restritivas adotadas em vários estados e no Distrito Federal, o início dos debates sobre o tema e a retomada das comissões, previstos para esta quinta-feira, podem estar em xeque. No Senado, por exemplo, vários parlamentares já consideram não comparecer à sessão prevista para amanhã. Na Câmara, funcionários protestam contra a retomada dos trabalhos. Desde as eleições para a presidência da Casa, ao menos 27 pessoas teriam se contaminado.

O 1º vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), conversa, hoje, com Lira, para discutir se ocorrerá alguma alteração no cronograma de retomada das comissões em formato híbrido, presencial e por home office. Caso o presidente da Casa mantenha a resolução de trabalho presencial, a comissão especial da PEC 3 deverá iniciar os debates com os demais colegiados. "Por enquanto, está mantido o cronograma. Até porque, as comissões têm todo um protocolo. A comissão de ética foi instalada sem nenhum risco. Por enquanto, o que tem é uma ordem de proibição de acesso de visitantes na Casa e nenhuma mudança em relação aos trabalhos", afirmou Ramos.

Os debates da comissão especial da PEC 3/2021 durarão por 10 sessões do plenário da Casa. A votação pela admissibilidade do tema, na última quarta-feira, teve o mesmo valor de uma aprovação da matéria na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ).

Prisão
A tentativa de Arthur Lira de acelerar a aprovação da PEC da imunidade ocorreu na esteira da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Ele está detido por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) por divulgar vídeo incitando violência contra magistrados da Corte e fazendo apologia ao AI-5, o ato institucional mais perverso da ditadura militar.

A prisão de Silveira foi referendada, em seguida, pelos 11 integrantes do STF e pela própria Câmara. Ele segue detido no Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Quando da prisão dele, Lira e aliados articularam a PEC. O texto ficou pronto em quatro dias e foi levado a plenário para votação sem passar pela CCJ ou pela comissão especial. Mesmo tendo votado expressivamente pela manutenção da prisão do deputado, a rapidez com que o presidente da Câmara colocou a proposta em discussão provocou duras críticas no plenário. Ainda assim, a PEC teve a admissibilidade aprovada na quarta-feira passada e foi levada ao plenário para votação na quinta e na sexta, mas acabou ocorrendo o recuo sobre a votação.

Nos bastidores, fontes ouvidas pelo Correio relataram que os diálogos que deram origem à PEC foram no sentido de revogar a prisão de Silveira, além de enviar um sinal ao STF para que fosse criterioso nas ações, pois a decisão de Moraes foi considerada juridicamente polêmica. Quando as articulações começaram, no entanto, parlamentares tiveram receio de que a libertação do parlamentar aumentasse as tensões com o Supremo. Diante disso, o político do Rio acabou sacrificado para evitar conflitos.

Na sexta-feira, enquanto conduzia a sessão que discutia a PEC, Lira afirmou que a proposta não havia partido da Mesa nem da presidência. Nos bastidores, porém, deputados apontam o caminho oposto. O presidente teria sido o capitulador da iniciativa, que, de fato, foi bem recebida.

O amplo apoio, porém, teve preço. A relatora, Margarete Coelho (PP-PI), e o autor do texto, Celso Sabino (PSDB-PA), foram obrigados a retirar um trecho que feria de morte a Lei da Ficha Limpa. O chamado duplo grau de jurisdição, desenhado especialmente para parlamentares condenados na Justiça, pois previa mais possibilidades de recursos em processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF.

Mobilização
O duplo grau de jurisdição mobilizou, inclusive, a sociedade civil, por meio da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Com a retirada do dispositivo, o PT, que liderou as obstruções no segundo e terceiro dias de debate, passou a considerar o assunto, e deputados de PCdoB, PDT e PSB também embarcaram na PEC.

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Divergência de Poderes 

01/03/2021

 

 

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Eduardo André Brandão afirmou que a PEC da imunidade, se aprovada, dificultaria para o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar parlamentares, mas não impossibilitaria. A questão principal, segundo ele, é outra. "O que nos preocupa é a mensagem de retaliação ao Supremo. Na semana passada, as instituições se afirmaram, mostraram que estão acima dos indivíduos. Mas essa PEC passa uma mensagem de retaliação, que não é o que a sociedade quer. Principalmente, depois de uma discussão tão rápida, imediatamente após a manutenção da prisão", emendou, em relação à prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), por ataques à Corte.

Brandão ressaltou que há, constitucionalmente, precedentes para que parlamentares disciplinem uns aos outros. Porém, a rapidez com que o projeto foi apresentado levanta questionamentos. "Nós entendemos a razão de existir a possibilidade de os deputados lidarem com questões internamente, até por eles serem representantes do povo — apesar de sermos contra o foro privilegiado. Mas entendemos que essa rapidez para discutir não era necessária. Todo debate é compreensível, justificável, no entanto, querer mudar a regra na semana seguinte talvez passe a mensagem errada", enfatizou.

Ele disse que divergências entre os poderes são normais, mas não devem abrir espaço para conflitos entre as instituições.

Tema importante
Doutor em ciência política, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Ricardo Ismael destacou que o debate sobre a imunidade parlamentar é importante e, embora seja politicamente correta, juridicamente, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que levou à prisão de Daniel Silveira é polêmica. "Sou totalmente contra que se crie uma lei. O deputado, praticamente, não vai mais sofrer ações como as da Lava-Jato, que prendeu parlamentares. Uma blindagem indevida, mas é uma questão que nunca foi regulamentada", disse.

Ricardo Ismael lembrou que há uma tensão entre a Casa e o STF. "A Câmara resolveu não partir para a briga. Ratificou a postura da Corte. Mas, esta semana, começa a reagir, dar um limite ao Supremo. A questão tem de ser colocada na mesa", frisou. "O Lira não quer o rótulo de apoiar a lei da impunidade, mas deve estar sendo pressionado a estabelecer acordo e limites na ação do Supremo."

De acordo com Ismael, "o deputado falou um monte de bobagem, mas, na democracia, se fala muita bobagem". "Essa questão do direito de opinião, dependendo do contexto, é protegida. Agora, claro, convocar pessoas para bater nos ministros no meio da rua é de uma irresponsabilidade absurda", destacou, numa referência à incitação de Silveira, em vídeo postado nas redes sociais, ao espancamento do ministro Edson Fachin, do STF. (LC e IM)